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Distinção entre o mínimo essencial e o núcleo essencial de direitos

4 ESTUDO DE CASO: PEDIDO DE ALVARÁ PARA SUPRIMENTO DA

5.3 O MÍNIMO ESSENCIAL

5.3.2 Distinção entre o mínimo essencial e o núcleo essencial de direitos

Cumpre registrar, inicialmente, que o mínimo essencial, conceito construído ao longo deste capítulo, não se confunde com a figura conhecida como núcleo essencial dos direitos fundamentais.

O mínimo essencial, conforme visto no item 5.3.1 desta dissertação, abrange um grupo particular de direitos – as liberdades –, as quais se apresentam como os direitos mais essenciais à pessoa humana, sem os quais o indivíduo é rebaixado à condição de objeto. O mínimo essencial, portanto, diz respeito a direitos elementares, imprescindíveis, primordiais e (por que não dizer?) essenciais. Não se refere, por conseguinte, à parte essencial de todos os direitos fundamentais, mas, tão somente, a determinados direitos, considerados em sua inteireza.

O mínimo essencial não é a parte nuclear de um direito. Trata-se, na verdade, da estipulação de direitos nucleares, indispensáveis à preservação da condição de sujeito de direitos do indivíduo.

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Diferentemente, a ideia de um núcleo essencial dos direitos fundamentais diz respeito ao conteúdo intocável desses mesmos direitos. Refere-se à parte mínima, sem a qual o próprio direito fundamental desnatura-se.

Segundo Virgílio Afonso da Silva, revela-se intuitiva a existência de um conteúdo mínimo essencial dos direitos fundamentais, sem o qual seria de pouca valia a garantia do próprio direito482.

No dizer de Marcos Sampaio, o núcleo essencial dos direitos fundamentais constitui o núcleo intangível desses direitos, ideia que vem sendo aceita como uma espécie de axioma, uma vez que tem sido considerada como evidente a existência do núcleo essencial483. Pode-se dizer, nessa esteira, que há uma espécie de consenso geral quanto à existência de uma parte intocável dos direitos fundamentais, que estaria livre de qualquer interferência.

Ingo Wolfgang Sarlet, a propósito, assevera que os direitos fundamentais apresentam determinados conteúdos invioláveis, seja pelo Estado, seja pelos particulares484, posicionamento ao qual se filia neste trabalho. Aliás, conforme afirmado no item 2.3.3 desta dissertação, adotou-se aqui o entendimento, em dissonância com a

doutrina de Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins485, de que os direitos fundamentais

também são oponíveis direta e indiretamente aos particulares. Nessa perspectiva, reconhecendo-se a integral horizontalidade dos direitos fundamentais, nada mais natural do que reconhecer que o núcleo essencial desses mesmos direitos também são oponíveis aos particulares, inclusive de forma direta.

Diferentemente da Constituição Alemã de 1949486 e da Constituição Portuguesa de

1976487, que estabeleceram expressamente a proteção ao núcleo essencial dos direitos

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SILVA, Virgílio Afonso. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas

constitucionais. RDE. Revista de Direito do Estado. v. 4. 2006. p. 24. Disponível em:

<http://www.teoriaedireitopublico.com.br/pdf/2006-RDE4-Conteudo_essencial.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2016.

483

SAMPAIO, Marcos. O constitucionalismo brasileiro e conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8904>. Acesso em: 21 abr. 2016.

484

SARLET, Teoria geral..., op. cit.,p. 358.

485

DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 110-114.

486

O artigo 19, II, da Lei Fundamental alemã de 1949 estatui que, em nenhum caso, um direito fundamental poderá ser violado em sua essência. Disponível em: <http://www.jurisciencia.com/vademecum/constituicoes-estrangeiras/lei-fundamental-da-republica-

federal-da-alemanha/1357/>. Acesso em: 22 abr. 2016.

487

O artigo 18, III, da Constituição Portuguesa de 1976 estabelece que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Disponível em: <http://www.parlamento.pt/LEGISLACAO/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em:

fundamentais, a Constituição Federal de 1988 não resguardou, de modo explícito, o núcleo essencial desses mesmos direitos.

Não obstante, conforme relembra Marcos Sampaio, as constituições foram concebidas como ferramentas de luta pela realização dos direitos fundamentais, o que conduz à premissa de que tais direitos devem ser preservados, pelo menos, no seu conteúdo essencial488. Gilmar Ferreira Mendes, por sua vez, assevera que a inadmissão de um limite ao poder do legislador de restringir os direitos fundamentais tornaria ineficaz a própria proteção fundamental estabelecida pelo constituinte489. Nesse mesmo sentido é a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, segundo o qual, mesmo quando constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas, o legislador continua vinculado à observância e proteção do núcleo essencial dos direitos restringidos490.

A ideia de preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais funciona, assim, ao lado do princípio da proporcionalidade, como um limitador ao poder do Estado de restringir os direitos fundamentais. Isso quer dizer que, mesmo diante de uma reserva legal, não pode o legislador aviltar, quando da edição de uma lei restritiva, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.

A jurisprudência brasileira, precisamente a do Supremo Tribunal Federal, vem reconhecendo, tanto em ações de natureza cível491, como noutras de natureza criminal492, a necessidade de não esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais.

Pode-se inferir, portanto, que a doutrina e a jurisprudência pátrias vêm consagrando, repetidamente, a inatingibilidade do núcleo essencial dos direitos fundamentais, como o âmbito mais resguardado de cada um desses direitos.

Diante do exposto, faz-se necessário asseverar que o conceito de mínimo essencial, desenvolvido ao longo deste capítulo, não se confunde com a ideia de núcleo essencial dos direitos fundamentais, tendo em vista que o mínimo essencial diz respeito a um grupo

22 abr. 2016.

488

SAMPAIO, op. cit.

489

MENDES, Gilmar Ferreira. Limitações dos Direitos Fundamentais. In: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 215.

490

SARLET, , Teoria geral..., op. cit., p. 358.

491

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4815/DF. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Julgamento: 10 Jun. 2015. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10162709>. Acesso em: 22 abr. 2016.

492

HC 82959/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgamento: 23 Fev. 2006. Órgão julgador: Tribunal

Pleno. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2882959%2ENUME%2E+OU+82

959%2EACMS%2E%29+%28%28MARCO+AUR%C9LIO%29%2ENORL%2E+OU+%28MARCO+AUR %C9LIO%29%2ENORV%2E+OU+%28MARCO+AUR%C9LIO%29%2ENORA%2E+OU+%28MARCO+ AUR%C9LIO%29%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/k9466ef>. Acesso em: 22 abr. 2016.

particular de direitos – os direitos de liberdade –, ao passo que o núcleo essencial diz respeito à parte intangível de quaisquer direitos fundamentais.