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5.2 A história da Província de Goyaz a partir da narrativa dos viajantes

5.2.6 O distrito do Rio das Velhas

O distrito do Rio das Velhas é o último da subdivisão. O nome que recebe é originário do rio que o atravessa. Conta com as principais povoações: Meia Ponte, Santa Luzia, Santa Cruz, São Domingos do Araxá e Desemboque. O primeiro arraial a que sempre chegavam nessa província era o de Santa Luzia, pois habitualmente vinham do arraial de Paracatu, província de Minhas Gerais.

Nas proximidades do Rio de Ponte Alta e de São Bartolomeu, que tornavam o arraial abundante em água. Santa Luzia, assim como Goiás e Minas Gerais, teve seu início por causa do ouro. Segundo as narrativas que se tem sobre o povoamento de Santa Luzia (1746), seus imigrantes eram mineradores da cidade de Paracatu-MG. Por essa razão, o local, em 1757, foi povoado rapidamente, contribuindo para que o arraial se tornasse um dos julgados da comarca do Sul.

As viagens seguiram rumo ao ocidente, pois muito ainda havia a se percorrer, a passagem pelas planícies, as estradas abertas com o pisar das tropas que passavam. Ali já começava a se notar pelo ano de 1819, que a decadência do ouro abatera o lugar, pois “[...] devido à falta de braços, o garimpo foi abandonado e o Arraial de Santo Antônio dos Montes Claros praticamente desapareceu, ficando reduzido apenas à capela e à casa em ruína pouco distante da capela” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 30).

A paisagem sempre era ressequida devido ao forte calor, durante o dia o sol era escaldante e a noite extremamente fria, pela manhã o termômetro ainda marcava “[...] cinco graus e meio Réaumur (aproximadamente 7ºC)” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 31). A caminho de Corumbá, a região não mudava, ainda se avistava grandes capoeiras nas encostas do morro, as terras não mais pareciam cultivadas e o caminho pouco transitado, tanto que o capim- gordura havia tomado conta dele, “[...] o pequeno Arraial de Corumbá tem o formato de um triângulo, achando-se situado na encosta de um morro, tendo a seus pés o rio que lhe dá o nome. Suas ruas são largas, e as casas pequenas e extremamente baixas” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 32).

Entre esse arraial e o de Meia-Ponte, paralelamente, estava o Monte dos Pirineus, região montanhosa e cheia de matas, com árvores sem flores, mas que conservavam as suas folhas, por esse caminho chegava-se ao arraial do Meia Ponte, fundado em 1731, cabeça de julgado. Depois da capital Vila Boa é a maior em comércio e povoação da província de Goiás, “[...] o que a faz considerar como o berço e centro da agricultura e indústria na província” (CASAL, 1976, p. 160).

O arraial do Meia Ponte foi elevado em uma pequena planície, coberta de montanhas e pequenas árvores típicas do cerrado, estendendo-se ao longo das margens do Rio das Almas. Mesmo no período aurífero, os mineradores que ali chegaram não tiveram muito êxito. Logo, os habitantes perceberam que estavam em uma localização privilegiada e começaram a produzir e vender os produtos da terra, uma vez que ali passava muitas tropas, em consequência da junção das estradas que davam acesso à província. Tudo indica que foram eles os primeiros, em toda capitania, a terem êxito ao dedicar ao cultivo da terra.

O próximo arraial após o Meia Ponte é o de Jaraguá, fundado por volta de 1736, quando negros ali chegaram à procura de ouro, o que atraiu muitos a se mudarem para este local. No ano de 1819, tal arraial era um dos únicos em que ainda havia pessoas sobrevivendo da extração do ouro, mas vários habitantes viviam da agricultura, da criação de gados e da plantação de canas com engenhos de açúcar.

Nas distâncias entre um arraial e outro, era comum encontrar uma fazenda ou um lugarejo, que servia para o viajante pernoitar e recolher algum elemento da flora nativa brasileira. O lugarejo de Piracanjuba, a uma légua do Rio de Jurubatuba35, que servia de limite ao do Meia Ponte, pertencendo as terras da outra margem ao arraial de Santa Cruz, era composto por uns casebres distantes um do outro e situados à beira de um riacho, um vale coberto de matas.

Na estrada, em algumas léguas, encontrava-se o pequeno arraial do Bonfim, no qual seus habitantes extraiam ouro, criavam gados e da terra recolhiam os melhores gêneros alimentícios que se dava no território. Nas regiões dos arraiais de Meia Ponte e do Bonfim era recorrente o plantio de cana de açúcar, tornando frequente também a presença dos engenhos (ouvia-se dizer que teria mais de trinta só nessa região) e de escravos. Os senhores de engenho tinham a cultura do plantio de outros gêneros alimentícios, mesmo assim, alguns deles ainda enviavam seus escravos à procura de ouro no Rio Vermelho.

A léguas desses arraiais, situava-se um arraial, que segundo Saint-Hilaire (1975), reza a tradição dos indígenas Bororos, foi criado pelos Jesuítas e habitado primitivamente pelos indígenas do litoral, o arraial de Sant‟Ana, que

É paróquia de todos os índios cristãos, que vivem na vizinhança da estrada de São Paulo nestas paragens. Foi fundado em 1741 para habitação de 500 índios Bororos, vindos de Cuiabá em socorro dos cristãos contra os Caiapós, que devastavam os novos estabelecimentos, e onde viveram até o ano de 1775, em que foram mudados para o Arraial de Lanhoso, ficando em seus lares uma horda de índios Chacriabás, trazidos das margens do Rio Preto, onde habitavam (em terras de Pernambuco), e são hoje seus moradores com alguns de outras nações. Cultivam mandioca, milho e legumes, proporcionadamente à necessidade da povoação (CASAL, 1976, p. 161).

A seis léguas do arraial Sant‟Ana estava a aldeia das Pedras, que também era povoação dos Bororos, mas segundo Casal (1976), essa já estava quase despovoada, sendo que por volta de 1811 havia se mudado para os presídios de Nova Beira. Vale ressaltar que os indígenas dessas regiões eram em sua maioria civilizados e viviam como os demais habitantes da província.

Cerca de 22 léguas distante do arraial do Bonfim estava Caldas Velhas (nome dado onde estão as fontes das águas termais), pois a 3 léguas denominavam Caldas Novas, na localidade não tinha nenhum lugarejo ou arraial, apenas fazendas, entre elas a de Caldas, em que Saint-Hilaire (1975) se hospedou. Devido às águas termais, o local lhe causou muita curiosidade, até mesmo pelo uso medicinal atribuído pelos visitantes, oriundos dos arraiais do Meia Ponte, de Santa Luzia e de Bonfim e inclusive das províncias do Mato Grosso e do Rio de Janeiro. O destaque, além das águas e suas propriedades medicinais (também usada por ele em um banho na fonte Poço de Gameleira) foi a sequidão e a paisagem,

Ora percorremos várias léguas sem vermos outra coisa senão campos pontilhados de árvores enfezadas, ora encontramos capoeiras alternando-se com pastos [...]. Como em outras partes, a seca ali fora prolongada. Não se viam flores, nem pássaros, nem insetos, a não ser a danosa espécie dos mosquitos hematófagos, que nos atacavam aos milhares (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 107).

A paisagem pitoresca do cerrado era notória em toda a parte da província como Saint- Hilaire (1975) já descrevera em outras partes de sua narrativa. Saindo da fazenda Caldas Novas, o próximo destino foi o arraial de Santa Cruz, um dos povoados mais antigos da província e que nos tempos áureos fora habitado por homens possuidores de um grande número de escravos devido às minas de ouro. Entretanto, na época de 1819, passava por um período de decadência em virtude da falta de ouro, no qual grande parte dos escravos havia falecido, situação recorrente, também, em outros arraiais visitados.

Na ocasião da passagem por esse arraial, o naturalista não conseguiu encontrar nem cravo para ferrar os burros, nem gêneros alimentícios, pois o que se produzia era apenas para a subsistência das famílias. Sendo assim, em função das condições oferecidas, Saint-Hilaire prosseguiu a viagem, chegando 6 léguas depois em uma localidade onde atualmente se situa a cidade de Pires do Rio – GO (lugar em que vivo e que foi objeto de minhas primeiras pesquisas, enquanto pesquisador).

Depois de caminhar 2 léguas cheguei ao Sítio do Brejo, composto de duas ou três choupanas miseráveis cujas paredes, feitas segundo o costume com paus cruzados, não tinham nem mesmo sido rebocadas com barro. A pouca distância dali passei por outro sítio, que não melhor do o anterior, e alcancei finalmente o Rio Corumbá, às margens do qual havia um engenho-de-açúcar cujo estado era tão precário quanto os dos dois sítios (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 119).

Nos arraiais e vilas da província de Goiás, por menor que fossem, poderia até faltar trabalho, alimento e conceder vida precária a seus habitantes, mas a presença da igreja

católica era infalível. Onde houvesse gente, por lá estava a presença de um vigário. Fato curioso era que quem pagava os religiosos era a comunidade do lugar, como abaixo relatado:

A aldeia era do mais mísero aspecto, com cerca de uma dúzia de casa e uma pequenina igreja; é tão pobre, que não pode sustentar um padre pois o que ali viera, cerca de um ano antes de nossa chegada, para residir no lugar, foi-se embora, ou porque os habitantes não podiam ou não queriam pagar-lhes mais que metade do salário prometido (GARDNER, 1975, p. 177).

Essa situação era comum em vários outros locais, a comunidade muito pequena e com poucos recursos, mal tinha para a sobrevivência das famílias. Mas, a igreja e o vigário estavam inseridos nos arraiais, sendo que alguns ajudavam o povo, instruindo-os na vida religiosa, ou até mesmo ensinando a cuidar da terra. Já outros, eram tomados pelas coisas devastas, inclusive tinham até filhos com suas escravas.