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CAPÍTULO I – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

4. Meio ambiente e a ordem econômica

Existem diretrizes e regras constitucionais que balizam a atividade econômica no país, as quais não podem ser ignoradas pelo Poder Público e pelo empreendedor.

O artigo 1º, da Constituição Federal estabelece os fundamentos da República, destacando-se a dignidade da pessoa humana e o valor social da livre iniciativa.41

Para analisar esses fundamentos constitucionais invocados, José Afonso da Silva explica, com maestria, que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Observa o mesmo autor que concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), à educação, ao desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o

indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. No que se refere à livre iniciativa, o autor elucida que se trata de um valor do Estado liberal, mas no contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social não se pode ter como um valor o lucro pelo lucro.42

Nessa esteira, assim como a livre iniciativa sofre limitações em seu contorno, com destaque para as diretrizes elencadas no art. 170, da CF43, o empreendedor também deverá observar para o desenvolvimento de suas atividades, quais os impactos que possivelmente causará ao meio ambiente e na sociedade. Em outras palavras, a preservação ambiental para as presentes e futuras gerações está intimamente ligada ao desenvolvimento econômico, pois o desenvolvimento das empresas está atrelado aos impactos ambientais, que a princípio, ocasionam ao meio ambiente como um todo e precisam de medidas de mitigação e compensação. Assim, ao nosso sentir, a harmonização entre os bens constitucionais ambiental e o desenvolvimento econômico no caso concreto, numa atividade empresarial, condiz com o atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e o valor social da livre iniciativa.

O dispositivo em comento faz parte do capítulo da Constituição Federal ao qual foi incumbida a missão de apontar as diretrizes a serem observadas para o exercício das atividades econômicas pelos empreendedores. Dentre os princípios da ordem econômica encontramos a defesa do meio ambiente (art. 170, VI, da CF).

42 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, cit, p. 38-39.

43 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração do País.

O próprio Supremo Tribunal Federal explana que a atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar pendente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.44

Ademais, como já observado, o princípio da defesa do meio ambiente constitui um dos limites constitucionais ao livre exercício da atividade econômica, dando-lhe precisos contornos. Portanto, o exercício da atividade econômica deve-se integrar à defesa do meio ambiente, sob pena de violação de vários dispositivos constitucionais, quais sejam45:

• Artigo 225, caput, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, pois todos têm direito ao meio ambiente equilibrado;

44 Nesta decisão o STF explica que: Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional

objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem- estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A questão do desenvolvimento nacional (cf, art. 3º, ii) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (cf, art. 225): o princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade 3.540-1 – 01/09/2005 – Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Celso de Mello).

45 FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. 1999. Porto Alegre: Sergio

disposto no artigo 3, inciso II, porque, sem a defesa material do meio ambiente, amputa-se a garantia do desenvolvimento nacional; e

• Artigo 174, parágrafo 1º, que almeja um desenvolvimento nacional equilibrado, que compatibiliza os planos nacionais e regionais do desenvolvimento em um Estado Federal.

Em virtude dessas considerações, a proteção ambiental estará sempre vinculada ao difícil equacionamento entre a sustentabilidade econômica, ecológica e social. Entende-se que proteção do meio ambiente será efetiva se houver o exercício da atividade econômica vinculado à preocupação do não-esgotamento dos limitados recursos naturais, de modo que não seja comprometida a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.