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6 ANÁLISE DOS DADOS

6.2 Compreendendo os sentidos compartilhados do abuso sexual infantil intrafamiliar pelos professores

6.2.3 Distúrbios mentais

Nas respostas ao QAL houve a associação do ASII aos distúrbios mentais (Quadro 10), com 19 evocações, sugerindo uma justificativa na ordem do adoecimento mental, através dos termos transtorno psicológico, confusão mental, doença, patologia. Compreendemos que algumas dessas palavras podem se referir tanto à vítima como ao abusador.

Quadro 9:3º Eixo do ASII – Distúrbios mentais

GRUPOS DE PALAVRAS

Trauma (5) / Traumático / Transtornos psicológicos / Distúrbio mental / Confusão mental / Perturbado / Patologia / Tratamento psicológico / Doença / Doentio / Psicopata / Imoral /

Desequilíbrio psicológico / Desequilíbrio / Desestrutura emocional, psicológica e comportamental

19

Ressaltamos que a associação do ASII com os distúrbios mentais apresentou relevância na 1ª fase, com a associação livre, também sendo selecionados na hierarquização como elemento importante. Porém, nas entrevistas os sujeitos ressaltaram os traumas para as vítimas do ASII, não sendo igualmente destacada a referência direta à pessoa que comete a violência, embora tenham sido recorrentes expressões que indicavam perplexidade – “[...] tento encontrar um motivo que leve uma pessoa a agir dessa forma e não passa pela minha cabeça” ou “[...] taí uma coisa que eu nunca consegui entender ... e acho que a maioria da população não consegue” – além de duas professoras terem enfatizado o aspecto “doença” e “uma tara muito doida”.

Nessa questão, discutimos que a associação livre permite a emergência dos conteúdos mais espontâneos, menos expostos à censura do que na entrevista que se constitui numa interação direta com o interlocutor, diante do qual o sujeito é convidado a expressar sua compreensão. Podemos pensar que, nessa situação, os professores tenham evitado a associação do ASII com a loucura. Por outro lado, e isso nos pareceu mais plausível, diante da palavra trauma, ao lado dos outros termos que tiveram recorrência igual ou superior a 4, tenha havido um direcionamento para esse foco, não aprofundando a discussão para a figura do abusador. Dessa forma, consideramos que tal aspecto mereceria ter sido melhor investigado. Vejamos os seguintes extratos:

Eu não sei, assim, o que é que passa na cabeça de uma pessoa que age dessa forma, não sei. Às vezes eu tento procurar um motivo, entendeu, que leve uma pessoa a agir dessa forma e não passa pela minha cabeça. Passa pela tua cabeça um motivo que justifique esse tipo de barbaridade? [...] É uma tara muito doida [...] (Augusta). Fora que já vem com o caráter, muitas vezes, de doença... [...] Sei não, acho que é falta de noção [risos]. [...] Se não for uma pessoa completamente doente, eu acho que ela pensa mais duas vezes em uma classe [socioeconômica favorecida] onde ela teve mais um... já estudou, teve uma educação, teve alguma coisa (Carmem). [...] Taí uma coisa que eu nunca consegui entender ... e acho que a maioria da população não consegue (Diná).

Sabe-se que não existe um perfil único de abusador, assim como, não há conexão causal direta entre violência sexual e transtorno ou distúrbio psicológico. De acordo com Telles, Teitelbaum e Day (2011, p. 256), “a maior parte dessas agressões ocorre nos lares, por pessoas que não preenchem critérios para um diagnóstico psiquiátrico”. Os autores do ASII são geralmente pessoas comuns, sem antecedentes criminais, tendo consciência dos seus atos, sabem que é crime e que é prejudicial às crianças e tendem a se apresentar em público como pessoas responsáveis e cuidadosas (DUARTE, 2008; FURNISS, 2002;).

Nas entrevistas, emergiu predominantemente a preocupação com a repercussão ocasionada pelo abuso na vítima, explícita na associação à palavra trauma. As docentes entenderam que o ASII é uma ocorrência extremamente grave, deixando sequelas profundas e permanentes, o que demandaria o apoio da família e dos educadores, e também de um acompanhamento psicológico de longo prazo. Como ilustração, ver os seguintes trechos:

Esse trauma que vai acompanhar aquela criança pela vida toda. Eu acredito que precisa de um trabalho muito grande, psicológico, não sei o que lá, para isso melhorar (Eulália).

Então, os traumas ficam. [...] Hoje, assim, ela é professora e tal, mas... disse que não se livra disso. De vez em quando ela tem que se cuidar porque se não entra em depressão de novo. O trauma é muito forte, né? Mesmo quando a pessoa cuida, feito esse exemplo que eu dei [...] (Hilda).

O ASII tem potencial de provocar repercussões negativas e duradouras em suas vítimas, nos aspectos físicos, sociais e psíquicos, mas não se pode generalizá-las pois dependerão de vários fatores relativos à criança, à situação abusiva, a outros suportes sociais e afetivos e às possibilidades de acompanhamento, como assinalamos anteriormente.

6.2.4 Hierarquização

Na hierarquização da 1ª fase, as duas palavras consideradas mais importantes pelos sujeitos foram agrupadas, emergindo principalmente sentidos relacionados à:

 afetividade negativada: medo (4); desrespeito (3); covardia (2); horrível (2); monstruoso (2); desamor (2); absurdo (2); amor (2); renúncia; agonia; ignorância; desumano; dor; escandaloso; solidão; arrogância; respeito; insegurança; perplexidade; sofrimento; brutalidade; revolta; difícil; coragem; ato de efeito avassalador; ódio, por ser alguém que deveria cuidar;

 desestrutura familiar: desestrutura familiar (4); pais (2); família; convivência da família; valores familiares, estrutura; sempre acontece com parentes femininos ou masculinos; membros familiares envolvidos; traição; desproteção; falta de Deus; falta de princípios éticos e morais; inversão valores/princípios (agressor); ausência dos responsáveis; padrastos; tios; muita troca de companheiro; quebra da confiança; falta de atenção; abaixo das suspeitas; irresponsabilidade; a pessoa se prevalece do amor do outro; não reconhecem a importância do fato;

 à violência: violência (8); crime (4); agressão (2); criminoso; abuso de poder; perda da infância; poder; crueldade; crime praticado por familiares; violência praticada por parentes;

 a distúrbios mentais: distúrbio mental; confusão mental; doença; doentio; desestrutura emocional, psicológica e comportamental; tratamento psicológico; trauma; traumático;

 impunidade: impunidade; punição para a família (mãe/pai); punição mais severa; assegurar a vítima, distância do agressor; apoio da sociedade; crianças: precisam ser cuidadas;

 educação: educação (3); falta de educação; desinformação; informação/educação, mídia/complemento à educação;

 pobreza: existe nas nossas comunidades; comunidade; camadas populares de baixa renda; amigos/colegas; falta de acompanhamento das políticas sociais.

Na 2ª fase, ao final das entrevistas, procedemos à hieraquização das palavras que tiveram recorrência igual ou superior a quatro evocações no campo semântico (Quadro 5), referente ao termo indutor Abuso sexual infantil intrafamiliar: desestrutura familiar, violência, trauma, desrespeito, desamor, crime e medo. Os professores escolheram as três palavras mais importantes e, entre essas três, a palavra mais importante. Como resultado, 04 docentes elegeram como mais importante desestrutura familiar, 2 optaram por desamor, 01 selecionou desrespeito e 01 escolheu violência, conforme vemos no Quadro 10:

Quadro 10: Hierarquização da 2ª fase da pesquisa: Abuso Sexual Infantil Intrafamiliar Palavras associadas a ASII

com mínimo de 4 recorrências

Palavra por ordem de importância Nº de vezes escolhida dentre as 3 mais importantes Nº de vezes escolhida como a 1ª mais importante

Desestrutura familiar 1º lugar 5 4

Violência 3º lugar 5 1 Trauma 4 Desrespeito 3º lugar 3 1 Desamor 2º lugar 3 2 Crime 2 Medo 2

Compreendemos que o núcleo central das representações sociais do abuso sexual