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Discriminação relacionada ao trabalho das pessoas na terceira idade e medidas protetivas

3 O TRABALHO NA TERCEIRA IDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

4 CONQUISTAS SOCIAIS DOS IDOSOS NO SÉCULO XX: REFLEXOS NO BRASIL E MEDIDAS PROTETIVAS CONTRA A DISCRIMINAÇÃO AO

4.2 Discriminação relacionada ao trabalho das pessoas na terceira idade e medidas protetivas

De pronto, o constituinte vedou as discriminações nas relações de trabalho. Novamente cita-se o artigo 7º, inciso XXX da Carta Magna que assim dispõe, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

O artigo 7º ratifica o direito à igualdade nos tempos hodiernos, consagrado na Declaração dos Direitos Humanos (1948), logo após o fim da 2ª Guerra Mundial: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito” (ONU, 1948, online).

É notório que convivemos com inúmeras situações de desigualdade, seja em nosso país, seja neste mundo globalizado. A prática discriminatória e de assédio moral não encontra respaldos legais, mas mesmo assim, é uma realidade ainda existente, sendo tolerada em nossa sociedade. Miranda et al (2013, p. 484) sobre o tema assédio moral manifestam a seguinte posição:

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência portuguesa e na brasileira, que o assédio moral se dá de forma tênue, mas por atos frequentes (que, em regra, quando olhados separadamente, mostram-se até legítimos). A força de tal instituto apresenta-se na repetição do comportamento, somado com a aparência de legalidade de (e não na intensidade de cada ato de per si).

Não obstante, atos discriminatórios têm características assemelhadas, quando não, de forma explícita ou às vezes até vexatória, ocorrendo também com os trabalhadores idosos.

No sistema vigente, o neoliberalismo, a ética, os valores morais, a cultura, o pensamento, o trabalho, a criatura se subordinam a lógica neoliberal, ou seja, ao mercado. Na busca pelo trabalho, o profissional idoso ainda é vítima de muitos preconceitos. Um exemplo simples de ser constatado são os anúncios em classificados dos jornais, onde as empresas, na maioria das vezes, delimitam idade, ignorando as garantias constitucionais e também potencialidades do idoso, conforme assegura Maria Tatiana Guimarães (2007, p. 72):

[...] então se tem certo que se um idoso, dentro de suas limitações e qualidades, atender as exigências legais para exercer um trabalho, não pode ser a ele negada a oportunidade de trabalhar sendo tal negação baseada exclusivamente na sua idade. Nestes termos é que vários classificados de jornais que anunciam vagas de trabalho com limite máximo de idade sem qualquer justificativa ligada às exigências que o exercício da profissão anunciada requer, são notadamente inconstitucionais e se perfazem numa afronta direta ao direito ao trabalho dos idosos.

Descartado implacavelmente pelo mercado, por não apresentar alto grau de rentabilidade econômica, o consideram incapaz de produzir lucro pecuniário. Embora tenham ocorrido avanços importantes no século XX, o idoso ainda sofre com o modelo existente: sendo massacrado pelo sistema de forma discriminatória por um estigma de não ser mais produtivo, em face de sua fragilidade física, psicológica e social, conforme assegura Maria Tatiana Guimarães (2007, p. 44):

A velhice não pode ser um vácuo social, é preciso se combater esse afunilamento existente nos dias de hoje que diminui cada vez mais os espaços na comunidade que permitem a existência social produtiva para o idoso, condenando-o a cumprir um papel imposto a ele contra a sua vontade, de velho inútil, incapaz, improdutivo e dispendioso, não oportunizando o aproveitamento de suas capacidades e experiências para a sociedade produtiva. A digna existência não é direito só dos jovens, é direito de todos aqueles que estão vivos e o direito ao trabalho é parte integrante e fundamental da dignidade de uma pessoa.

Lutar pela redução dessas práticas discriminatórias nas relações laborais significa transpor o individualismo, consolidando a valorização do ser humano. Assim consagra Nascimento (2009, p. 478) sobre os valores jurídicos do trabalho:

Esses direitos, na esfera das relações de trabalho, têm como função a necessidade de garantia de um mínimo ético, que deve ser preservado nos ordenamentos jurídicos, nas relações de trabalho como forma de organização jurídico-moral da sociedade quanto à vida, saúde, integridade física, personalidade e outros bens jurídicos valiosos para a defesa da liberdade e integração dos trabalhadores na sociedade, perante qual têm o dever-direito ao trabalho.

Agrava-se o fato quando percebemos que o avanço tecnológico e a globalização da economia fazem com que estes trabalhadores, de um modo geral, tornem-se excluídos do processo produtivo e do mercado. A lógica mercadológica do sistema neoliberal privilegia o mercado em detrimento do ser humano. Voltando-se inteiramente ao lucro, enquanto a vida do homem é desvalorizada e sua dignidade esquecida (ARRUDA, 1998, p. 84).

Urge, portanto, buscar soluções que visem melhorar a questão do idoso em nosso país. Segundo Maria Tatiana Guimarães (2007, p. 51):

Os idosos no mercado sócio-econômico vigente no Brasil, caracterizado por atender às ordens neoliberais do processo de globalização, vivem um verdadeiro ‘apartheid social’. Esta situação de exclusão obriga aos idosos a conviverem com o sofrimento e com a discriminação social. O Estado tem uma enorme parcela de culpa nesta situação, pois a forma precária como ele trabalha as políticas públicas só evidencia um Estado que é cada vez menos interveniente, um Estado mínimo, que desobriga-se de suas responsabilidades em todas as esferas da sociedade.

Neste vertiginoso progresso tecnológico, científico e globalizado não há harmonia e humanização; ao contrário, observa-se competitividade entre os mercados e indivíduos, ocasionando mais instabilidade nas relações laborais.

Cita-se, então o entendimento que “Empregar esforços no caminho da eliminação das práticas discriminatórias nas relações de trabalho é consagrar o interesse transindividual trabalhista próprio da isonomia” (SILVA NETO, 2001, p. 170).

Ainda hoje, as empresas e a sociedade tratam com discriminação esta parcela da sociedade; seja na contratação (quando selecionam candidatos pelo fator etário, excluindo os mais idosos), seja nos processos de demissões (ao encabeçarem os planos de “demissão voluntária”), indivíduos com mais de 45 anos como primeiro critério de escolha, sendo os primeiros a constar na lista. Neste contexto José Afonso da Silva (2003, p. 224) confirma:

A idade tem sido motivo de discriminação, mormente no que tange às relações de emprego. Por um lado, recusa-se emprego a pessoas mais idosas, ou quando não, dão-se-lhes salários inferiores aos dos demais trabalhadores [...].

E com semelhante pensamento assegura Furtado (2004, p. 303):

É comum, outrossim, acontecer de, uma vez já empregado, na hora de reduzir quadros, os primeiros a ser descartados estarem exatamente entre os que giram por essa faixa de idade em diante. Ressalta-se, outrossim, ser frequente o assédio moral em desfavor do obreiro de mencionada idade, para levá-lo a pedir para sair do emprego.

Combatendo esta discriminação notória e, ao mesmo tempo, silenciosa, dos planos de demissões voluntárias cita-se como exemplo a decisão judicial do TST contra os atos discriminatórios cometidos pelo Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes S/A), no qual o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a existência de discriminação por idade em resolução do Banestes S/A ao incentivar empregados a aderir ao Plano Antecipado de Afastamento Voluntário (PAAV), sob pena de desligamento automático e compulsório. A Segunda Turma acolheu o recurso de revista de uma aposentada que alegou dano moral por ter sido obrigada devido a sua idade avançada a aderir ao PAAV e pedir aposentadoria proporcional para não ser demitida. Conforme os autos do Processo nº RR - 31300- 26.2010.5.17.0003 (TST, 2008, online):

RECURSO DE REVISTA DO BANESTES.1.

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. IDOSO. Depreende-se do acórdão regional que a Resolução nº 696/2008, a qual deu ensejo à dispensa da autora, consubstancia-se em um procedimento discriminatório criado pelo reclamado para expulsar os velhos empregados, com a finalidade expressa de trocá-los por funcionários mais novos.

Nesse contexto, não prospera a apontada mácula aos artigos 1º, IV, e 170, VIII, da CF e 4º, II, da Lei nº 9.029/95. Recurso de revista não conhecido . 2. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. O recurso de revista encontra-se desfundamentado neste ponto, já que o reclamado não aponta nenhuma violação legal ou constitucional, contrariedade a súmula desta Corte ou divergência jurisprudencial. Não atendidos, portanto, os requisitos do artigo 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido. 3. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Verifica-se do acórdão regional que o dano moral restou evidente da conduta discriminatória praticada pelo reclamado. Nesse passo, não há falar em violação do art. 5º, X, da CF, mas sim em sua correta aplicação. Recurso de revista não conhecido. 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REQUISITOS. SÚMULAS 219 E 329 DO TST. Segundo a diretriz das Súmulas 219 e 329 do TST, na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a quinze por cento, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Recurso de revista conhecido e provido. 5. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

PROTELATÓRIOS. O recorrente argumenta de forma genérica sua irresignação quanto à multa aplicada, sem contudo esclarecer os motivos pelos quais defende que os embargos de declaração eram cabíveis, isto é, não aponta precisamente qual era o vício que maculava o acórdão regional e que justificou a oposição dos embargos, circunstância essa que inviabiliza a análise do apelo no particular . Recurso de revista não conhecido.

Processo Nº RR-31300-26.2010.5.17.0003

Percebe-se que a decisão judicial favoreceu a trabalhadora em seu pleito, considerando que a idade não pode ser critério de exclusão dos quadros funcionais da empresa. Conforme Rocha (2014, online), o próprio relator do processo, ministro José Roberto Pimenta, comenta:

É extremamente fácil inferir o abalo psicológico ou constrangimento sofrido por aquele que, no auge de sua capacidade laborativa, foi compelido a deixar de trabalhar e aposentar-se com benefício inferior àquele que poderia receber se ainda permanecesse na ativa por mais alguns anos.

Cita-se outro caso sobre discriminação do trabalhador por idade. Segue ementa (TRT2, 2016, online):

DISCRIMINAÇÃO POR IDADE. OCIOSIDADE IMPOSTA. RESCISÃO INDI- RETA. DANOS MORAIS.

A ociosidade imposta é uma das mais graves ofensas ao trabalhador. Ainda mais ao intelectual que por longos anos contribuiu para o engrandecimento do nome da empresa. Não bastasse tal situação humilhante, a ela fora leva- da a autora por motivos discriminatórios em razão de sua idade. Superaram- se os limites do poder potestativo da empresa, ferindo-se, não somente a dignidade da trabalhadora, mas princípios constitucionais, éticos e sociais. A ociosidade imposta à autora se dera com a finalidade de esta deixar a em- presa e se firmara em bases discriminatórias, infringindo normas expressas na Constituição Federal e na Lei 9029/95.

(TRT2 03138200005202007 – RO Ac. 1ª T.20050884799 – Rel. Lizete Beli- do Barreto Rocha – DOE 02.07.2016).

Retirando o idoso de suas atividades não se está simplesmente roubando o seu emprego, mas afetando toda uma história de vida e dedicação ao trabalho e, por vezes, sua utilidade social, prejudicando sua estrutura mental. A mudança de rotina abrupta o exclui de sua realidade, de seu cotidiano, de seus vínculos sociais, abalam-se suas perspectivas, seus referenciais, podendo causar angústia e mal- estar psicológico, podendo culminar em uma depressão. Nesse sentido comenta Maria Tatiana Guimarães (2007, p. 25):

A simples denominação de ‘inativo’ que o indivíduo recebe, remete-o à uma condição social nitidamente inferior, fazendo-o perceber-se como ser não mais produtivo e nisso então passar a acreditar. As construções mentais que daí se originam, resultantes de distorções preconceituosas institucionalizadas, são bastante prejudiciais e acabam por conduzi-lo a uma espécie de exílio social, uma vez que o próprio idoso já não consegue perceber-se como produtivamente capaz e, tão pouco, como socialmente importante.

Apesar da existência dos dispositivos legais, a demissão motivada simplesmente pela idade, por parte das empresas, ainda se dá de forma sutil. É difícil constatar a discriminação nos processos judiciais, às vezes justificados por motivos de reestruturação das empresas, outras pela simples vontade do empregador que usa a demissão sem justa causa dos idosos após anos de dedicação ao trabalho (algo permitido pela legislação e, em alguns casos, serve para transfigurar uma realidade de preconceito e discriminação). Sendo considerados descartáveis: “velhos” e inúteis por seus ofensores, conforme enfatiza Moreno (2007, p. 16):

No Brasil, infelizmente, ainda predomina a mentalidade que uma pessoa de 40 anos é considerada velha para o trabalho, sendo que, após esta idade, o indivíduo que perde o emprego depara-se com enormes dificuldades, enfrentando todos os tipos de discriminação para conseguir uma nova colocação no mercado, exceto quando se trata de pessoa altamente qualificada e especializada.

A prática de atos discriminatórios suprime o reconhecimento do direito destes trabalhadores de permanecer trabalhando enquanto estiverem exercendo com destreza e responsabilidade suas tarefas. Negam-se os princípios fundamentais da Carta Magna: o direito da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, que consta no artigo 1º, III e IV, respectivamente. A utilidade social de cada indivíduo se faz quando o mesmo considera sua função para a sociedade e a transpõe com o trabalho. Nas palavras de Barros (2012, p. 898):

A discriminação é difícil de ser comprovada porque ela nunca é ostensiva, mas dissimulada, camuflada. E no âmbito do Direito do Trabalho esse fato se agrava porque os atos resilitórios se baseiam no direito potestativo, não sendo exigido do empregador que motive a dispensa.

Segundo o entendimento de Magalhães (2008, p. 32): “O idoso precisa de tutela especial, jurídica, econômica e social, para atenuar e contrabalançar sua

posição de inferioridade e desigualdade, dada à tamanha adversidade”. Verificamos, portanto, diversos tipos de discriminações que o idoso atualmente tem sofrido, algumas julgadas no âmbito jurisdicional, conforme se verifica neste ensaio.

No tocante ao enfrentamento contra a discriminação no mundo do trabalho, ocorre em duas frentes, a primeira, através dos poderes Executivo e Legislativo, quando da redação de normas, seja na atividade legislativa, seja na proposta de elaboração e envio ao legislador. Já a que ocorre em segundo plano, incumbe ao judiciário a interpretação das leis, sendo vetada constitucionalmente a prática de tratamento discriminatório a pessoas em situação idêntica, compreendendo a norma e aplicando-a no sentido de não conceber diferenciações no tocante a sexo, raça, idade, convicções filosóficas ou políticas, ou de classe social (FURTADO, 2004, p. 179).

No tocante à busca isonômica no âmbito laboral, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 461 (BRASIL, 1943, online), vislumbra a previsão de equiparação salarial quando da realização de serviços equivalentes ou assemelhados. Segue:

Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.

Uma solução para minimizar a questão discriminatória seria o Estado elaborar a lei infraconstitucional mencionada no Estatuto do idoso para que haja incentivos fiscais nas empresas que contratem idosos, favorecendo esta parte da população e contribuindo para minimizar a discriminação, permitindo aos idosos a sua continuidade no mercado de trabalho e na vida social, sendo um ganho para a sociedade.

4.3 Responsabilidade social do Estado e da iniciativa privada: perspectivas e