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Sobre a formação docente a respeito da Sexualidade Infantil e do Abuso Sexual Infantil Intrafamiliar

6 ANÁLISE DOS DADOS

6.3 Sobre a formação docente a respeito da Sexualidade Infantil e do Abuso Sexual Infantil Intrafamiliar

afetos negativados e violência.

Nesta pesquisa, as representações sociais do abuso sexual infantil intrafamiliar pelos professores dos anos iniciais da Educação Básica da rede municipal de Recife foram relacionadas às famílias desestruturadas e pobres às quais atribuem o sentido de serem promíscuas e sem formação moral. Além disso, os sentidos compartilhados expressam também o ASII como desamor e violência.

6.3 Sobre a formação docente a respeito da Sexualidade Infantil e do Abuso Sexual Infantil Intrafamiliar

Para entender como os professores compreendem seu papel na mediação do ASII e como lidam com este fenômeno no cotidiano escolar, buscamos inicialmente saber sobre a

formação inicial e continuada a respeito da sexualidade infantil e da violência intrafamiliar, com foco no abuso sexual infantil. Esses temas demandam uma bagagem teórica interdisciplinar, em que os conceitos e práticas sejam discutidos com profundidade e de forma sistematizada, quer seja pelos tabus, pelo impacto provocado nos profissionais, quer seja pela relevância social.

Nesta pesquisa, identificamos que os sujeitos não têm uma formação consistente sobre essas temáticas. Na formação inicial, apenas duas das oito professoras referiram que a sexualidade infantil foi abordada no magistério ou graduação, enquanto a violência intrafamiliar não foi incluída em nenhum componente da estrutura curricular.

Na formação continuada, quatro professoras que têm de 07 a 22 anos de atividade docente responderam não ter participado de nenhuma formação abordando a sexualidade infantil. As quatro restantes participaram de cursos considerados breves e pontuais, o que sugere não haver uma política de continuidade na área. A maioria dos sujeitos demonstrou um constrangimento significativo ao abordar o tema, como pode ser percebido no seguinte trecho:

Mas pra sentar e conversar porque a gente fica meio... eu me sinto, assim... não acho fácil, porque até sem saber como eles vão ... as palavras que escolher para usar na conversa que eles entendessem e até depois não chegassem em casa revertendo, contando diferente à família. Então, eu acho complicado (Eulália).

A sexualidade infantil é encarada como um problema pela maioria das docentes, sendo pouco discutida com os alunos. Quando é incluída, priorizam-se os aspectos biológicos. Os tabus e preconceitos dos educadores não favorecem que o assunto seja abordado no âmbito escolar. Devido ao distanciamento entre o mundo da escola e o mundo da família, o tema não é contextualizado nos valores de referência dos alunos e os professores temem discutir educação sexual por medo de uma reação negativa dos familiares. Esses aspectos confirmam as conclusões de outros estudos, como o de Castro (2008), Moizés e Bueno (2010) e Zenti (2001).

Os estudos psicanalíticos sobre sexualidade infantil completaram mais de um século e há cerca de 15 anos os PCNs buscaram introduzir esse tema na escola, porém constata-se o vigor do caráter repressivo imposto socialmente resultando que o conteúdo dos PCNs seja visto apenas como um ideal, bem diferente da prática real, como refere Altmann (2006).

Sobre sexualidade infantil, embora os resultados oriundos desta pesquisa não sejam aprofundados nesse momento, apontaremos de forma breve que evidenciaram uma ambiguidade na qual os educadores ora compreenderam-na com fase característica do desenvolvimento infantil, em uma perspectiva naturalizada porque biológica. Ora

compreenderam-na acarretando uma situação de riscos, considerada como uma porta de entrada para perigos, requisitando, portanto, elementos de controle e vigilância. Apesar de considerarem a sexualidade infantil como um percurso natural e esperado, o desejo/prazer foi silenciado e contraposto à inocência. Apenas uma professora legitimou o prazer na sexualidade infantil. Os sentidos apontaram para uma idealização da infância e de uma criança vista como assexuada.

Em relação à violência infantil intrafamiliar, sete das oito professoras responderam não ter tido formação continuada a este respeito e apontaram que, na atualidade, as formações têm como maior preocupação a alfabetização. Além das questões pedagógicas, a indisciplina e a violência no cotidiano escolar são os temas que requerem mais atenção dos educadores. Apenas uma professora comentou sobre a participação em um evento, no qual a violência contra a criança foi discutida em uma mesa redonda. As passagens abaixo ilustram esses aspectos:

A preocupação maior quando a gente tem alguma capacitação é em relação à... à sala de aula mesmo, à parte pedagógica. Agora, esse tipo de temática [sobre o ASII] nunca foi...a gente nunca trabalhou, não (Augusta).

É uma coisa que nas nossas formações a gente, enquanto professor ... parece que não acordou ainda pra isso (Hilda).

[Sobre o interesse dos professores pela temática do ASII] Não, eu não percebo

não... Eu percebo que a gente aborda esse tema quando há alguma situação que é trazida da sala de aula. Aí conversamos entre a gente mesmo, né, mas não vai muito adiante (Belisa).

[O tema ASII] angustia, mas não é muiiiito [ênfase] conversado. Angustia, sempre

fala, sempre se tem um relato, mas não é uma coisa assim... um assunto de... boom, de primeiro top. Não é! Mas se comenta, se fala, mas... menos, né, se fala mais do desrespeito ao professor, se fala mais da violência entre os alunos, a própria violência entre eles, que é muito grande, [...] a forma que os pais tratam os filhos com falta de respeito e os filhos tratam os pais. Essa temática chama mais a atenção, ela aparece mais todo dia (Carmem).

Entendemos que a escola continua centrada quase exclusivamente na parte cognitiva do desenvolvimento humano, com pouca abertura para o multifacetado mundo das crianças, como afirma Resende (1998).

As diretrizes propostas nos planos de enfrentamento ao ASII não foram efetivamente implementadas na rede municipal de ensino de Recife, apesar de terem quase uma década desde sua aprovação (BRASIL, 2008; PERNAMBUCO, 2008; RECIFE, 2006).

Em relação ao Programa “Escola que Protege”, foi feita apenas uma referência por uma diretora, mencionando que ele não consegue atender a quantidade de alunos que necessitaria

ser incluída. Ao analisarmos as atividades desenvolvidas em 20104 por esse Programa, identificamos que sua atuação está voltada principalmente ao atendimento às crianças e aos adolescentes e suas famílias com histórico de violências intrafamiliares. O objetivo de oferecer formação continuada aos educadores sobre este tema parece não vir sendo priorizado.

6.4 Como os professores compreenderam seu papel diante do Abuso Sexual Infantil