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Biodegradação da ocratoxina A por fungos

2.4 Discussão e Conclusão

Setenta e seis estirpes de fungos filamentosos pertencentes a várias espécies e nove leveduras fermentativas foram testadas de forma a verificar a sua capacidade para degradar a OTA.

Observou-se globalmente que 52 estirpes (68% do número total das estirpes testadas) foram capazes de degradar a OTA em mais de 80%. Entre estas podem-se encontrar estirpes pertencentes às espécies A. carbonarius, A. ellipticus, A. foetidus, A. ibericus, A. japonicus,

A. niger, A clavatus, A. fumigatus, A. ochraceus, A. versicolor, A. wentii, Cladosporium sp., P. aurantiogriseum e P. spinulosum.

É também importante realçar que 23 estirpes de A. niger (85% dos A. niger testados) degradaram mais de 95% da OTA presente no meio de cultura e que 7 delas apresentaram a taxa de degradação mais elevada (99,9%) de entre todas as estirpes testadas. Esta espécie foi, claramente, a que melhor degradou a OTA, apesar de outras espécies do grupo dos aspergilli negros terem evidenciado também uma boa capacidade degradativa.

No grupo dos aspergilli negros verificou-se, também, que os isolados ocratoxigénicos foram capazes de degradar a OTA, tendo as estirpes mais produtoras apresentado taxas de degradação mais baixas. Nomeadamente, as estirpes A. carbonarius 01UAs178 e 01UAs198 que degradaram respectivamente apenas 60 e 55% da OTA presente no meio de cultura. De realçar que estas foram as estirpes que mais OTA produziram quando crescidas no meio YES (2,547 e 1,337, respectivamente). De forma semelhante, a estirpe A. niger 01UAs358, que produziu 1,193 µg de OTA em YES, apresentou a taxa de degradação mais baixa (84,4%) de entre as estirpes de A. niger ocratoxigénicas testados.

As estirpes ocratoxigénicas A. alliaceus 01UAs62 e A. ochraceus 01UAs65 foram as únicas de entre todas as estirpes testadas que não foram capazes de degradar a OTA. Muito pelo contrário, verificou-se que estas estirpes produziram esta micotoxina em ambos os meios de cultura utilizados: respectivamente, 182 e 26 µg em YES, e 172 e 8 µg em YES-OTA.

De forma semelhante ao descrito no presente trabalho, diversas espécies de fungos filamentosos têm sido descritas em várias publicações como sendo capazes de degradar a OTA. Nomeadamente, Varga e co-autores (2000) testaram 70 estirpes de aspergilli (pertencentes a 41 espécies diferentes) e verificaram que três estirpes de A. fumigatus, uma de

outra publicação, 55 zygomycetes (pertencentes a 9 espécies diferentes) foram testados, tendo os autores verificado que 8 estirpes de Rhizopus stolonifer, uma de R. homothallicus, 3 de

R. oryzae e 4 de Rhizopus sp. foram também capazes de degradar a OTA (Varga et al., 2005).

Mais recentemente, várias estirpes de A. carbonarius, A. japonicus e A. niger foram testadas, tendo os autores verificado, em dois meios de cultura diferentes, que 77 ou 45% dos isolados degradavam mais de 80% da OTA (Bejaoui et al., 2006).

Analisando ainda os resultados dos trabalhos já citados e do presente estudo, verifica-se, que não é possível estabelecer uma relação entre as diferentes espécies e a sua capacidade para degradar a OTA. Por exemplo, no trabalho aqui apresentado, verificou-se que entre as estirpes de A. flavus testadas, uma degradou apenas 23% da OTA presente no meio de cultura, enquanto que as outras duas degradaram cerca de 60%. Por outro lado, verificou-se, também, que entre os isolados de A. carbonarius, duas das estirpes degradaram apenas 55 e 60% da OTA presente no meio de cultura, enquanto que as outras três degradaram cerca de 93, 94 e 98%. Além do mais, todos os isolados de A. carbonarius, A. flavus, A. ochraceus e

A. versicolor que testámos foram capazes de degradar a OTA numa maior ou menor extensão;

no entanto, Varga e co-autores (2000) não encontraram nenhum isolado pertencente a estas espécies que o tivesse feito. Ao que tudo indica, a capacidade para degradar a OTA parece estar sobretudo associada à estirpe analisada mais do que à espécie em causa.

Neste trabalho, verificaram-se também diferentes perfis de degradação da OTA. Um primeiro, onde se detecta OTα e um composto com tempo de retenção igual a 3,4 min, que não foi possível identificar. Este perfil foi claramente observado nos cromatogramas dos aspergilli negros e de uma forma menos evidente nos cromatogramas das estirpes de

A. fumigatus, A. versicolor, Cladosporium sp., Emericella nidulans e Trichoderma sp.

testadas. Um segundo perfil, onde se detectam dois compostos com tempos de retenção de 5,1 e 5,8 min, cuja identificação também não foi possível, e que foram observados no cromatograma da estirpe A. ochraceus 01UAs8 e nos cromatogramas das estirpes de A. wentii testadas. Com os restantes fungos não se detectaram metabolitos que possam ter resultado da degradação da OTA. É possível que tenha ocorrido, nestes casos, uma metabolização completa da micotoxina ou a sua degradação num composto não fluorescente, impossível por isso de detectar com o detector de fluorescência utilizado.

Os fungos que menos OTA degradaram foram Trichoderma sp., Trichothecium roseum,

degradação de 14,8, 19,1, 23,0, 26,9 e 32,8%; e as leveduras testadas, que apresentaram taxas de degradação entre os 12 e os 18,7%.

Entre as leveduras testadas, as taxas de degradação mais baixas foram obtidas com a estirpe S. pasteurianus IGC4601T e R. glutinis IGC4177T (12%) e as mais altas com as estirpes R. minuta IGC4689, P. membranifaciens PL17 e K. marxianus IGC3286 (18,7, 17,1 e 17,0%, respectivamente). Nestes ensaios, nenhum efeito de adsorção às paredes celulares das leveduras pode ter influenciado e contribuído para a redução da OTA, uma vez que o meio de cultura e a biomassa foram extraídos em conjunto. É importante salientar este facto, uma vez que publicações recentes descrevem leveduras (e.g. S. cerevisiae e S. bayanus) e seus derivados (e.g. paredes celulares, β-glucanos e manoproteínas) como capazes de adsorver esta micotoxina (Bejaoui et al., 2004; Ringot et al., 2005; Caridi, 2006a; Ringot et al., 2007) e de, por exemplo, contribuírem para a sua remoção em vinhos (Moruno et al., 2005; Cecchini et

al., 2006). Adicionalmente, é importante referi-lo porque nenhum metabolito (e.g. OTα) foi

detectado nos cromatogramas referentes a estes ensaios de forma a comprovar a degradação da OTA. Muito provavelmente, a OTA em falta foi completamente metabolizada pelas leveduras. Como já vimos na introdução geral, algumas publicações descrevem a capacidade de certas leveduras para degradarem a OTA. A mais recente descreve que a levedura Phaffia

rhodozyma CBS 5905 degradou mais de 90% da OTA presente no meio de cultura utilizado

após 15 dias a 20 ºC (Peteri et al., 2007). Outras descrevem um isolado de Trichosporon sp. como sendo capaz de degradar 80 a 100% da OTA presente no meio de cultura após 2,5 a 5 horas de incubação a 25 ºC (Schatzmayr et al., 2003).

Em conclusão, verificou-se com este trabalho que existe uma grande variedade de espécies de fungos, filamentosos e unicelulares, que são capazes de degradar a OTA. Verificou-se, também, que certas espécies utilizam vias de degradação diferentes. No entanto, a maioria dos fungos testados degradou a OTA através da hidrólise da ligação amida que liga a OTα à L-β-fenilalanina, sugerindo a actuação de uma carboxipeptidase. Como já foi descrito na introdução, algumas enzimas são efectivamente capazes de hidrolisar esta ligação. Nomeadamente, a carboxipeptidase A (Pitout, 1969) e uma lipase de A. niger (Stander et al., 2000). Além do mais os fungos são, como já vimos, excelentes produtores de enzimas hidrolíticos entre os quais diversas carboxipeptidases, como, por exemplo, carboxipeptidases ácidas produzidas por A. niger (Ichishima et al., 1973) ou a carboxipeptidase Y produzida por

S. cerevisiae (Rao et al., 1998). Os resultados do presente trabalho levaram-nos a crer que

pela hidrólise da OTA, de forma a caracteriza-lo e a avaliar a sua possível utilização em processos de descontaminação alimentar. Por outro lado, pretendia-se verificar se a carboxypeptidase Y poderia ser capaz de degradar a OTA, uma vez que esta é produzida por algumas leveduras, de forma a procurarmos explicar a degradação observada com as leveduras testadas.