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Em conferência realizada em São Paulo no dia 16 de dezembro de 1909, Rui Barbosa fez a gênese da sua própria candidatura e procurou mostrar que a candidatura do marechal Hermes teve origem no militarismo. Mas, o principal objetivo do senador baiano nesta conferência foi o de responder ao senador Pinheiro Machado que havia dito, em

entrevista à Tribuna Italiana, que seus adversários políticos se alimentavam de um equívoco, pois a candidatura do marechal Hermes da Fonseca “não tem nada com os quartéis”, não se filia em “processos de violência militar”. A prova disso, segundo o senador gaúcho, estaria no fato da reunião realizada na casa do próprio Pinheiro Machado, para proclamar a candidatura do marechal, não ter acusado a presença de nenhum representante do Exército.

A este argumento do senador gaúcho, Rui Barbosa respondeu da seguinte maneira:

“Não havia um militar no cenário, que firmou a preferência da candidatura Hermes. E daí? Todo o mundo sabe que na ultimação dos negócios desta casta, lanços (sic) há, que se desdobram no tablado, em intimidades, que correm atrás da cena. Haveis de ter lido o curioso volume francês, que desvenda Os Bastidores do Boulangismo. Todos os boulangismos têm os seus bastidores. Jackson tinha o seu gabinete constitucional e o seu gabinete de cozinha. Este era o que governava. Mas o que representava, era o outro.” (Barbosa, Rui. Obras Completas. Vol. XXXVI – 1909 – Tomo I, pp. 147/148)

E mais adiante:

“Diversamente pensavam os chefes civis, no dia em que jogaram a cartada formidável da candidatura Hermes. Por quê? Porque viam no Exército, injustamente julgado, um meio de triunfo para a candidatura do Ministro da Guerra. Mas esta não nasceu, quando eles a deliberaram na reunião em casa do honrado Senador rio- grandense, a que alude a sua entrevista. Nasceu no dia em que o Ministro da Guerra se

deliberou a afrontar o Presidente com a sua celebre carta,88 documento histórico de que

os amigos do Conselheiro Afonso Pena já não deviam negar conhecimento ao país.” (Ibid., pp. 153/154)

Ainda para responder ao senador Pinheiro Machado, que havia feito referência à integridade e à inteligência do marechal, o senador Rui Barbosa recuperou argumentos que, desde o lançamento da candidatura de Hermes da Fonseca, foram utilizados na tentativa de desqualificar o marechal como sendo apenas um soldado.

“De um soldado, sim, na mais nobre expressão da palavra o digo, mas unicamente de um soldado... Aquele que tem por ofício arriscar a sua vida ao serviço da pátria, tudo merece da pátria, a quem serve. Contanto que não troque a profissão de saber morrer pela de saber matar, e não desmande em oprimir a nação às armas, que ela lhe confiou para a defender. Aí a sua “integridade”. Aí a sua “inteligência”. Ninguém nunca jamais reconheceu, neste país, outras aptidões ao Marechal Hermes.” (Ibid., p. 149)

E sobre uma suposta necessidade política, mencionada por Pinheiro Machado, para o lançamento da candidatura do marechal Hermes da Fonseca, Rui Barbosa afirmou que esta necessidade somente poderia ser a do terror, pois na candidatura do marechal “se encarna a força armada; e com a força armada não se medem ideais, urnas, constituições,

88 Trata-se da carta de demissão do marechal Hermes da Fonseca, enviada ao presidente Afonso Pena em

maio de 1909. Nesta carta, conforme visto no primeiro capítulo, o marechal declara que não é “absolutamente candidato à Presidência da República” e afirma ser contra a candidatura David Campista, pois a mesma “não encontra apoio na opinião nacional”. Além disso, o marechal diz ser “contrário, por princípio, às candidaturas oficiais” e ser favorável a que o militar possa “legitimamente, como qualquer cidadão, aspirar investidura de chefe de Estado”.

democracias. É destarte que se fez invencível o espectro militar: simplesmente pela crendice da sua invencibilidade entre os fracos e pela exploração dessa crendice entre os sagazes”. (Ibid., p. 156)

Em outra conferência, realizada na cidade de Juiz de Fora no dia 17 de fevereiro de 1910, Rui Barbosa procurou responder às acusações feitas por partidários do marechal Hermes, que afirmavam que a campanha do senador baiano estava levando o país às portas da anarquia. Segundo Rui Barbosa, os partidários do hermismo adotavam como moral da sua política ou como política da sua moral a arte de dizer, pensar e declarar o contrário, pois o responsável pela agitação que abarcava o país seria o militarismo contido na candidatura do marechal Hermes da Fonseca.

“A anarquia cobre atualmente o país como as águas de um rio transbordado. Vem de origens antigas e conhecidas, especialmente das ditaduras militares, dos movimentos militares e das desorganizações militares. Mas é principalmente das nascenças desta candidatura militar que ela se despenha e nos alaga em torrentes.” (Barbosa, Rui. Obras Completas. Vol. XXXVII – 1910 – Tomo I, p. 176)

Em outro momento da conferência, Rui Barbosa decidiu citar duas correspondências de dois oficiais superiores do Exército - que reclamavam das condições de trabalho oferecidas pela instituição quando o marechal Hermes da Fonseca ocupava a pasta de Ministro da Guerra - para tentar mostrar que a administração feita pelo marechal durante o Governo Afonso Pena estaria relacionada inclusive com o estado de anarquia citado pelos próprios partidários de Hermes da Fonseca.

“Tais fatos confirmam, infelizmente, a existência da desorganização armada pela confusão e desordem que reina nas fileiras do exército desde a obra do Sr. Hermes da Fonseca e dessa situação deplorável que a nação observa entristecida, só é lícito esperar os prejuízos resultantes na anarquia em perspectiva.” (Ibid. p. 181)

Mesmo na conferência de 15 de janeiro de 1910, destinada principalmente a expor a plataforma eleitoral do senador baiano, Rui Barbosa não deixou de mencionar o suposto caráter militarista da candidatura do marechal Hermes da Fonseca e apontou a Convenção de Agosto como uma reação ao militarismo.

“Foi ao rebate deste perigo (terror militar) iminente que se reuniu a Convenção de Agosto. Nela se puseram de lado todas as outras considerações, todas as outras preocupações, todas as outras apreensões, para se assentar, como objeto exclusivo deste movimento, como função específica da candidatura que o representa, a reação contra o militarismo renascente.” ( Barbosa, Rui. Campanhas Presidenciais, 1966, p. 15)

Contudo, é interessante constatar que em todos os seus pronunciamentos que pretendem apontar para o militarismo contido na candidatura do marechal Hermes da Fonseca, Rui Barbosa não forneceu provas cabais de tal característica. Na verdade, o senador baiano se limitou, assim como faziam os veículos da imprensa que se opunham à candidatura do marechal, a lembrar constantemente que Hermes da Fonseca foi um militar, a taxá-lo inábil para o mundo da política (quando não, como vimos acima, desqualificá-lo

dentro do próprio campo militar) e a afirmar que a eleição do marechal levaria o Brasil à ditadura militar.