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Um corpus toponomástico contém duas classes de nomes: os primários, termos que funcionam como signos toponomásticos, topônimos; e os secundários, que passaram à toponomástica após serem de natureza apelativa, um termo comum. Acerca desse tema, Mendes (2009) destaca que “O signo linguístico, sob a função toponímica, aproxima-se do real e torna clara a natureza semântica de seu significado” (MENDES, 2009, p. 34). Para Benveniste (1976, p. 17) o signo linguístico “[...] estabeleceu-se sempre em dois planos, significante e significado”, é também “um fato humano, é no homem, o ponto de interação da vida mental e da vida cultural e ao mesmo tempo o instrumento dessa interação.”

No processo de surgimento de um signo toponomástico, derivado de um signo linguístico, ele passa a ser caracterizado como um nome próprio de lugar, mas as suas classificações são sempre tomadas a partir do nível lexical da língua, pois

[...] na criação da grande maioria das designações de lugar, há um item lexical do vocabulário comum da língua alçado à categoria de nome próprio no ato de nominação, os topônimos, em primeira instância, reúnem as características do léxico da língua a que pertencem e são, por consequência, sujeitos às mesmas regras que regem o sistema linguístico desta língua. Dito isto, no estudo desta categoria de nome, o ponto de partida é sempre o nível lexical (ISQUERDO, 2012, p. 115).

Partindo desse estudo do topônimo ao nível lexical da língua, pensemos, Saussure (2008) define o signo linguístico como a junção de uma imagem acústica (significante) a um (ou vários) conceito (significado). Ele não inclui nessa definição a coisa nomeada, o objeto do mundo ou, em outros termos, o referente. De outro modo, os gestos epistemológicos de Saussure (2008), ao definirem a língua como objeto próprio de estudo e também no sentido de imprimirem cientificidade aos estudos linguísticos, excluem o referente, construindo assim um domínio específico para a Linguística, diferente de outras áreas que também se atêm aos estudos da linguagem humana. Para Guiraud (1986, p. 33) “[...] o signo linguístico é uma associação de duas imagens mentais, uma forma acústica significante ou nome, e um conceito significado, ou sentido”.

O topônimo é um signo linguístico, em sua maioria é sempre um substantivo, e para se distinguir do comum ele vem grafado com a primeira letra em maiúsculo. De acordo com Solís (1997), pelo processo de nominalização, os topônimos podem ser oriundos de outras classes de palavras, ex.: Rio Descoberto, des.co.ber.to, adjetivo formado a partir do verbo descobrir.

Os membros de qualquer comunidade nomeiam tudo, mas também aquilo que de alguma maneira, apresenta algum tipo de interesse para eles. O “batismo de lugares” é, pois, profundamente influenciado pela cultura do povo, da sociedade, por meio de eventos ocorridos em tempos passados. E, nesse processo “[...] a nomeação da realidade pode ser considerada como a etapa primeira no percurso científico do espírito humano, uma vez que o léxico de uma língua constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo” (BIDERMAN, 1998, p. 91).

Ao atribuir um nome a alguém ou a alguma coisa, o homem usa de suas funções mentais (cognitivas), que estão intimamente relacionadas com a produção determinada pela cultura. Ademais, o nome também é revestido por elementos linguísticos, históricos,

ideológicos, culturais e sociais, tendo a carga semântica relacionada a fatores contextuais, podendo ser intra- ou extralinguístico.

O homem ao nomear algo, não o faz de forma aleatória, geralmente, utiliza-se do próprio ambiente como elemento motivador do ato. Saint-Hilaire (1974, p. 15-21), ao passar pela província de Goiás, destaca alguns nomes e a semântica motivacional deles: Inhumas “[...] nome este que se dá no Brasil a uma ave cujo nome científico fica agora na escapa”; Vargem “[...] os brasileiros, dão este nome a todas as planícies úmidas que se encontram entre as montanhas, nos lugares de mata virgem”. Essas observações mostram que “[...] o uso competente de um nome identifica assim o objecto que com ele causalmente conectado e veicula um conteúdo que também está determinado por essa relação causal” (GRAÇA, 2002, p. 18). Observamos assim, que

O processo nominalizador de um território é, por força, complexo e heterogêneo se for considerado como um todo, mas extraordinariamente simples se se tornar nome a ser nomeado ao ponto geográfico a que se refere. Na maioria dos casos havia “batismo” expresso no local, por assim dizer; bastaria que o nome comum com o qual começou a ser chamado naquele momento seja generalizado no discurso da comunidade local correspondente (TRAPERO, 1994, p. 53-54, tradução nossa). [23]

Concomitante a isso, é por meio da relação povo-território que os nomes de lugar são estabelecidos. Inicialmente, pela posse do território, uma vez que, segundo Couto (2007), o território é uma das primeiras referências para que um agrupamento de pessoas possa receber o status de comunidade e todo território entendido como tal tem de ter um nome, um topônimo. Com isso, recortam-se os aspectos do meio ambiente mais salientes aos olhos do povo, como uma espécie de acordo que permite a vivência e a convivência em sociedade no território apossado.

Tomar posse de um território é fazer-se proprietário dele e, muitas vezes, o nome pode estabelecer tal ação, mas, nem sempre é o descobridor ou dono da terra/lugar quem nomeia o local, podendo esse nome ser designado por outros que ali passaram e foram motivados por características do próprio local, sendo determinado por fatores extralinguísticos, como reitera Gardner (1975, p. 150) “[...] o lugar chamava Cachoeira, por causa da pequena queda de água

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El proceso nominalizador de un territorio es, por fuerza, complejo y heterogéneo si se considera en su conjunto, pero extraordinariamente simple si se torna nombre a nombre en su relación con el punto topográfico a que se refiere. En la mayoría de los casos había “bautizo” expreso del punto del terreno, por así decirlo; bastaría que el nombre común con que ha se ha empezado a llamar a ese punto se generalice en el habla de la comunidad local correspondiente (TRAPERO, 1994, p. 53-54).

ali perto”, nesse instante o fator motivador foi relacionado a um hidrotopônimo, fazendo referência à água ao nomear o lugar, sendo de entidade geográfica natural.

Em outro exemplo, apresentado por este autor, observamos o seguinte trecho, “[...] ficamos por essa noite na Fazenda das Três Léguas, por ser essa a distância da vila, como o nome indica” (GARDNER, 1975, p. 161), nesse caso o fator motivador é a distância entre a fazenda e a vila mais próxima, um numerotopônimo, sendo de entidade geográfica cultural. Portanto, “[...] o designativo toponímico que é, conceitualmente, um signo de língua, com forma expressiva e um conteúdo unívoco ou biunívoco, passa a incorporar, ele próprio, as características do espaço que nomeia” (DICK, 2007a, p. 144).

Por fim, essas discussões, acerca das histórias do ato de nomear, revelam formas de organização social, bem como mudanças linguísticas, políticas e culturais. É, pois, por meio do nome que as pessoas ou lugares permanecem vivos na memória coletiva de sua linhagem. A partir das ponderações feitas neste capítulo é que no próximo apresentamos a história da província de Goiás, sede dos hidrônimos por nós estudados.

V GOYAZ E SUA HISTÓRIA

As viagens são uma das fontes da história (CHATEAUBRIAND, 1861).

A partir do topônimo Goyaz24, revisitamos a história do estado baseado nas narrativas dos viajantes, sendo nossas principais fontes: o naturalista francês Auguste Saint-Hilaire (1937, 1974, 1975); o médico, botânico inglês George Gardner (1975); o presbítero secular do Gram Priorado do Crato, Pe. Manuel Aires de Casal (1976). A revisão de literatura e discussões expostas neste capítulo são baseadas na escrita de viajantes, que por sua singularidade narram o encontrado em suas viagens pelo estado de Goiás, especialmente, na botânica e zoologia, sendo que nosso interesse reside especificamente nos fatos que contribuem para a efetivação da história de Goiás.

Por meio das narrativas em vertente histórica, temos condições de, posteriormente, proceder com as interpretações da relação entre língua e meio ambiente nos hidrônimos goianos (capítulo VII), uma vez que as relações de nomeação podem estar ligadas a fatores históricos e culturais de dada comunidade. De outra sorte, as influências dos colonizadores e dos desbravadores do estado, e dos povos que nele também habitavam, podem nos revelar as possíveis motivações e etimologia dos hidrônimos.