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Diretrizes para o intervenções urbanas de interesse social

Foto 15 Uso misto

2.3 Diretrizes para o intervenções urbanas de interesse social

“Projecto urbano quer dizer adaptação de um meio a um espaço de vivência humana e funcional, exigindo sobretudo duas condições: um conhecimento sólido sobre o assunto – que é a <ferramenta> de quem planeia – e uma atitude moral que trata as formas e os conteúdos do meio com respeito e consideração” (PRINZ, 1980, p.09) Em relação às diretrizes que devem ser consideradas para a elaboração de um projeto urbano de interesse social, autores como BUENO (2002, 2008), BUENO e MONTEIRO (2006), DENALDI (2008), MASCARÓ (1986, 2003), MORETTI e ZMITROWICZ (1993), e MORETTI (1997) realizaram vários estudos que contribuíram para intervenções urbanas sustentáveis e na redução de custos com a elevação da qualidade dos desenhos urbanos.

Bueno e Monteiro (2006) citam que o programa mínimo para adequação urbana e melhoria das condições habitacionais é

- erradicação de risco;

- minimização de problemas de conforto e salubridade; - acesso universal ao saneamento ambiental;

- acessibilidade; - iluminação pública;

- individualização de serviços urbanos como água, energia, correio;

- adequação da casa às dimensões e atividades do grupo familiar (BUENO; MONTEIRO, 2006, p.194).

Assim, para iniciar um projeto de regularização urbanística seria necessário a definição das áreas carentes de prestação dos serviços urbanos (saneamento, iluminação, água etc) e de adequação do sistema viário (com acessibilidade e integração das vias) e a maximização do conforto e salubridade, mesmo que para isso haja necessidade de demolições de moradias109110. Conforme tais autores,

109 Cabe informar que anteriormente, a remoção era vista como a forma correta de saneamento físico e moral (Bueno, 2000). Atualmente já se aceita a consolidação das áreas ocupadas por favelas. A remoção de favelas só tem ocorrido em situações de risco, tendo em vista que remoções são socialmente indesejáveis.

110 Denaldi (2008) aponta que a remoção é um dos principais gargalos da urbanização, tendo em vista que os municípios não conseguem equacionar o financiamento da remoção.

a experiência mostra que nem tudo o que é irregular é precário e precisa ser removido, demolido. Muitas das situações de segurança, salubridade e conforto (que as exigências legais têm por objetivo garantir são alcançáveis nos assentamentos irregulares, através da execução de obras de infra-estrutura urbana, especialmente drenagem, redes de água, redes de esgoto e viabilização da coleta de lixo (BUENO; MONTEIRO, 2006, p.195)

Bueno e Monteiro (2006) também recomendam que a consolidação da zona de interesse social, durante o período de regularização, tenha o apoio técnico e obras de melhorias habitacionais (salubridade e habitabilidade), de forma a adequar na lei os usos existentes e os que serão mantidos, especialmente nos casos de ZEIS.

Bueno (2002), ao consolidar os resultados da pesquisa sobre “Parâmetros para urbanização de favelas” realizada pelo LABHAB – Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP, buscou indicar soluções e arranjos institucionais que servissem de parâmetros referenciais para a ampliação da ação de urbanização de favelas.

A pesquisa foi construída em torno de 3 eixos: da replicabilidade, adequabilidade e sustentabilidade.111 A partir de tais eixos, procurou-se avaliar as características e qualidades técnicas de obras de urbanização de favelas por meio das intervenções realizada em oito favelas, localizadas em São Paulo, Rio de janeiro, Goiânia e Fortaleza. A referida pesquisa chegou nos seguintes parâmetros ou indicadores:

Quadro 6 - Parâmetros para urbanização de favelas

Indicadores Parâmetros

Indicadores de replicabilidade - integração dos agentes de execução e continuidade das obras;

- Manutenção de áreas de preservação permanente no momento da ocupação;

- Utilização dos mesmos padrões de serviços urbanos da cidade para a urbanização;

- Integração à cidade e melhorias de acesso;

- Área verde dá aspecto agradável e não ocorrem invasões em áreas livres;

- A população utiliza equipamentos do bairro;

- Materiais convencionais para as redes melhoram operação e manutenção;

- Participação, programas de educação sanitária e ambiental;

- As famílias permaneceram na área;

111 Conforme Bueno (2002), replicabilidade refere-se “à construção de solução específica para favelas que possam ser utilizadas em outros núcleos” (p.83); adequabilidade refere-se à possibilidade de intervenção vir a funcionar, que sejam adaptadas à situação; e sustentabilidade refere-se a conservação e constante sustentação das condições físicas, sociais e políticas.

- Presença do poder público no controle do uso dos espaços coletivos;

Indicadores de adequabilidade - Melhoramento espontâneo das casas, no caso de uma das favelas, o poder público passou a oferecer assessoria técnica, o que melhorou a condição de habitabilidade; - Criação de ligações viárias e áreas de uso comum sem remoções;

- Mudanças no sistema e procedimentos de coleta de lixo; - Sistema convencional de água e misto para esgotos; - Presença do poder público no controle do uso dos espaços coletivos;

- Eliminação de todas as áreas de risco;

- Projetistas desenvolveram detalhes específicos para a área.

Indicadores de sustentabilidade - Ausência do Estado compromete o uso dos espaços livres;

- Solução de saneamento parcial traz insatisfação da população;

- Água e energia cobradas conforme consumo induz ao uso racional;

- O valor da conta compromete, entretanto, os orçamentos familiares;

- Participação política desenvolveu cidadania e auto estima.

Fonte: BUENO (2008, p.48).

O estudo concluiu que, após a urbanização, fatores como a falta de regularização fundiária ou título de propriedade, contribuiu para a mobilidade dos ocupantes e que, geralmente, após a obra, verificou-se a ausência do Estado, seja na fiscalização do uso do solo ou na manutenção das obras, o que “compromete a sustentabilidade da ação”. A falta de fiscalização provoca o risco de novas invasões ou apropriação privada de áreas livres e do sistema viário (vielas) para ampliação das edificações, assim como o risco de ocupação de áreas de preservação. (BUENO, 2008, p.50).

Considerando os diferentes tipos de modalidade de intervenção nas favelas, Denaldi (2008) identifica três padrões de qualidade de urbanização (padrão urbanístico):

- Padrão mínimo de urbanização: implantação de redes de água e de esgoto, drenagem e eletrificação, com soluções de coleta de lixo e melhora da acessibilidade, além de recuperação das áreas de risco;

- Padrão intermediário de urbanização: somaremos à eliminação de situações de risco e à implantação de infra-estrutura a provisão de equipamentos urbano (praças, centro comunitário, escola, creche), a readequação do viário e intervenção no

entorno, quando necessário, buscando solucionar questões ambientais ou deficiências de estrutura urbana;

- Padrão alto de urbanização: soma-se à adequação da densidade com definição de parcelamento, com a grande maioria dos lotes tendo tamanho mínimo de 40-44m2, a eliminação de situações de insalubridade e insegurança das moradias, a readequação do viário para permitir acessibilidade a todas as moradias e garantir distanciamento mínimo entre edificações de 4m e um distanciamento máximo de uma via de veículo de 60m, além da promoção da regularização fundiária. (DENALDI, 2008, p.66)

Vale ressaltar que os parâmetros adotados para cada tipo de urbanização resultam em diferentes custos de urbanização. Em relação à tal questão, estudos como o de Mascaró (1986) se propõe a fazer uma relação entre os custos e a forma urbana.

Para o autor,

diferentes tipos de organizações espaciais terão custos diferentes, conforme seja a altura de seus edifícios, a densidade de ocupação do solo e sua forma de organização, assim como outros fatores morfológicos, de mercado, e regionais que se combinam entre eles (MASCARÓ, 1986, p.62).

Mascaró (1986, p.61) também explicou que o custo do espaço urbano depende, fundamentalmente, de três fatores básicos: i) conjunto de edifícios que se implantam no terreno; ii) conjunto de redes de infraestrutura instaladas; iii) conjunto de terra ocupadas como espaço urbano. Ou seja, tanto o conjunto de redes de infraestrutura quanto os edifícios tem custos que são decorrentes da morfologia urbana, bem como os traçados e densidades influenciam diretamente na incidência do custo das redes por usuário. Conforme o autor, os custos de infraestrutura diminuem quando a densidade aumenta.

Vale informar que o custo da terra também é variável em função de uma série de fatores, como o mercado, por exemplo, e a demanda pela edificação – quanto mais alto for o edifício, menor será a incidência do custo do terreno no custo total. A combinação de todas as variações do custo constitui-se um parâmetro adicional ao desenho urbano.

Ressalta-se, ainda, que as limitações urbanísticas, tais como taxa de ocupação e aproveitamento do terreno, que tem como objetivo preservar a qualidade de vida evitando a exploração do solo, também desvalorizam o solo urbano, tendo em vista que, para o mercado, o valor do solo está fixado pelos incorporadores em função do lucro a ser obtido. Assim, se há limitação de construção, menor vai ser o lucro na construção.

Moretti (1997) ressalta que algumas exigências legais tem especial impacto nos custos de urbanização dos empreendimentos habitacionais, dentre deles:

- os parâmetros que levam a elevadas quotas de área pavimentada por unidade habitacional – largura mínima das ruas, testada mínima dos lotes, afastamentos laterais mínimos da edificação etc;

- os parâmetros que levam ao aumento da extensão das vias e das redes de infra- estrutura, entre eles a testada mínima dos lotes;

- os parâmetros que limitam a densidade populacional – área mínima do lote associada à proibição de habitação multifamiliar, quota mínima de terreno por unidade habitacional, coeficiente máximo de aproveitamento etc. (MORETTI, 1997, p.27).

Vale citar, ainda, que Moretti (1997) buscou enfatizar as questões técnicas, propondo critérios para urbanização, de forma que as edificações possam ao mesmo tempo atender as limitações econômica-financeiras e promover qualidade ambiental. As recomendações propostas são voltadas para a produção de novos empreendimentos, no entanto, entende-se que tais diretrizes possam ser aplicadas casos de unidades habitacionais já construídas.

O referido trabalho analisou os impactos no traçado urbano nos custos de infraestrutura e indicou:

- a importância de procurar a redução do comprimento das redes, em especial através da utilização de modelos habitacionais que impliquem baixos valores de testada para a via pública de cada unidade habitacional;

- a necessidade de minimizar a área de pavimentação por unidade habitacional, através da redução planejada da largura das vidas (...);

- a influência do aumento da densidade populacional na redução dos custos de infraestrutura para cada habitação. (MORETTI, 1997, p.22)

Tal autor também ressaltou que edificações geminadas são de grande importância para a racionalização de custos, reduzindo gastos com alvenaria, revestimento, pintura, cobertura, muros etc.

Estudos de Moretti e Zmitrowicz (1993) também citam alguns exemplos de soluções projetuais que se demonstram adequadas para construção de habitações de interesse social, tais como: elaboração de condomínios horizontais, automóveis sem acesso direto à edificação, edificação ocupando total ou parcialmente os recuos de frente, fundo e laterais. Os autores defendem tais soluções, por entender, por exemplo, que os condomínios horizontais possuem custos menores de implantação, em função do melhor aproveitamento do terreno, que os automóveis podem compartilhar espaços com pedestres, bem como que, muitas vezes, a falta de recuo pode representar a melhor utilização dos espaços.

Percebe-se, assim, que os custos da urbanização estão relacionados as características específicas de cada assentamento e os parâmetros de projetos adotados. Neste sentido, as soluções adotadas devem ser orientadas pelas melhorias alternativas de intervenção e os melhor custo benefício.

É oportuno citar que as abordagens acima mencionadas são complementares. Parte-se de diretrizes mais gerais, como a proposta por Bueno e Monteiro, que proporciona indicadores de qualidade dos projetos e define os requisitos mínimos para adequação urbana, abordagem complementada por Denaldi que classifica os tipos de urbanização, para diretrizes mais pontuais, como de Mascaró, Moretti e Zmitrowicz, que trazem propostas para redução dos custos de implementação das intervenções.

Abaixo encontra-se um Quadro síntese que reúne as diferentes abordagens em termos de diretrizes para intervenções de interesse social:

Quadro 7 - Síntese das Diretrizes para Intervenção Urbana de interesse social

Autores Diretrizes

Bueno Intervenções com soluções e arranjos

institucionais para ampliação da ação de urbanização: eixos de replicabilidade, adequabilidade e sustentabilidade, tais como integração à cidade, presença do poder público, participação da sociedade.

Bueno e Monteiro Intervenções contendo elementos mínimos

para adequação urbana e melhorias habitacionais, tais como: erradicação de risco, minimização dos problemas de conforto e salubridade, saneamento ambiental, acessibilidade, iluminação pública.

Denaldi Intervenções com padrões diferenciados de

urbanização, mantendo-se o padrão mínimo com implementação de infraestrutura e acessibilidade.

Mascaró Intervenções sustentáveis, por meio da

relação adequada entre o terreno, edifícios e redes de infraestrutura.

Moretti Intervenções técnicas, com critérios de

urbanização voltadas a superar as limitações econômicas-financeira e promover a

qualidade ambiental (melhor custo x benefício - resultante do tipo de intervenção e do padrão urbanístico escolhido).

Moretti e Zmitrowicz Intervenções realistas, por meio da

elaboração de soluções projetuais diferenciadas que aproveitem os espaços, mesmo que dificultadas pela legislação. Fonte: autora

Acredita-se que tais diretrizes, por permitirem a elaboração de soluções de projeto diferenciadas, perfeitamente adequáveis às situações específicas, possam resultar em proposta de intervenção em assentamentos urbanos de interesse social de boa qualidade. Vale informar que tais recomendações foram consideradas na elaboração de diretrizes gerais no estudo de caso, expostas no final do capítulo 4.

Por fim, considerando que as diretrizes aqui expostas pressupõe a adoção de uma base conceitual e de critérios de qualidade, o item a seguir traz experiências significativas de intervenções urbanas que ilustram algumas questões abordadas neste tópico e demonstram a viabilidade de uma intervenção integrada, que, articulados aos índices propostos no item 2.4, serão essenciais para análise físico espacial da área objeto de estudo deste trabalho.