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O nome é a base para que a identidade surja, é ele quem diferencia as coisas e os seres no mundo, o nome não é apenas um rótulo ou etiqueta colocada sobre o ser ou objeto. Nessa sequência “[...] o nome incorporou em si, no seu conceito, significado ou no pensamento individual, as próprias características daquilo que designa” (DICK, 2004, p. 124). Ser nomeado significa ser identificado como parte da comunidade, como um sujeito igual àqueles que a ela pertence e diferente daqueles que se acham fora desta sociedade. Ter um nome é ser individualizado, é se diferenciar dentre os existentes, seja com relação aos seres e aos objetos, bem como relativo aos espaços geográficos.

Em Guimarães (2005), o ato de dar nome é também um ato de identificar um indivíduo biológico como tal para o Estado e para a sociedade e torná-lo sujeito. De acordo com esse ponto de vista, ganha interesse o funcionamento determinativo da construção do nome próprio da pessoa, no qual segundo Guimarães (2005, p. 52), “[...] há uma relação particular entre a nomeação e o objeto nomeado que se apresenta por uma materialidade histórica e não física”.

Os nomes próprios tratam de identificar as pessoas em particular, personagens culturalmente significativas ou lugares, “[...] o sentido do nome próprio, portanto, pode ser considerado o conjunto de conhecimento relacionado ao portador desse nome, compartilhado pelos membros da coletividade” (DIAS, 2016, p. 48). Eles não aparecem com artigo, modificadores e possuidores, gramaticalmente se diferem do comum. Desse modo,

O interesse de marcar afinal uma diferença entre os nomes próprios e os nomes comuns: como as expressões definidas, os nomes próprios também têm carácter contextual, com a particularidade de terem uma permanência que aquelas não têm, porque se tornam estáveis e se institucionalizam num dado contexto cultural. Tal determina a historicidade dos nomes próprios, a qual acaba por conduzir à cristalização de traços fonéticos e morfológicos do passado e à perda da transparência referencial e semântica que se encontrava na sua génese (ROCHA, 2017, p. 32).

A nomeação é uma função da linguagem e tem um papel importante, pois os significados dos nomes apresentam e organizam a forma de ver a realidade, estando ligados diretamente com a cultura ou a comunidade. Realidade esta referida até mesmo ao contexto ou território que o homem esteja inserido.

Platão (2001), em Crátilo, narra um diálogo entre Hermógenes e Sócrates acerca da justeza dos nomes, debate no qual Sócrates aponta para ambas as possibilidades, isto é, para os socráticos, tanto se pode entender os nomes como vinculados à coisa, ou, podem ser vistos como inteiramente sem elo com as coisas do mundo. Nomear era considerado como pressupor a existência de algo, Platão (2001, p. 48) justifica que por isso: “[...] as coisas devem ser nomeadas como lhes pertence por natureza serem nomeadas e por meio do que devem sê-lo, e não como nós queremos; e assim, faremos e nomearemos melhor, mas de outra maneira não”.

Hermógenes não acredita que os nomes sejam motivados e sim arbitrários, “[...] uma convecção e um acordo de modo que o nome que alguém puser a uma coisa, esse será o nome correcto”, sendo então, a justeza dos nomes se baseia em um acordo ou convenção no qual “[...] cada membro de uma comunidade poderá sempre nomear a seu bel-prazer com inteira propriedade” (PLATÃO, 2001, p. 11). Usar um nome é, para Platão (2001), estabelecer um

compromisso com a verdade, algo que existe na realidade. Entretanto, a inverdade às vezes pode ocorrer, quando ao certo não se conhece o nome ou ele não está demarcado, o que ocorre no exemplo a seguir, quando:

O viajante se engana a respeito do nome de uma cidade ou de um rio, logo encontrará quem desfaça o equívoco; mas se atravessa terras despovoadas e não consegue guardar a memória os nomes que lhe foram dados previamente, é inevitável que persista no erro, acabando por transmiti-lo a outros que por ali passam depois dele (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 85).

O erro assim observado é falta do (re)conhecimento, às vezes, por não saber o nome do local ou até mesmo por não o aceitar. Para Solís (1997), os nomes são o resultado de algo que os provoca, isto é, o sistema denominativo elaborado pelas culturas para nomear as coisas apreendidas por sua atividade cognitiva. Considerando assim, um nome é comum porque serve para se referenciar não somente um objeto em particular, mas um tipo de objeto que parece ser igual a outro, mesmo que ainda não sejam, todavia, a língua os iguala ao colocar um nome que convém a cada tipo de coisa.

Nomes são formas de língua virtuais, muitas vezes de natureza plástica, que se

amoldam às regiões de duas maneiras peculiares: ou designando-as segundo suas especificidades mais salientes, consubstanciadas, linguisticamente, em suas próprias semias; ou adotando uma denominação artificial, no sentido de seu distanciamento em relação ao grupo (DICK, 2007a, p. 142, grifos da autora).

Os nomes variam conforme o momento e o local em que são escolhidos, de acordo a pessoa que os nomeia e em consonância com as normas de uso. Podem indicar gênero, filiação, origem geográfica, religião e etnia. Há também inúmeras crenças de que existe uma relação entre a pessoa, seu nome e o significado deste; inclusive, muitos nomes são únicos (LÓPEZ, 2013). Podemos observar que o homem, ao dar um nome, usa da língua para interferir no ambiente, categorizando-o, devido as suas necessidades imediatas, de reconhecimento, de individualização e de localização no espaço. Dessa maneira, tal situação mostra a interinfluência que há entre a língua e a forma de o homem se relacionar com o ambiente, ou com o próprio espaço geográfico. É observável isso, quando Casal (1976, p. 45) apresenta alguns nomes em seu relato de viagens a província de Goiás,

[...] e porque ali fizeram uns pilões para preparar algum mantimento, lhe deram o nome de Rio dos Pilões. [...] marchou por alguns dias a este rumo até encontrar um rio, ao qual denominaram Rio das Perdições, por se considerarem já de todo fora do rumo de Goiás. Continuando, sem embargo disto, a mesma marcha, encontraram outro maior; e depois deste ainda terceiro, ao qual puseram o nome de Rio das

Areias, em razão de correr por um álveo de areia, naquela paragem; e adiantando mais a jornada contra o poente, acharam ouro que denominaram Rio Rico, por causa do ouro que também nele descobriram.

Segundo Silva (2000), é o nome que diferencia os seres e os objetos do mundo. Identidade e diferença ocorrem simultaneamente como produto de um mesmo processo, o da identificação. Pode-se afirmar que, depois de nomeado, o objeto passa a ser identificado também pelas diferenças que possui em relação àquilo que não é, ou melhor, é diferenciado face aos demais elementos do mundo extralinguístico, conferindo-lhe existência. Tem um nome porque existe, tornou-se conhecido e é reconhecido como elemento cultural importante para a continuidade de uma população como um dos milhares de traços que a caracteriza e, desta forma, “[...] o processo de nomeação é uma forma pela qual a sociedade cria os seus membros à sua imagem” (CABRAL, 2007, p. 85). A nomeação tem relações profundas entre o nomeador e o nomeado.

Os nomes atribuídos aos lugares representam a cosmovisão que a população tem do ambiente que a cerca. Tendo estabelecida nesse ato a atividade biopsicossocial que faz parte do processo de interação do indivíduo com o mundo. No ato do batismo, o homem classifica o lugar, simultaneamente, mediante o contexto de todo o processo que envolve essa ação – além de línguo-cultural e social, também, cognitivo – considerando então que, dar nome a algo ou alguém não se reduz apenas a indicar, mas a classificar, situar, identificar e, sobretudo, uma vez categorizado, inscreve-se também em um sistema cognitivo permeado por essa mesma cultura.