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2.3 Governança corporativa no setor bancário

2.3.1 Abordagens genéricas

2.3.1.1 Disciplina de mercado e o Novo Acordo de Basiléia

A crise vivenciada pelo mundo no início da década de 70, ocasionada pelo fim do Sistema Monetário Internacional, baseado em taxas de câmbio fixas, motivou a criação do Comitê de Regulamentação Bancária e Práticas de Supervisão, com sede no Bank for International Settlements (BIS), na cidade de Basiléia, Suíça. Desde então, esse comitê, conhecido como Comitê de Basiléia e constituído por representantes de bancos centrais e autoridades com responsabilidade sobre a supervisão bancária em países do G-10, tornou-se responsável pelo estabelecimento de regras que têm como objetivo a criação de um padrão internacional para os bancos reguladores, a fim de que eles pudessem resguardar o mercado diante dos riscos inerentes à atividade financeira (BANCO DO BRASIL, 2008).

Em 1998, celebrou-se o Acordo de Basiléia, conhecido como Basiléia I, que definiu mecanismos para a mensuração do risco de crédito e estabeleceu exigências de capital mínimo para os bancos. Em 2004, assistiu-se à celebração do Novo Acordo de Basiléia, ou Basiléia II. Dividido em três pilares, esse acordo propõe um sistema mais abrangente no que tange ao fortalecimento da supervisão bancária e da disciplina de mercado, ao mesmo tempo em que mais flexível em relação às exigências de capital. O quadro 3 ilustra a estrutura do Novo Acordo de Basiléia.

PILAR I PILAR II PILAR III

Exigências mínimas de

capital Supervisão bancária Disciplina de mercado

Riscos: crédito, mercado, operacional

Avaliação da forma da adequação dos bancos face às

necessidades de capital decorrentes da incursão em

riscos

Divulgação de informações

Solidez Gestão do SFN e da IF Redução das assimetrias de informação

Quadro 3 – Pilares do Novo Acordo de Basiléia

Lane (1993) define a disciplina de mercado como um estágio no qual os mercados financeiros fornecem sinais que levam os tomadores de recursos a se comportarem de maneira consistente com sua solvência. Esse conceito, consubstanciado pelo terceiro pilar do Novo Acordo de Basiléia, tem sido considerado fundamental no debate sobre as políticas públicas a serem desenvolvidas no âmbito da arquitetura da regulação bancária no mundo. Hamalainen, Hall e Howcrof (2005, p. 184) afirmam: “[…] In virtually all of the discussions of financial system

reform, a key topic is whether and how increased market discipline can substitute for regulatory discipline to redress some of the moral hazard and efficiency problems in banking”.

De acordo com o Comitê de Basiléia, a proposta de um terceiro pilar – disciplina de mercado – é complementar aos requerimentos de capital mínimo e à supervisão bancária já contemplados pelos dois primeiros. Com a introdução desse pilar, o Comitê procurou encorajar a disciplina de mercado por meio do desenvolvimento de um conjunto de exigências em relação à disclosure dos bancos, que permite aos participantes do mercado acessar informações-chave acerca do âmbito de atuação, capital, exposição ao risco, processos de avaliação de risco e, por meio disso, ter uma noção clara da suficiência de capital das instituições bancárias (BIS, 2008).

No livro Rethinking bank regulation: till angels govern, Barth, Caprio e Levine (2006) apresentam um estudo compreensivo sobre o impacto das práticas de supervisão e regulação sobre os bancos, examinando os três pilares do Novo Acordo de Basiléia. Segundo os autores, aumentar a supervisão oficial direta dos bancos e os níveis exigidos de capital não traz benefícios para o desenvolvimento dos bancos, não melhora sua eficiência, não reduz a corrupção nos empréstimos e nem diminui a fragilidade do sistema bancário. A perspectiva dos autores não é de negação da importância da supervisão bancária, mas de a ela conferir um papel coadjuvante na governança dos bancos:

Although supervision was not found to be effective along a range of criteria, this does not mean that it does not have a role in strengthening the banking sector. Rather, what is suggested is a supporting role for supervision, that is one in which supervisors’ job is to verify that the information being disclosed by banks is accurate, and to penalize banks that disclose false, misleading, or inadequate information (BARTH, CAPRIO e LEVINE, 2006, p. 10).

O que as evidências apresentadas pelos autores sugerem é que o fortalecimento da supervisão oficial e dos poderes disciplinadores impediria a eficiência nas operações bancárias, aumentaria a corrupção nos empréstimos e feriria a efetividade da alocação de capital (embora esses impactos negativos sejam menos sentidos quando os países têm instituições políticas democráticas, competitivas e extremamente abertas). Em contraste a isso, as políticas regulatórias e de supervisão que facilitam ao setor privado monitorar os bancos, forçando, por exemplo, os bancos a prestarem informações acuradas ao público, melhorariam a qualidade de suas operações, sua eficiência e reduziriam a corrupção nos empréstimos (BARTH, CAPRIO e LEVINE, 2006).

Nos debates correntes, esses autores têm questionado a efetividade da estrutura de regulação bancária atual, destacando a oportunidade de melhorar a política regulatória por meio da disciplina de mercado. Nesse sentido, o objetivo regulatório de prevenção à tomada excessiva de risco não deveria ser perseguido por meio de regras detalhadas, prescritivas e impostas externamente. Ao invés disso, o que se sugere é que os reguladores criem incentivos para um comportamento adequado do setor bancário, de forma que os mesmos mecanismos de controle corporativos que influenciam a governança de firmas não financeiras possam também influenciar a governança dos bancos.