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DISPOSITIVO E SUAS LINHAS DESEJANTES

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 33-41)

ITINERÁRIOS DESVIANTES

1.1 DISPOSITIVO E SUAS LINHAS DESEJANTES

Para Foucault (1979), um dispositivo se constitui na medida em que alguma experiência humana se torna problemática no campo social, em determinado momento histórico, para a qual se criam racionalidades estratégicas de transformação. Desse modo, um dispositivo seria constituído como um agenciamento híbrido de elementos humanos e não humanos, de práticas discursivas e não discursivas – leis, regulamentos, hábitos, arquiteturas, objetos, profissões, saberes, etc. – que inevitavelmente atravessam os seres humanos e estabelecem determinados modos de ser. Em suma, na tecedura dos dispositivos, dobram-se sujeitos que funcionam como pontos nodais sobre os quais os dispositivos atuam e a partir dos quais se estruturam.

Partindo das relações de saber-poder e seus efeitos de subjetivação analisados como elementos que constituem um dispositivo para Foucault, Deleuze (1996) pensa-o em forma de linhas análogas: a irrupção de um novo problema, em determinado momento histórico, faz convergir linhas de visibilização e enunciação, linhas de força e linhas de fuga ou

subjetivação. Tomando o “louco infrator” como o ponto nodal para onde convergem tais linhas, diríamos que as linhas de visibilização e enunciação o contornam com certos regimes de luz e certas ordens do discurso e permitem que ele seja visto e descrito de um modo estratégico para a estruturação de práticas e saberes que devem atuar sobre ele – linhas de força – no interior do dispositivo “medida de segurança”. Mapear tais linhas significaria buscar responder quais relações de saber/regimes de verdade constituem o sujeito alvo da medida de segurança.

Assim, as linhas de força, entendidas como relações de poder, engendram-se em meio aos regimes de luz e de verdade discursiva e atuam como linhas capazes de os dobrar como sujeitos alvos desse dispositivo. Tais linhas dariam contorno às racionalidades práticas que devem atuar sobre o sujeito tomado como um problema com o fim de assujeitá-lo a um outro modo de viver, delineando certo domínio de experiências possíveis e o modo como o sujeito deve fazer a experiência de si próprio neste campo, transformando-o em um sujeito mais facilmente governável. Paralelo a tudo isto, as linhas de fuga seriam aquelas a partir das quais certos microeventos, promovidos por resistências subjetivas, subsistem e se interpõem pelas frestas desse enredamento duro de práticas discursivas estabelecidas e as fissuram, desterritorializam-nas, como também aos sujeitos aí engendrados.

Tomando a “medida de segurança” como um dispositivo, podemos defini-la como uma série de linhas de visibilidade, enunciação, de forças e de subjetivação que se cruzam e dão forma a um conjunto de leis, edificações, teorias, práticas, técnicas e protocolos para dar conta da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, de modo a prever para esta um enredamento capaz de resultar num certo modo de existir. Temos, portanto, na produção de subjetividade que o dispositivo busca engendrar, um caráter ativo relacionado à dimensão da produção/criação. Embora, por vezes, o dispositivo pareça bloqueado a mudanças, no sentido de buscar uma regularidade nas práticas e discursos e que resultem em subjetividades serializadas, é sempre possível extrair dele variações, devido às suas linhas de fuga, e anunciar outras visibilidades e enunciações relacionadas ao plano movente que também lhe constitui e que tende à diferenciação. Os microveventos que se interpõem nos dispositivos são também micro-dispositivos que atuam com potência de fazer derivar o aparentemente imutável. Nesse sentido, segundo Barros (1996, p. 104),

O que caracteriza um dispositivo é sua capacidade de irrupção naquilo que se encontra bloqueado de criar, é o seu teor de liberdade em se desfazer dos códigos que procuram explicar dando a tudo o mesmo sentido. O dispositivo tensiona, movimenta, desloca para outro lugar, provoca outros agenciamentos. Ele é feito de conexões e ao mesmo tempo produz outras.

É neste caráter ativo do dispositivo, sua capacidade de criação e intervenção nas realidades aparentemente fixas e estáveis que nos apoiamos para agenciar elementos heterogêneos que pudessem ter efeito de desestabilização e derivação das formas do dispositivo medida de segurança. Desse novelo, puxamos as linhas de visibilidade, enunciação e de força que caracterizam a dureza do seu funcionamento e organização, identificadas ao plano das formas, mas também montamos situações que atuaram no plano das forças que as constituem, arregimentando intervenções e interposições com potência de desterritorialização, segundo suas linhas de resistência8.

Sobre as linhas que deterrritorializam, Alvim (2012) questiona se, ao mesmo tempo em que o saber formar-se-ia no encontro das linhas de visibilidade e enunciação, as linhas de força também não se desdobrariam em linhas de poder e resistência. Para ele, as linhas difusas e acentradas de resistência ameaçariam formar um contradispositivo:

na medida em que transporta o potencial de contaminar um dispositivo, infectando fragmentos do visível e do dizível, recusando as relações de poder e intensificando novos processos de subjetivação. A resistência torna-se contradispositivo quando, menos que atacar uma manifestação precisa, ela afeta a própria circulação de poder no dispositivo, desestabilizando sua ação administrativa. (...). Toda linha de

resistência comporta essa ameaça virtual: de inventar um contradispositivo por contaminação, perfuração ou fuga [grifo do autor] (ALVIM, 2012, p. 125).

Tomando emprestada a noção de contradispositivo, podemos dizer que as situações motandas no decorrer da pesquisa buscaram atuar como tal, já que a explicitação dos mecanismos de poder do dispositivo medida de segurança, sua recusa e questionamento, operado pelos contradispositivos forjados, buscaram desestabilizar seus diagramas de forças, provocando uma inflexão na direção de outras configurações possíveis. A pesquisa incidiu na  

8 Para Foucault (1995), há sempre linhas que escapam às modulações das linhas de força. Historicamente, Foucault (2006b) identifica estas linhas a resistências a um poder específico e anterior ao poder soberano: o poder pastoral. Nesse regime de poder, o pastor era quem cuidava de todos e de cada um do seu rebanho como modo de conduzi-lo em direção à salvação. Para tanto, estabelecia uma relação de verdade e obediência com cada um, colocando-se, inclusive, em situação de sacrifício para salvar-lhes a vida. Porém, esta relação exigia um exercício do sujeito sobre si mesmo para o contínuo exame de consciência e construção de verdades sobre si, de modo a fixar sua identidade e facilitar o governo das suas condutas. Destas relações pastorais, surge na Idade Média, uma série de contracondutas como modos de resistência. De acordo com Alvim (2012), uma delas era a ascese de si, um exercício do sujeito sobre si mesmo, não mais na direção de estabelecer verdades identitárias, mas uma relação tida como egoísta capaz de taticamente torná-lo inacessível a um poder superior. As práticas ascéticas abriam espaço para uma relação ética consigo, uma estética da existência, capaz de permitir uma vida em movimento, logo, fugidia às ordenações superiores. Soma-se ao ascetismo, a formação de comunidades para a recusa do poder pastoral: coletivo de pessoas que se insurgia conjuntamente contra a autoridade do pastor: suas contracondutas atuavam como contradispositivos na medida em que linhas de resistência recusavam, questionavam, subvertiam e/ou reorganizavam o modo como se estabelecem e funcionam os dispositivos estruturados para o governo das individualizações, colocando-os em movimento e convocando-os a reconfigurações.

articulação das forças de resistência já presentes no dispositivo medida de segurança, fazendo convergir seus pontos dispersos num fluxo comum de contracondutas a partir da estruturação de contradispositivos ou micro-dispositivos, aos quais chamamos na pesquisa especificamente de “dispositivos estéticos de desinstitucionalização”. Com isto queremos dizer que, no decorrer da pesquisa, montamos situações capazes de conectar elementos diversos que não apenas funcionaram como máquinas de fazer ver e falar, como criaram modos de subjetivação, engendrando novas sensibilidades a partir do encontro com a alteridade. Os dispositivos estéticos foram forjados como instrumentos de conexão, análise e criação, pensando nos efeitos de derivação que poderiam gerar no dispositivo medida de segurança.

A compreensão do dispositivo a partir das noções de micro-dispositivo e contradispositivo, como convergência de forças instituintes capazes de fissurar as formas instituídas e provocar novos modos de existir, novos desejos e novas configurações sociais, permite-nos relacioná-lo à sua concepção mais propriamente interventiva, tal qual tomado pela Análise Institucional/AI. Para Lourau (1993) e Barros (1996), o dispositivo pode ser tomado como montagens ou artifícios que acionam processos de decomposição e de visibilização e, consequentemente, como produtor de acontecimentos e devires. Para Gastão (1999), tais artifícios são criados para instaurar algum processo novo na estrutura das organizações, mas não fazem parte dela: ali são introduzidos com o fim de alterar seu funcionamento. O dispositivo, então, seria “uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera acontecimentos, atualiza virtualidades e inventa o novo Radical”. (BAREMBLITT, 1992, p. 151).

Segundo Rolnik (2011), as linhas que constituem os dispositivos se constituem identificadas com um dos dois tipos de linhas de vida ou linhas desejantes cujos movimentos e entrelaçamentos correspondem “às estratégias de formação de cristalizações existenciais que vêm a ser, exatamente, o desenho de novas configurações no campo social” (ROLNIK, 2011, p. 58). Um tipo refere-se às linhas conscientes, visíveis e limitadas, linhas que compõem o plano das representações e dos territórios, por percursos de territorialização. E o outro tipo diz respeito a linhas inconscientes, invisíveis e ilimitadas, mais propriamente fluxos que compõem o plano das intensidades e dos afetos, a partir de movimentos de desterritorialização. As primeiras são linhas duras e sedentárias que organizam, segmentarizam, estratificam; também chamadas de linhas molares, criam “roteiros de circulação no mundo: diretrizes de operacionalização para a consciência pilotar os afetos”

(ROLNIK, 2011, p. 51). Por seu turno, as linhas que desterritorializam, que descontornam e desorganizam são linhas moles, também chamadas de linhas moleculares:

Ela é fluxo que nasce entre os corpos: ora veloz, apressada, elétrica, ora lenta e lânguida. (...) afetos que não conseguem passar em nossa forma de expressão atual, aquela do território em que até então nos reconhecíamos. Afetos que escapam, traçando linhas de fuga (Ibidem, p. 49).

As linhas duras/molares são identificadas com o único plano da política que se pode ver a olho nu – o olho-retina, pois permitem a materialização dos desejos de organização na configuração concreta de territórios: a macropolítica. “A segmentação operada por essa linha dura vai recortando sujeitos, definidos por oposições binárias do tipo homem/mulher, burguês/proletário, jovem/velho, branco/negro, etc.; ela vai recortando ao mesmo tempo objetos, unidades de tempo” (Ibidem, p. 60). As linhas moles/moleculares, ao contrário, não tomam formas, desmacham-nas e traçam devires; são o fluxo de pura intensidade e dizem respeito aos afetos que sempre escaparão aos territórios e, por isso, decretarão constantemente seu fim. Fazem-se num plano micropolítico e só são apreensíveis pelo olho vibrátil, que na realidade depende da vibratilidade de todo o corpo para a sua afetação, já que o invisível é alcançado quando o corpo coloca-se sensível aos efeitos dos encontros dos corpos e suas reações. Kastrup (2009) faz referência ao olho-vibrátil enquanto percepção “háptica”, que se faz com o corpo inteiro, deixando-se afetar das mais diferentes formas e atingir sua própria fraqueza no acesso ao Outro que há em nós e não em sua recusa e rechaçamento.

Com isso, queremos dizer que os dispositivos e agenciamentos compostos por planos e linhas que os atravessam devem ser visualizados como conjuntos permanentemente abertos. Isto é, não há leis, normas, políticas, saberes, práticas, discursos, costumes, arquiteturas, programas, estatutos, e tudo o que compõe o campo social que resista ou exista à revelia do nível de afetação que provocam mutuamente – e se dão entre – os corpos (não apenas humanos). Nesse sentido, para a autora, não há separação entre desejo e social:

Não existe sociedade que não seja feita de investimento de desejo (...) e, reciprocamente, não existem investimentos de desejo que não sejam os próprios movimentos de atualização de um certo tipo de prática e discurso, ou seja, atualização de um certo tipo de sociedade (ROLNIK, 2011, p. 58).

Dito de um outro modo, é no agenciamento das linhas que estratificam, segmentarizam, estruturam, organizam e tornam duras e aparentemente fixas as práticas sociais, os discursos, os sujeitos, os modos de viver, e e linhas que rompem, fissuram, desestruturam e desterritorializam o que parece cristalizado e, por vezes, imutável, que se

constituem desejo e real social, elementos aos quais tal composto híbrido de olhares deve estar sensível.

A partir dessa perspectiva, afirmamos, desde já, a nossa implicação na constituição de realidades e o desejo como fio condutor dos próprios rumos da pesquisa, levando em consideração que “pensar dispositivos é pensar efeitos, é se aliar à ação/criação, é montar situações que articulem elementos heterogêneos acionando modos de funcionamentos que produzirão certos efeitos” (BARROS, 1996, p. 105). Esta posição implica o completo abandono da postura a-política das pesquisas tradicionais positivistas cujos princípios de neutralidade e objetividade propõem produzir um conhecimento verdadeiro, já que fidedigno à realidade; logo, inquestionável e mantenedor do status quo a que respondem.

1.2 CARTOGRAFIA COMO PESQUISA-INTERVENÇÃO: perspectiva ético-estética e política

Cartografar é mapear as linhas que compõem um dispositivo, não como um decalque ou uma reprodução, mas como acompanhamento criativo das linhas que o contornam e o atravessam, com capacidade desse próprio processo provocar descontinuidades nas linhas que segue mapeando. A cartografia como pesquisa-intervenção, sendo parte do agenciamento que constitui o dispositivo, busca contribuir na conexão entre campos, abrindo-o ao máximo a um plano de consistência (DELEUZE & GUATTARRI, 1995).

Trabalhar nessa perspectiva da pesquisa-intervenção exige que a realidade e os sujeitos que a compõem sejam entendidos como em constituição mútua e permanente, pois é a condição de constante devir que coloca a pesquisa tal qual um acompanhamento de processos e fluxos que se dão nas micropolíticas das relações sociais. Pressupõe, portanto, um mergulho do pesquisador num plano de experiências em que conhecer e fazer, pesquisar e intervir são parte de um mesmo processo. Assim, escolhemos a pesquisa-intervenção como metodologia capaz de nos permitir mapear as linhas que compõem e, aparentemente, conformam o dispositivo “medida de segurança” e, paralelamente, tornar possível seguir os fluxos que necessariamente derivariam desse mapeamento.

Partindo do pressuposto de que a pesquisa não é a imagem do mundo, sua representação ou reapresentação, a pesquisa-intervenção nega os antropológicos universais como meta a perseguir para um suposto domínio da realidade. Logo, não pretende chegar a verdades tomadas como valores universais, o que é próprio de uma ordem moral. Ao

contrário, a postura ética adotada implica um rigor na escuta das diferenças que se fazem em nós e pedem passagem na produção contínua de verdades sempre em devir. São as diferenças que nos desassossegam que devem conduzir, com tal rigor, a escuta de verdades únicas e pontuais, sempre passíveis de mudança. A posição estética, por sua vez, permite, a partir da escuta ética das diferenças, a desestabilização das ordens vigentes, pois tal posicionamento exige do pensamento não o domínio de um certo campo de saber já dado, mas a abertura ao intempestivo e seus efeitos de recriação sobre si próprio.

Nesse sentido, sob a perspectiva ético-estético-política, o acompanhamento dos fluxos disparados pela pesquisa nos convocou a criar micro-dispositivos que agenciaram elementos diversos que, em alguma medida, poderiam vir a produzir aberturas para novas realidades no plano de organização dessa realidade.

Aqui vale destacar o conceito de analisador, da Análise Institucional (AI), o qual retira do pesquisador o lugar de sujeito do conhecimento capaz de interpretar a realidade desde uma posição supostamente superior e apartada da mesma. Na medida em que o pesquisador- cartógrafo habita um território, o processo de acompanhar os acontecimentos que o compõem, em suas diversas acepções, produz analisadores. O analisador deve ser entendido como acontecimento condensador de forças sócio-políticas que faculta, em consequência, a reconstituição analítica de determinadas situações, a desconstrução de determinadas naturalizações e a convocação da potência de produção de realidades alternativas e/ou alterativas (Cf. BARROS, LEITÃO; RODRIGUES, 1992; Cf. LOURAU, 2004). Sua metodologia baseia-se numa arguição que desmanche os territórios constituídos para convocar a criação de outras instituições, as quais se remetem aos processos de produção constante de modos de legitimação das práticas sociais (BARROS, 1996).

O método da cartografia como pesquisa-intervenção, embora possa apontar caminhos, não necessariamente preestabelece as metas fechadas que pretende alcançar e os procedimentos que deverá usar. O contato com situação social concreta do campo de intervenção deverá permitir a constituição de um campo de análise, com perguntas-problema que poderão emergir dos encontros em campo e com possíveis referenciais que deverão compor sua problematização. Para tanto, o cartógrafo precisa estar aberto aos fluxos intensivos dos dispositivos, permitindo que sua própria afectibilidade, como sugeriu Pal Pélbart (2009), seja um modo de viver a alteridade-em-nós e o conduza no acompanhamento dos processos de um modo fluido e contínuo.

conexões possíveis entre os sujeitos e objetos da pesquisa, abre espaço para a construção de um campo de análise, ao mesmo tempo em que deve disparar efeitos de derivação no campo pesquisado. De acordo com Passos e Barros (2009a, p. 28), o método da cartografia tem como direção clínico-política “o aumento do coeficiente de transversalidade”, isto é, um aumento do

quantum comunicacional dentro e fora dos grupos nas instituições capaz de promover a

conexão dos devires minoritários. Isto quer dizer que, para além da comunicação vertical, que ocorre de modo hierárquico, e da comunicação horizontal, que organiza os iguais corporativamente, é preciso traçar uma linha transversal que permita aos “devires que estão sempre presentes em diferentes graus de abertura e potências variadas de criação” (Ibidem, p. 27) fazerem parte das redes comunicacionais. Quando toda a realidade institucional se comunica de um modo transversal e em redes quentes, cujos personagens rejeitam sujeitar-se aos padrões hegemônicos do socius, são gerados desarranjos que abrem espaço para novos arranjos.

A transversalidade do método cartográfico prepara a definição do trabalho de análise que, para Guattari, “é a um só tempo o de descrever, intervir e criar efeitos-subjetividade” (apud PASSOS; BARROS, 2009a, p. 27). Trata-se de configurar uma rede de articulações e composições entre as diversas linhas que constituem os dispositivos investigados de modo que ao mesmo tempo em que traça o plano, constrói um mundo comum: interfere na realidade estudada convocando-a à derivação.

Como já dissemos, descrever não significa representar ou reapresentar a realidade como se apresenta, já que se parte do pressuposto que esta não existe em si, apartada dos processos sociais que a constituem, mas é constituída como acontecimento na medida em falamos sobre e atribuímos sentidos sempre negociados em agenciamentos coletivos. O ato de descrever pode ser entendido como a atribuição/criação de sentidos na tensão entre as linhas molares e moleculares, observadas e sentidas pelo olho-do-visível e pelo olho vibrátil, os quais são imanentes/correlatas às macro e micropolíticas, como falamos anteriormente. Intervir, por sua vez, não parte de um planejamento totalmente estruturado de ações que devem provocar tal ou qual efeito, mas se torna possível na medida em que pesquisador habita um território (ALVAREZ; PASSOS, 2009) e acompanha processos como observador participante; na medida em que não apenas observa, mas participa da constituição de territórios existenciais e da constituição de realidades. E criar efeitos-subjetivação é efeito resultante das ações de descrever e intervir, e diz respeito ao ethos clínico-político da pesquisa-intervenção.

Segundo Kastrup e Passos (2014), a participação coletiva e a inclusão dos sujeitos e objetos que compõem o cenário de investigação, de modo lateralizado na produção do conhecimento, finda por realizar-se como uma experiência coletiva de onde emergem analisadores que guiam o pesquisador e permitem o traçado do plano comum da experiência investigada. Além da transversalização, a pesquisa-intervenção também tem função transdutiva, já que age nos encontros por contágio e propagação em várias direções, produzindo transformações. Ambas as funções devem permitir a instauração de um plano relacional com o máximo de conexões na medida em que ampliam a capacidade de

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