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Discurso e ideologia: conceitos inseparáveis

3 CAPÍTULO II: A ANÁLISE DO DISCURSO

3.1 A Análise do Discurso como método

3.1.2 Discurso e ideologia: conceitos inseparáveis

As noções de discurso e ideologia são precípuas para a Análise do Discurso, pois afinal, o discurso é ponto de encontro entre a língua e a ideologia. Este é apresentado como prática social determinada por uma formação ideológica e, ao mesmo tempo, lugar de elaboração e de difusão da ideologia. Não nos cabe, nem pretendemos mostrar aqui um caráter neutro da língua em oposição à condição ideológica inserida no discurso, mas, sim, o fato de que é no sistema da língua que se incute, historicamente, as marcas ideológicas do discurso, pois como já afirmara Bakhtin (1992), se no discurso vemos refletidas as mais imperceptíveis alterações da existência social, na língua, as modificações processam-se lentamente.

A língua produz discursos ideologicamente opostos, pois classes sociais diferentes utilizam o mesmo sistema lingüístico. É também por esse motivo, que jornais de elite e populares transmitem ideologias diferentes, apesar de estarem fundamentadas nas mesmas estruturas lingüísticas. É nesse contexto, que Bakhtin (1992) afirma sobre o cuidado que devemos ter ao nos relacionarmos com os signos, porquanto, como ele mesmo declara “o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes” (BAKHTIN, 1992, p. 47), sendo exatamente por isso que ele termina mostrando que “é este cruzamento dos índices de valor que torna o signo vivo e móvel, capaz de evoluir”.

Demonstra que seu uso não é algo estático e imóvel, pois, dependendo do contexto onde aparece, passa a ser visto de determinado modo; razão por que os analistas do discurso devem se manter atentos e circunspectos nas análises, para que assim possa prevalecer a rigorosidade da pesquisa científica, pois:

é na superfície dos textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais de produção de sentidos que o analista vai interpretar. O analista de

discursos é uma espécie de detetive sociocultural. Sua prática é primordialmente a de procurar e interpretar vestígios que permitem a contextualização em três níveis: o contexto situacional imediato, o contexto institucional e o contexto mais amplo, no interior das quais se deu o evento comunicacional (PINTO, 2002, p. 26).

Como para a AD cada texto pertence a um gênero de discurso ou a uma espécie de discurso, cabe determinarmos quais os posicionamentos ideológicos, as posições enunciativas ou os lugares de fala aventados por cada um deles. Michel Foucault (1996) e Norman Fairclough (1995) já chamavam essas posições enunciativas de discurso ou tipo de discurso.

Para Pinto (2002) o ideológico é apresentado em um texto através das marcas ou traços que as regras formais de produção de sentido deixam na superfície textual, sendo, portanto, função do analista do discurso decifrar e interpretar essas estruturas com estribo nos pré-construídos que são, por sua vez, as inferências que o leitor faz para suprir as lacunas e dar coerência à interpretação, podendo, interligar entre si as frases e partes do texto, na busca por uma razão. Assim já dizia que:

Utilizar textos na pesquisa social, sem abordá-los com instrumentos lingüísticos ou semiológicos adequados, leva o cientista social com freqüência a só levar em conta o seu valor documental imediato, isto é, a considerá-los inocentemente como ‘transparentes’ em relação ao universo apresentado, confiando na letra do texto, o que significa, e apesar dos protestos em contrário, tratá-los como independentes do contexto, aí sim de modo imanente, esquecendo-se sua ‘opacidade’ ideológica, que a análise de discurso coloca em primeiro plano (PINTO, 2002, p. 29).

É interessante lembrar que todas essas inferências e proposições encontradas nos textos, as quais foram relatadas pelo autor em questão, na Antiguidade, eram chamadas por Aristóteles de doxa.

Em razão dos mecanismos ideológicos, temos a predileção, por exemplo, ao elaborarmos uma notícia, pela escolha de determinados assuntos e aspectos a serem ressaltados em detrimento de outros, visto que os elementos sobressalentes nos diversos veículos de comunicação resultam de uma opção editorial e conseqüentemente da ideologia vigente nesse órgão institucional.

Os processos institucionais de produção de textos — as rotinas, os procedimentos editoriais e profissionais usados para a produção de uma notícia, como os processos institucionais de circulação — a escolha da notícia como manchete, para ser colocada na primeira página ou em uma página do jornal ou mesmo os processos institucionais de consumo — ler todo o jornal, ler apenas algumas matérias, ler só os títulos, etc., indicam também a ideologia adotada pelo órgão

em questão, pois esses procedimentos técnicos, as ideologias dos profissionais que lá trabalham, a expectativa do público são formas de adotar determinada formação discursiva, que segundo Pinto (2002, p. 60) “designa na AD todo o sistema de regras fundamentais da unidade de um conjunto de enunciados sócio-historicamente circunscritos, determinando o que pode e deve ser dito a partir de uma dada posição ideológica numa determinada conjuntura”.

O discurso, ao carregar consigo não só os elementos verbais, como as palavras, mas elementos visuais retratados através das ilustrações, cores e imagens, faz com que a ideologia imbricada no próprio discurso ative sentidos tanto nas superfícies lingüísticas e verbais, quanto nas não verbais e imagéticas, sendo justamente por isso que “o ideológico é uma dimensão necessária de todos os discursos, responsável pela produção de qualquer sentido social” (PINTO, 2002, p. 46).

Diferente das ciências exatas e dos cálculos em que sempre obtemos o mesmo resultado, a posição de um autor não é o único determinante das ideologias, pois estas variam. Vemos, como as ideologias não são unímodas, unívocas nem homogêneas, pois podem apresentar diferentes posicionamentos discursivos.

Cada instituição, portanto, tende a formular o discurso visando a determinado efeito que busca produzir. No caso do Agora, por pertencer à classe dos jornais mais populares e por abarcar características que remontam à escola sensacionalista, ele apresenta as notícias de modo que se enquadre nos seus parâmetros, segundo seus objetivos e ideologia.