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Discricionariedade na atuação do órgão ambiental

CAPÍTULO II – DA IMPORTÂNCIA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

8. Discricionariedade na atuação do órgão ambiental

No caso de concessão de licenças ambientais, é comum o questionamento quanto à atuação do administrador ao conceder ou não a licença. Qual o seu limite de atuação? Até que ponto o administrador poderá influir nos investimentos de um empreendimento de grande porte com o fito de alcançar instalações e operações mais seguras para o meio ambiente e para a sociedade?

É fato que o administrador possui discricionariedade na sua atuação. A discricionariedade possui dois pilares, quais sejam a conveniência e a oportunidade, onde o administrador, de acordo com a realidade concreta e os seus próprios valores, escolhe a solução que entende cabível para a efetivação do fim público. Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, discricionariedade é a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo

328 FINK, Daniel Roberto. JUNIOR, Hamilton Alonso. DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do

de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.329

Contudo, essa margem de liberdade de atuação e de decisão deve conter limites, sob pena de ser caracterizado o abuso de poder do Administrador. Para Lúcia Valle Figueiredo enfrenta tais limites, ao dizer que o princípio da igualdade, por si só, repele a discricionariedade. Não pode tolerar que, em nome de vaga conveniência administrativa, permita-se a um o que se nega a outro. Como também não pode tolerar leis discriminativas que, a pretexto de disciplinarem situações gerais, contemplem casos específicos, desigualando os desiguais. A discricionariedade deve provir da valoração do intérprete dentro de critérios de razoabilidade. E pode ser controlada pelo Judiciário, esbarrando no mérito do ato administrativo.330

E o que são critérios de razoabilidade? Por vezes, os critérios que embasam o conceito de razoabilidade para uns, não é o mesmo para outros, ou ainda, o conceito de razoabilidade para o órgão ambiental do Estado do Rio Grande do Sul não é o mesmo para o órgão ambiental do Estado do Ceará. Por tal razão, é relevante o atendimento pelo Administrador da proporcionalidade de seus atos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que a razoabilidade exige “proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios

329 In Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 19ª Edição, p. 902.

330 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 9ª edição, 2008. P. 224-

pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto”.331

Quanto ao abuso do poder discricionário da administração, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte externou o entendimento de que no que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário está sujeito aos textos legais como qualquer outro. Mas, o ato que, encobrindo fins de interesse público, deixa à mostra finalidades pessoais, poderá cair na apreciação do Poder Judiciário, não obstante originário do exercício de competência livre. Desse modo, o direito que resulta, não da letra da lei, mas do seu espírito, exsurgindo implicitamente do texto, também pode apresentar a liquidez e certeza que se exigem para a concessão do mandado de segurança.332

No procedimento licenciatório, é impossível deixar de reconhecer certa reserva discricionária para a Administração. À guisa de exemplo, temos a Resolução CONAMA nº 237/97, que outorga certa margem de discricionariedade ao órgão ambiental licenciador, quando lhe reserva a decisão de qual empreendimento causa significativa degradação (artigo 3º, parágrafo único), ou quando dá poderes de definição de procedimentos específicos para a concessão de licenças (artigo 12) ou quando lhe dá faculdade de estabelecer os prazos de validade de cada tipo de licença aumentando a validade da licença anteriormente concedida (artigo 18, caput e §§ 2º e 3º).

De outra parte, o termo licenciamento abrange as inúmeras atividades da Administração de avaliação e consentimento para o exercício de todo tipo de empreendimento, envolvendo interferência no meio ambiente, com risco à qualidade de vida

331 In Direito administrativo, cit, p. 81.

industrial, passando por um desmatamento, até a concessão da licença prévia para o funcionamento de uma microempresa com fontes potenciais de poluição. Nestes casos, o órgão ambiental estadual diariamente autoriza instalações, funcionamentos e decide sobre tecnologias a serem implantadas dentro de várias opções apresentadas pelo mercado – todas elas dentro da lei, com ganhos e perdas ambientais, dependendo do critério avaliador. Entendemos que, dessa maneira, é exercido o poder discricionário no licenciamento ambiental.

Mesmo assim, o mero objetivo da adoção de solução adequada, dentre as possíveis no universo proposto, dá poder inegável ao administrador (licenciante) de externar certo juízo subjetivo de valores, estabelecendo técnicas, formas, diretrizes, prazos, condições e compensações no processo licenciatório que configuram interferência substancial em seu desfecho333.

E, como é possível controlar a discricionariedade dos atos expedidos pela Administração? Nos dizeres de Lúcia Valle Figueiredo, a motivação será a pedra de toque para o controle da discricionariedade, pois a competência discricionária consiste no dever de a Administração, no caso concreto, sopesar até que ponto os direitos individuais devem ceder passo aos direitos coletivos, ou seja, ao interesse público qualificado como tal.334 Portanto, ao fundamentar a sua decisão, indicando os pressupostos de fato e de direito que determinarem a sua decisão, o órgão ambiental estaria utilizando o seu poder discricionário com razoabilidade.

333 FINK, Daniel Roberto. JUNIOR, Hamilton Alonso. DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do

Licenciamento Ambiental, cit, p. 2-12

Destaca-se, ainda, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região de que o controle sobre os limites da discricionariedade do ato administrativo se dá na esfera da legalidade do ato praticado. Compete, assim, à Administração Pública sopesar, segundo seus critérios de conveniência e oportunidade se será ou não concedida a licença. Mostra-se a concessão de licença em matéria ambiental uma discricionariedade ‘suis generis’ já que sua outorga depende da motivação carreada pelo EIA/RIMA.335

Reputamos de extrema importância para o empreendedor e para a sociedade, como forma de assegurar a segurança jurídica, a atuação do administrador de forma razoável e motivada. Ao nosso sentir, portanto, a ausência de motivação na tomada de decisões ou na mudança de orientações do órgão ambiental, exorbitando os limites da discricionariedade, pode ser sujeita ao controle da legalidade pelo Poder Judiciário.