• Nenhum resultado encontrado

Parágrafo Único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2º A política urbana tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar : g) a poluição e a degradação ambiental;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência; XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

Art. 3º Compete à união, entre outras atribuições de interesse da política urbana:

III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Estatuto da Cidade, grifos nossos.

O Estatuto da Cidade marca no Parágrafo Único a posição ideológica do Estado, em relação à cidade ao definir que a posição do Estado é estabelecer normas

de ordem pública e de interesse social, bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental. Trata-se então, de uma posição discursiva que impõe a norma extensiva à

cidade, ao indivíduo e ao equilíbrio ambiental.

Dessa forma, o Estatuto da Cidade mostra no parágrafo IV que a sua função é o planejamento espacial, cuja finalidade é evitar e corrigir as distorções do

crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. Essa posição

cidades sustentáveis. Ao falar sobre cidade sustentável remete a sentidos instituídos no discurso de 1980, época em que eclode o discurso da globalização.

O conceito de sociedade sustentável foi elaborado originalmente pelo Worldwatch Institute, liderado por Lester Brow, no começo da década de 1980. O conceito foi disseminado mundialmente pelos relatórios anuais sobre o estado do mundo, produzidos pelo Worldwatch desde 1984, e pelo relatório “Nosso futuro comum” produzido pela Comissão das Nações Unidas para o meio Ambiente e Desenvolvimento, liderada por Brundtland, em 1987. A partir da convocatória da UNCED em 1989, o conceito torna-se um ponto de referência obrigatório dos debates acadêmico, político e cultural: ele passa a ser, simultaneamente, uma idéia-força poderosíssima sobre a ordem social desejável e um campo de batalha simbólico para o significado desse ideal normativo (FERREIRA & VIOLA, 1996, p.9).

O trecho acima nos permite dizer que para compreendermos o funcionamento do discurso, às normas, é preciso que consideremos a exterioridade que significa, na materialidade simbólica, a historicidade. Dessa forma, compreendemos que pelo funcionamento da linguagem se tem acesso à ordem significante do discurso que produz diferentes sentidos entre interlocutores.

A afirmação pontuada por Pêcheux (1990), de que o discurso é efeitos de

sentido entre interlocutores, nos permite compreender que o sentido se constitui em

distintas condições de produção. E que, para o discurso significar, o sujeito inscreve o seu dizer em uma formação discursiva que se relaciona com outras formações discursivas.124

Assim, os vestígios, no discurso, permitem dizer, neste caso, como as instituições, as organizações políticas ambientais projetam o imaginário de cidade sustentável que toma corporeidade, política, no social, no começo da década de 1980. Nesse movimento do discurso torna-se produtivo observar como um determinado dizer funciona e é disperso em outras formulações.

Conforme Orlandi (2001), o texto é heterogêneo em relação a sua constituição discursiva, pois enquanto materialidade significante é atravessado por diferentes formações discursivas. “As diferentes formações discursivas regionalizam as posições do sujeito em função do interdiscurso, este significando o saber discursivo que determina as formulações” (ORLANDI, op.cit. p.115).

124 Orlandi (1990).

Observamos, assim, que as práticas políticas do discurso das estatais, no caso do discurso do Estatuto da Cidade, é um dizer que serve para qualquer cidade. Diz o parágrafo I – “(...) o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento

ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para os presentes e futuras gerações.”

Pelas observações discursivas do Estatuto da Cidade entendemos que as relações sociais são relações de posições de sentidos do poder público, do sujeito em prol da espacialidade, em que o ambiente deve significar qualidade de vida e cidade sustentável. 125 Assim, se por um lado, o Estatuto da Cidade é compreendido como a voz do Estado, de outro lado, a materialidade que o constitui é passível de questionamento.

Do ponto de vista político, o Estado funciona como o porta-voz126 que legitima as instituições de práticas ideológicas que são constitutivas do poder. Visto por um outro ângulo, os espaços públicos, urbanos, revestidos por Leis reclamam sentidos entre: direitos e deveres. Assim,

a Constituição, ao prescrever que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, não diferencia os habitantes situados na zona rural, dos que estão situados na zona urbana. Saule Jr. (2004, p.45).

Por essa via podemos pensar as redes que integram o poder da Nação, das regiões que têm suas particularidades políticas distintas e de certa forma, organizam o corpo da cidade127. Conforme o Estatuto da Cidade Art.40, §2º “O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.” Para Lesley Gasparin Leite (in Saule Jr, 2004) “não é possível considerar somente a zona urbana para a elaboração de um Plano Diretor.” A autora discute ainda, os atravessamentos políticos e ideológicos articulados na Constituição Federal, como parâmetros que devem ser assegurados no texto do Plano Diretor, do poder local.

Segundo Saule Jr., cabe ao Município construir o Plano Diretor de forma que reverbere sentidos ao espaço urbano e ao rural, pois segundo o autor “padece de

125 Ver Viola, (1996).

126 Pêcheux, 1990. Delimitações, Inversões, Deslocamentos. In Cadernos de Estudos Lingüísticos 1990. 127 Orlandi ( 2004).

vício constitucional o Plano Diretor que se restringir apenas à zona urbana e de expansão urbana.”

Compreendemos, assim, que o discurso institucional que enuncia o Plano Diretor para o Município traz pela formulação, a projeção da sistematização política da ideologia jurídica à cidade, o que implica o urbano e o rural.