• Nenhum resultado encontrado

2.5 Governança corporativa e desempenho da empresa

2.5.2 Estrutura de propriedade e desempenho da empresa

Vários estudos têm analisado os efeitos da concentração da propriedade e da posse de ações pela gerência sobre o desempenho e a valorização da empresa amparados pela teoria da agência. A concentração da propriedade é apontada como capaz de reduzir a ocorrência de problemas e os custos de agência, já que os acionistas contam com mais incentivos e condições reais de monitorarem a gerência. Todavia, conforme alerta Dami (2006, p. 28), é também possível que “[...[ uma maior concentração dos direitos de voto pelos acionistas controladores esteja associada a maior expropriação dos acionistas minoritários e assim menor valor e desempenho das empresas (efeito entrincheiramento)”. Uma perspectiva diretamente contrária à da existência de uma relação positiva entre concentração de propriedade e desempenho da empresa é defendida por Demsetz (1983, p. 386), para quem “[...] it is

unreasonable to suppose that diffuse ownership has destroyed profit maximization as a guide to resource allocation”.

Na ausência de acionistas concentrados, os gerentes podem adotar posturas que vão de encontro ao objetivo de maximização do valor da empresa, privilegiando a maximização de sua utilidade pessoal. Nesse sentido, a posse de ações pela gerência também poderia servir como remédio para esse conflito, promovendo a convergência de interesses, sobretudo nas estruturas de propriedade difusas (JENSEN e MECKLING, 1976). A hipótese de entrincheiramento, situação caracterizada pela detenção de um percentual elevado do capital votante da empresa por um gerente cujas decisões pautam-se pela tentativa de manutenção de sua posição, constituir-se-ia, por outro lado, em um possível obstáculo a essa solução (DEMSETZ, 1983).

Saito e Silveira (2008) afirmam que, no Brasil, a concentração das ações verifica-se, sobretudo, entre os acionistas controladores, restando a posse de ações pela gerência como uma característica pouco relevante da estrutura de propriedade das empresas. Dentre os mais relevantes trabalhos nacionais sobre a estrutura de propriedade, os autores destacam os desenvolvidos por Siffert Filho (1998), Valadares e Leal (2000)15 e Okimura (2003, dentre outros.

Denis e McConnell (2003) afirmam que a relação entre estrutura propriedade e desempenho da empresa pode variar em função dos países e da identidade dos acionistas controladores, assim como a relação entre estrutura de propriedade e valorização. Há evidências empíricas documentadas pela literatura apontando para a existência de uma relação positiva entre essas variáveis, mas falta consenso sobre o tema.

The literature on international corporate governance tells us much about corporate governance but the message in the information is far from clear and complete. Much more work remains to be done. Our understanding of the relationship between systems of governance and the value of economies and the firms within them is of increasing importance (DENIS e McCONNELL, 2003, p. 29).

Demsetz e Lehn (1985), por exemplo, argumentam que a relação de causalidade entre a estrutura de propriedade e o desempenho da empresa é espúria, na medida em que a estrutura de propriedade se caracteriza como uma variável endógena. De acordo com os autores, a decisão dos acionistas no sentido de alterar a estrutura de propriedade da empresa de concentrada para difusa é geralmente tomada considerando-se o custo da transferência do controle para a gerência. O pior desempenho financeiro da empresa que estaria, segundo os preceitos da teoria da agência, associado a essa decisão poderia, na visão dos autores, ser

15 Siffert Filho (1998) documentou transformações estruturais importantes no controle societário das

empresas brasileiras em função da abertura comercial, da estabilização monetária e da onda de privatizações ocorridas nos anos noventa. Nesse cenário, o controle acionário compartilhado passou a ocupar uma posição de destaque na economia com a ampliação do capital estrangeiro e a redução do controle familiar. Valadares e Leal (2000) analisaram a estrutura de propriedade das empresas brasileiras listadas na BOVESPA e verificaram a ocorrência de um alto grau de concentração que se pôde atribuir, sobretudo, à existência de ações preferenciais, sem direito a voto, comuns no mercado de capitais nacional.

compensado por meio da obtenção de um menor custo de capital e por outros benefícios advindos da difusão da propriedade.

Morck, Shleifer e Vishny (1988) investigaram por meio de regressão múltipla a relação entre a posse de ações pela gerência e o valor de mercado (dado pelo Q de Tobin) de 371 empresas norte-americanas em 1980. Efeitos negativos da posse de ações pelos gerentes puderam ser observados por meio do declínio do Q de Tobin quando da configuração de situações de entrincheiramento caracterizadas pela concentração de 5 a 25% das ações em posse da gerência. A um percentual de concentração de ações na posse dos gerentes inferior a 5% e superior a 5%, relacionou-se, ao contrário, um aumento no valor da empresa : “Tobin's Q first

increases, then declines, and finally rises slightly as ownership by the board of directors rises

(MORCK, SHLEIFER e VISHNY, 1998, p. 299).”

Resultados similares foram também obtidos por Holderness, Kroszner, e Sheehan (1999), que exploraram as relações entre desempenho da empresa e mudança na estrutura de propriedade de mais de quatro mil firmas em 1995. Um importante aspecto desse estudo diz respeito, contudo, à descrição de um fenômeno de aumento da posse de ações pela gerência nas empresas norte-americanas entre os anos 1935 e 1995, o que, de acordo com os autores, deve servir como alerta para a melhoria das práticas de governança corporativa: “Our finding that

managerial ownership is higher in 1995 than it was 60 years early should provide guidance in the implementation of best practices of corporate governance” (HOLDERNESS,

KROSZNER e SHEEHAN, 1999, p. 466).

McConnell e Servaes (1990) investigaram a relação entre a estrutura de propriedade e o Q de Tobin de mais de mil companhias nos anos de 1976 e 1986 e obtiveram resultados consistentes com a hipótese de que o valor da empresa é uma função de sua estrutura de propriedade. O estudo dos autores apontou uma significativa relação curvilínea entre o Q de Tobin e a fração de ações detida pelos acionistas controladores, que se mostrou crescente até o ponto em que eles detinham entre 40 e 50% do capital das empresas.

Fernández e Gómez-Ansón (2005-2006) analisaram a influência da estrutura de propriedade e o desempenho de empresas espanholas listadas na Bolsa de Valores de Madri e verificaram os benefícios da concentração sobre seus valores de mercado, embora o mesmo impacto não se

tenha verificado na medida de retorno sobre o ativo (ROA). No que tange à posse de ações pela gerência, essa se mostrou um mecanismo dependente do tamanho das empresas, tendo impactos positivos sobre o valor de mercado das maiores empresas da amostra.

Mais recentemente, Bjuggren, Eklund e Wiberg (2007) exploraram as relações entre propriedade, controle e o valor das empresas suecas listadas na Bolsa de Valores de Estocolmo. Mais de 55% dessas empresas contavam com duas classes de ações, com e sem direito a voto. Essa característica da estrutura de propriedade mostrou-se determinante de pior performance, quando da comparação com empresas detentoras de apenas uma classe de ações, isto é, seguidoras do preceito uma ação – um voto. A concentração da propriedade também se mostrou negativamente relacionada à performance das empresas da amostra.

Okimura (2003), por sua vez, investigou a relação entre estrutura e propriedade e controle e o valor e desempenho das empresas brasileiras entre os anos de 1998 e 2002. A ocorrência da separação entre os direitos de controle e os direitos sobre os fluxos de caixa, caracterizada pela coexistência de ações ordinárias e preferenciais, foi interpretada pelo autor e, conforme a teoria, como um cenário em que a concentração de votos e de capital favorece o melhor monitoramento por parte do acionista controlador sobre a gerência e, por conseguinte, tende a agregar valor à empresa. Dentre os achados do autor, destacam-se os resultados que demonstraram que a concentração de votos exerce impacto positivo sobre o valor das empresas, embora a concentração de capital não tenha se apresentado relevante como determinante de valor ou desempenho. De forma geral, a relação entre estrutura de propriedade e controle e desempenho mostrou-se mais timidamente evidente do que a relação entre estrutura de propriedade e controle e valor.

A pesquisa realizada por Okimura (2003) baseou-se na exclusão de empresas financeiras, e a variável concentração do capital não apresentou uma relação significativa com o valor e o desempenho das empresas componentes da amostra. Já Caprio, Laeven e Levine (2007) encontraram evidências de que a concentração dos fluxos de caixa na figura do acionista controlador tende a valorizar essas empresas. A pesquisa realizada pelos autores envolveu a análise de 244 bancos de 44 países. Como indicadores de valor, foram utilizados o Q de Tobin, a relação entre o valor de mercado e o valor contábil (market to book ratio) dos

bancos. Em função disso, os autores afirmam a importância dos direitos aos fluxos de caixa como mecanismo de governança.

The incentives of the controlling shareholders to expropriate resources from the corporation, however, depend on their cash-flow rights. As their cash-flow rights rise, expropriation involves a greater reduction in their own cash flow. Since expropriation is costly, increases in the cash-flow rights of the controlling owner will reduce incentives to expropriate resources from the corporation, holding other factors constant (CAPRIO, LAEVEN e LEVINE, 2007, p. 5).

Fogelberg e Griffith (2000) examinaram a relação entre a posse de ações pelos gerentes e a performance dos cem maiores bancos norte-americanos medida pelo EVA (Economic Value

Added). Especulando que nos bancos a situação de entrincheiramento poderia destruir os

efeitos da convergência de interesses apontados por Jensen e Meckling (1976), os autores chegaram às seguintes conclusões: o desempenho dos bancos aumenta até o ponto em que a gerência detém aproximadamente 12% das ações dos bancos, declinando até quando esse percentual atinge 67%. O gráfico 5 ilustra essa relação.

Gráfico 5 – Posse de ações pela gerência e EVA Fonte – FOGELBERG e GRIFFITH, 2000, p. 69.

Micco, Panizza e Yañez (2004) utilizaram uma amostra composta por bancos de mais de cem países para analisar a relação entre suas estruturas de propriedade e desempenho medido pelo

retorno sobre o ativo (ROA) e pelo retorno sobre o patrimônio líquido (ROE). Os resultados do estudo apontaram para uma forte relação entre essas variáveis nos países em desenvolvimento, embora a mesma não se mostre presente nos países desenvolvidos. De forma particular, os autores apontam a propriedade estatal como determinante de baixa lucratividade dos bancos nos países em desenvolvimento, nos quais a propriedade estrangeira tem efeito contrário. Os autores, todavia, não puderam concluir a respeito da causa do pior desempenho dos bancos de propriedade estatal nesses países. A entrada de bancos estrangeiros, por sua vez, foi apontada como determinante de melhora no desempenho do setor bancário desses países.

Andrade (2005) comparou as características das estruturas de propriedade de bancos listados na BOVESPA com as recomendações da CVM e do IBGC em relação à governança corporativa. Os resultados da pesquisa apontam para a ausência de significância estatística da relação entre a estrutura de propriedade e o desempenho dos bancos medido pelo retorno sobre o ativo (ROA). A relação entre estrutura de propriedade e Q de Tobin apresentou-se estatisticamente significativa, embora tímida, levando a autora a ponderar que,

[...] Apesar de os resultados não estarem em conformidade com o esperado segundo a teoria, sua validade reside no fato de que se trata de um primeiro esforço na direção de tentar verificar como os mecanismos de governança afetam o desempenho e o valor de mercado das empresas financeiras. [...] convém observar que são praticamente inexistentes estudos empíricos que tenham aplicado o tema da governança ao setor financeiro brasileiro (ANDRADE, 2005, p. 55).