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As diversas faces das relações entre Carlos Lacerda e JK/Jango: o retorno

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1.4 O RETORNO DO GETULISMO: A VITÓRIA DO POPULISMO

1.4.2 As diversas faces das relações entre Carlos Lacerda e JK/Jango: o retorno

A relação de Lacerda e JK foi de um extremo a outro. Quando ele lançou sua candidatura, Lacerda fez de tudo para que ele não fosse eleito, e se eleito fosse que não assumisse a presidência. Após o Golpe Militar, a necessidade levou-os a formar uma grande parceria em prol de um bem maior: a criação da frente ampla os uniu.

Em outubro de 1954, Juscelino Kubitschek lançou sua candidatura à Presidência da República para a eleição de 1955. JK apresentou um discurso desenvolvimentista e utilizou como slogan de campanha “50 anos em 5”, em uma aliança formada por seis partidos, e seu companheiro de chapa foi João Goulart166. De acordo com Benevides, dificilmente um candidato à Presidência da República enfrentou uma campanha eleitoral em situação tão desfavorável, numa conjuntura de intensa efervescência política após a crise de agosto de 1954167.

165 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista. Getulismo, PTB e cultura política popular, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 252.

166 De acordo com Lacerda (1977), Gouthier, cônsul-geral em Nova York e amigo pessoal de Juscelino, ofereceu a ele a prefeitura do Rio em troca da neutralidade sob a campanha dele. Lacerda ficou surpreso com a tentativa de suborno, mas não exitou em fazer uma campanha ferrenha em cima de Juscelino.

167 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política (1956-1961). 4 ed. Paz e Terra, 1976. p. 23.

Lacerda descrevia JK como “um homem sorridente, um homem afável, um homem que se dava bem com todo mundo”168. Que, se fosse necessário, ele seria capaz de fazer piruetas na frente do público. Na campanha eleitoral, ele conseguiu se candidatar pelo PSD como um líder popular e carismático, colocando como vice-presidência o herdeiro natural de Getúlio, João Goulart. Ofereceu, portanto, ao PSD a vitória eleitoral: unindo PSD e PTB, a mesma manobra feita por Getúlio em 1945. Lacerda acreditava ser o retorno de Getúlio sem Getúlio:

Afinal, JK era sucessor de Vargas, não só porque foi o primeiro presidente eleito após sua morte, como porque deu continuidade, evidentemente com transformações, às diretrizes políticas e econômicas do getulismo, sintetizadas no que se convencionou chamar de nacional-desenvolvimentista. Mas JK não era o herdeiro político de Vargas. Essa posição, demarcada pelo próprio Vargas, era de João Goulart, o então presidente do PTB. Jango também gozava de grande popularidade.169

Dar continuidade à política Varguista era algo inadmissível para Lacerda. De acordo com Cláudio Bojunga, JK estava livre da suspeita de nutrir ambições ditatoriais e inclinações continuístas. Mas, era necessário administrar com habilidade uma aliança, em princípio, contraditória “entre um partido conservador de base rural e outro populista de base urbana. Esse tipo de orquestração era sua especialidade”170. JK traçava um roteiro republicano e democrático; era outra diferença de estilo em relação a Vargas.

Lacerda fazia questão de espalhar boatos, como uma possível relação de JK e Jango com o Partido Comunista Brasileiro, de que havia uma possível promessa ao comunista Pedro Pomar que legalizaria o PCB, o que foi intensificada com a divulgação da “Carta Brandi”171. Na Tribuna da Imprensa as manchetes eram utilizadas como tentativa de expor o quanto era inviável eleger dois políticos que exigiam a legalidade do PCB, e que se eles fossem eleitos, a única solução, segundo Lacerda, era uma intervenção pelas forças ansiosas por preservar o Brasil da putrefação, e se essa medida fosse tomada rapidamente, outras mais drásticas, como a ditadura pura e simples, teriam de ser adotadas. Nos últimos dias de campanha, começou a clamar por uma revolução que “estabeleceria um governo de gabinete”. Este deveria libertar o

168 LACERDA, 1977, p. 151.

169 FERREIRA & CASTRO. 1964 - O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 45.

170 BOJUNGA, Cláudio. JK, o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 431.

171 Carta divulgada em setembro de 1955, endereçada a João Goulart, candidato a vice-presidente da República, e atribuída ao deputado argentino Antônio Jesús Brandi. O documento aludia a supostas articulações de Goulart com o governo argentino, chefiado por Juan Domingo Perón, visando à deflagração no Brasil de um movimento armado de cunho sindicalista. Um inquérito policial-militar, instaurado em outubro do mesmo ano, comprovou tratar-se de um documento apócrifo, forjado por falsários argentinos para ser vendido aos opositores de Goulart.

Brasil de bandidos políticos e usar uma linguagem franca e leal, mesmo que rude, para desintoxicar o povo.172

Lacerda, junto a seus apoiadores, fez de tudo para que JK e Jango não assumisse a Presidência do Brasil. Outros jornais, além do Tribuna da Imprensa, ajudaram com a campanha para impedir a posse de JK e Jango, O diário de notícias e o Estado de S. Paulo. O Correio da manhã, como resposta, denunciou Lacerda, escrevendo “tudo em Lacerda é pequeno, mesquinho, desprezível [...] falso jornalista, falso deputado, falso católico, falso comunista [...]”173. Lacerda introduziu um discurso lógico,o que mais tarde foi encampado pela constituição de 1988: “um candidato não obtém a maioria absoluta dos votos é porque metade mais um dos brasileiros não votou a favor, mas contra ele e seria necessárias novas eleições”. JK tinha conseguido cerca de 30% dos votos.

JK e Jango assumiram seus postos. Anunciavam constantemente que o Brasil havia de progredir cinquenta anos nos cinco anos de seus governos: “JK certamente era mais gastador do que Getúlio”174. Tancredo costuma dizer que Vargas “tinha medo da inflação”, enquanto Juscelino “participava de uma emissão com volúpia”. Ele ainda acreditava que o desenvolvimento deveria ser perseguido a qualquer custo, privilegiava o quantitativo sobre o qualitativo e achava que, no final, tudo valeria a pena175. É dessa coragem que vem o seu plano mais ambicioso: a construção de uma nova capital para o país, Brasília.

JK tinha urgência de recursos para mudar estruturalmente a capacidade produtiva do país, através de planos de execução e datas predefinidas:

Não era fácil impor aceleradamente a industrialização num quadro de subdesenvolvimento como o do Brasil de 1956, marcado pela injustiça social e por graves tensões políticas. JK teria de retirar de sua cartola algo para os diversos segmentos sociais que se digladiavam -, créditos para empresários, favores para recalcitrantes -, além de evitar um conflito direto com seus ferozes inimigos políticos. Teria de ajeita e cooptar, praticar o getulismo sem o autoritarismo e mitigar o populismo com a fidelidade às liberdades públicas e à ordem constitucional.176

Lacerda, mesmo nos EUA, via as coisas de outra maneira. Em sua correspondência para O Estado de S. Paulo, expunha opiniões venenosas sobre o novo governo brasileiro. Em O Globo, sob o pseudônimo Júlio Tavares, não se cansava de atacar JK e criticar a visão que

172 DULLES, 1992, p. 222. 173 Ibid., p. 223.

174 BOJUNGA, Cláudio. JK, o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 438. 175 Ibid.

julgava distorcida da imprensa americana sobre sua atuação. Escrevia absurdos do tipo: “jornais como o The New York Times estão profundamente interessados no êxito da corrupção do Brasil177. Havia sido decretado o fechamento da “frente de novembro”178 e do “Clube da lanterna”. Entretanto, os chamados “comícios em casa”179 mantiveram líderes contrários ao governo. Porém, como consequência da revogação do estado de sítio e da suspensão da censura, o “Clube da lanterna” foi reaberto.

Lacerda voltou para o país com a sua esposa Letícia e a filha Maria Cristina, que ainda não tinha um ano de idade. JK não queria correr o risco de assistir, de braços cruzados, às pregações que já haviam derrubado um presidente antes. Ele, então, tomou providências para impedir que Lacerda falasse nas rádios e na televisão. Não era um ato rigorosamente democrático, mas era uma questão de sobrevivência. O próprio Lacerda recusava-se a aceitar a legitimidade do governo e não se embaraçava com métodos. Como disse o Marechal Cordeiro de Farias em suas memórias, “os que o ouviram algumas vezes sabiam que era muito difícil resistir à força de suas palavras, era um gênio como tribuno, arrastava a audiência”180.

No documento fernandagallinarisathlermussi (páginas 53-56)