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Os mecanismos de governança corporativa podem ser interpretados como uma tentativa de se tratar o conflito de interesses entre os principais e os agentes, pois de acordo com Jensen e Meckling (1976),

[...] tanto a lei quanto o grau de sofisticação dos contratos relevantes para as corporações são produtos de um processo histórico marcado por fortes incentivos conferidos aos indivíduos no sentido de se minimizarem os custos de agência. Além disso, há alternativas, assim como oportunidades de se inventarem novas formas organizacionais. (JENSEN e MECKLING, 1976, p. 130, tradução da autora da dissertação).

A estrutura de governança corporativa especifica a distribuição de direitos e de responsabilidades entre diferentes participantes na corporação e define as regras e procedimentos para a tomada de decisões em relação aos assuntos corporativos. Por meio dessa estrutura, os objetivos da companhia são estabelecidos, e os meios para sua consecução são indicados, bem como as formas de monitoramento de desempenho também o são (OECD, 2004a). Historicamente, os estudos sobre a governança corporativa remontam ao debate acerca da dicotomia entre proprietários e administradores profissionais – agentes – iniciado por Adolf Berle e Gardiner Means em 1932.

O valor da riqueza de uma pessoa está começando a depender de forças inteiramente alheias a ela mesma e a seus esforços. Seu valor, ao contrário, é determinado, por um lado, pela ação dos indivíduos que comandam a empresa – indivíduos sobre os quais o proprietário típico não exerce nenhum controle – e, por outro lado, pela ação de outros , em um mercado sensível e muitas vezes caprichoso (BERLE e MEANS, 1967, p. 83, tradução da autora da dissertação).

De acordo com os autores, o proprietário da riqueza individual teria restado simplesmente como um mero símbolo de propriedade, ao tempo em que o poder, a responsabilidade e a substância, antes integrantes da propriedade, teriam sido transferidos para outro grupo de pessoas, em cujas mãos estaria o controle: os agentes (BERLE e MEANS, 1967).

Em 1964, Adolf Berle concluiu que a mudança no sistema de propriedade, por ele diagnosticada há mais de trinta anos, havia avançado ainda mais, tornando-se uma realidade incontestável. Prova disso é que, ao final do ano de 1963, enquanto toda a riqueza pessoal dos Estados Unidos somava cerca de US$1.800 bilhões, cerca de US$ 550 bilhões correspondiam a investimentos em ações de empresas3. Segundo o autor, era inegável, portanto, que o controle sobre a tomada de decisões houvesse mudado das mãos de empreendedores, que tradicionalmente gerenciavam, protegiam e maximizavam seus lucros e seu capital, para as mãos de administradores profissionais. O que o autor denominou atomização da propriedade tratava-se de um processo ainda incompleto, mas em contínuo progresso (BERLE, 1964).

Em decorrência da condição de dicotomia descrita por Berle e Means (1967), assistiu-se ao desenvolvimento da teoria da agência que parte do pressuposto de que a delegação de tarefas pelos proprietários (principais) aos administradores (agentes) para a gerência das organizações comumente conduz a conflitos de interesses entre essas classes. Tais conflitos têm sua explicação na divergência das naturezas dos interesses dos proprietários e dos agentes. O esforço de fazer convergir esses interesses distintos e conflitantes apresenta-se como problema principal dessa teoria (JENSEN e MECKLING, 1976).

A despeito do potencial conflito de interesses entre principais e agentes, a separação entre propriedade e controle também tem sido interpretada como um advento bem-sucedido, pois de outra forma, tal estrutura corporativa não teria persistido ao longo dos anos. Denis e McConnell (2003) afirmam que os indivíduos não são necessariamente dotados de capital e talento para a gerência. Nesse sentido, a separação entre propriedade e controle permitiria que cada indivíduo pudesse obter retorno, seja sobre seu capital ou sua habilidade gerencial. Todavia, os conflitos de interesses, combinados com a impossibilidade de ter contratos perfeitos ou de monitorar os agentes sem incidir em custos, tendem a diminuir o valor das empresas, ceteris paribus.

A relação de agência é definida por Jensen e Meckling (1976, p. 307) como “[...] o contrato pelo qual uma ou mais pessoas engajam uma terceira (o agente) a agir em seus interesses, o que envolve a delegação de alguma autoridade para tomada de decisão ao agente”. Otten e Wempe (2007) argumentam que o matiz econômico tem sido empregado em praticamente

3 Valor estimado pelo Departamento de Economia do First National City Bank, com base em dados do Federal Reserve e National Bureau of Economic Research (BERLE, 1964).

todos os estudos que lidam com a teoria da agência aplicada à governança corporativa. Nesse contexto, a delegação de atividades pelos principais aos agentes é sempre vista como um problema: o problema de agência.

Uma empresa é uma complexa organização de indivíduos dos quais se espera cooperação para a produção de bens e serviços. Presumivelmente, os proprietários desejam que essa companhia opere de forma a maximizar suas riquezas, razão pela qual solicitam que os agentes sigam o princípio da maximização de valor para o acionista em suas decisões. Os agentes, contudo, podem não fazê-lo, obrigando os principais a utilizar incentivos a fim de aproximar os interesses dos agentes aos seus próprios, ou a estabelecer restrições contratuais sobre o comportamento do agente (HAND, LLOYD e ROGOW, 1982).

O núcleo da teoria da agência tem sido considerado a determinação dos mais eficientes arranjos para as relações entre principais e agentes, dados alguns pressupostos sobre as pessoas (egoístas, de racionalidade limitada, avessas ao risco), as empresas (existência de conflitos entre seus membros) e a informação (uma commodity, na medida em que poderia ser comprada). O quadro 2 provê um resumo dessa teoria.

Key Idea Principal-agent relationships should reflect efficient organization of information and risk bearing costs

Unit of analysis Contract between principal and agent

Human assumptions Self interest, bounded rationality, risk aversion

Organizational assumptions Partial goal conflict among participants, efficiency as the effectiveness criterion,

information asymmetry between principal and agent

Information assumptions Information as a purchasable commodity

Contracting problems Agency (moral hazard and adverse selection), risk sharing

Problem Domain

Relationships in which the principal and agent have partly differing goals and risk preferences (e. g., compensation, regulation, leadership, impression management, whistle-blowing, vertical integration, transfer pricing)

Quadro 2 – Agency theory overview Fonte – EISENHARDT, 1989, p. 59.

Segundo Eisenhardt (1989), a teoria da agência lida com dois problemas básicos que podem ocorrer em qualquer relação de agência. O primeiro é o problema de agência especificamente dito que ocorre quando há conflitos entre os desejos e objetivos dos principais e dos agentes ou há dificuldades para que os principais monitorem os agentes de forma adequada. O segundo problema diz respeito aos riscos, ou seja, à atitude de principais e gerentes em relação ao risco que pode diferir em função das preferências de cada parte.

Segundo Fama e Jensen (1983), tem sido comum tratar a separação entre controle e propriedade nas empresas modernas como a raiz de duas questões conexas: se os agentes terão liberdade em relação à atenção que deverão prestar aos interesses dos principais e, caso tenham, de que forma a utilizarão. Berle (1964) afirma que as situações importantes no contexto de uma empresa nunca são, de fato, resolvidas pelos seus acionistas. Isso não necessariamente levaria, de acordo com o autor, à conclusão de que todos os administradores profissionais, ou gerentes, ajam de maneira irresponsável: sua responsabilidade seria diferente da responsabilidade dos acionistas apenas no que tange ao seu conteúdo. Aos administradores profissionais corresponderia uma responsabilidade impessoal e coletiva, conhecida como a

empresa e, de forma secundária, uma responsabilidade relacionada aos direitos dos acionistas.

A teoria da agência tem seu foco nos aspectos contratuais inerentes à regulação do relacionamento entre principais e agentes, isto é, na estruturação da relação contratual entre tais partes a fim de que os agentes sejam incentivados a tomar decisões que, em última instância, maximizem a riqueza dos principais. A partir da noção da empresa como um nexo de vários contratos entre principais e agentes, Jensen e Meckling (1976) procuraram investigar a relação entre os incentivos obtidos pelos agentes e o eventual equilíbrio desses contratos. Para os autores, as atividades de monitoramento do trabalho e de concessão de incentivos aos agentes geram custos cujo nível depende da estrutura legal e da própria atitude humana em relação aos desvios contratuais dentre outros fatores.

O total desses custos pode ser obtido pela soma dos custos para o monitoramento das atividades dos agentes (monitoring costs) bem como daqueles em que os próprios agentes incorrem a fim de demonstrarem seu comprometimento com o interesse dos principais (bonding costs). Os custos de agência também envolveriam perdas residuais (residual losses), correspondentes a diminuições da riqueza dos principais advindas da impossibilidade de uma

correspondência perfeita entre seus interesses e os dos agentes (JENSEN e MECKLING, 1976).

Os custos de monitoramento (monitoring costs) envolvem as despesas dos principais para observar e controlar o comportamento dos agentes, incluindo-se nessa categoria também as despesas com a mensuração de performance e com a atribuição de recompensas (JENSEN e MECLINKG, 1976). Embora a princípio pagos pelos principais, Fama e Jensen (1983) argumentam que, em última instância, esses custos serão alocados aos agentes na medida em que serão uma espécie de medida de ajuste de sua compensação.

Considerando a afirmação de Fama e Jensen (1983) de que os agentes chegam a arcar inclusive com os custos de monitoramento, é natural que esses implementem estruturas que demonstrem seu comprometimento em agir de acordo com os interesses dos principais. O custo de aderir a tais estruturas é o que se convencionou denominar bonding costs. Auditorias internas e adesão a códigos de conduta corporativos são exemplos desses custos. A despeito da incursão tanto dos principais quanto dos agentes em diversos custos, é pouco plausível que seus interesses possam ser alinhados de forma completa. Assim, emerge uma terceira categoria de custos de agência representada pelas perdas ocasionadas pelos resíduos dos conflitos de interesses entre principais e agentes (residual losses) (JENSEN e MECKLING, 1976).

Vários têm sido os mecanismos apontados como hábeis para o controle dos custos de agência. A alavancagem, por exemplo, é sugerida por Jensen e Meckling (1976) como forma de redução do conflito entre administradores profissionais e acionistas. Jensen (1986) argumenta que a alavancagem previne que os administradores se utilizem de fluxos de caixa livres para investirem em projetos ruins, o que reduziria os custos de agência. A redução dos fluxos de caixa livre implicaria redução dos recursos sob o controle dos administradores que, por sua vez, teriam seus poderes diminuídos.

Os contratos de incentivo como os programas de stock options, elaborados com o propósito de alinhar os interesses de principais e agentes, constituem uma forma de controle dos custos de agência muito comum na prática (JENSEN e MECKLING, 1976; FAMA, 1980). Um problema associado a esse tipo de contratos é o fato de criarem oportunidades pessoais quando algumas das condições a eles associadas não são bem especificadas, ou quando

especificadas de forma independente à ocorrência de eventos importantes. Tome-se o exemplo das companhias que, mal gerenciadas, têm suas ações depreciadas, o que, de acordo com Black e Scholes (1972), é determinante de redução no preço das opções a elas subjacentes, ceteris paribus. Todavia, esse efeito pode ser camuflado temporariamente por tendências de alta do mercado de ações ou, em alguns casos, pela implementação de programas de recompra pela própria empresa.

As ameaças de aquisições hostis também têm sido apontadas como um poderoso mecanismo de controle dos custos de agência. A ameaça das demissões nas firmas objeto de ofertas de compra pode operar como um importante fator para a convergência dos interesses dos principais e dos administradores. O próprio mercado de trabalho competitivo aparece, nesse sentido, como um fator de pressão sobre os administradores (FAMA, 1980).

Na acepção de Shleifer e Vishny (1997), no contexto empresarial, o problema de agência se refere às dificuldades enfrentadas pelos fornecedores de recursos para obter retornos e à tentativa de garantir que tais recursos não sejam expropriados ou gastos em projetos pouco atrativos pelos agentes. A via contratual, supostamente hábil para regular essas relações, é, contudo, passível de defeitos.

First, the contracts that the managers and investors sign cannot require too much interpretation if they are to be enforced by outside courts. Second, in the cases where financing requires collection of funds from many investors, these investors themselves are often small and too poorly informed to exercise even the control rights that they actually have.[…]. As a result, the effective control rights of the managers – and hence the room they have for discretionary allocation of funds – end up being extensive […] (SHLEIFER e VISHNY, 1997,

p. 741).

A tentativa de regulação das relações entre principais e agentes pela via contratual pode apresentar-se frágil em função de outros fatores: os contratos geralmente falham em prever as inúmeras situações e aspectos da realidade configuradores de conflitos de interesses, geram interpretações distintas e podem ter sua efetividade ameaçada por procedimentos judiciais lentos e onerosos. Os problemas de agência também se relacionam, portanto, à impossibilidade de que os contratos regulem de forma perfeita todas as possíveis ações que afetem principais ou agentes (BRENNAN, 1995; SHLEIFER e VISHNY, 1997).