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O Triunfo (1968)

No documento fernandagallinarisathlermussi (páginas 112-114)

2.3 TRADUZIR TAMBÉM É UM MEIO DE CHEGAR AO PODER

2.3.3 O Triunfo (1968)

Por último e não menos importante, a obra O Triunfo, de John Kenneth Galbraith, lançada nos EUA em 1968 e traduzida por Lacerda no mesmo ano, momento em que foi decretado o último Ato Instituicional dos Militares, o AI-5. A Frente Ampla também havia sido proibida e os direitos políticos de Lacerda haviam sido suspensos por 10 anos. Nada conspirou a seu favor naquele momento.

Nesse período, Lacerda intensificou suas produções literárias, traduções e as atividades no jornalismo, consideradas por ele “muito mais atrativas que a política”. A obra de Galbraith, apesar de fictícia, constrói um enredo que traz críticas à política externa dos EUA.

A exemplo das outras traduções, O Triunfo também foi traduzido para alertar o povo brasileiro de eminentes problemas que se passavam no governo, principalmente realçar críticas aos seus ex-colegas da “Revolução”, os militares, os mesmos que lhe deram a mão um dia e

376 EUZÉBIO, Eliane. O Poder das ideias - as traduções com objetivos políticos de Carlos Lacerda. 2007. Departamento de Letras Modernas do PPG em estudos linguísticos e literários em inglês. Universidade de São Paulo, 2007, p. 73

que no outro, colocaram-no para escanteio. Lacerda acreditava que a política da “Revolução” havia perdido totalmente o sentido original, que seria salvar a nação de perigos maiores, como o comunismo. E que pior: os militares, estavam indo por um caminho perigoso, talvez sem volta.

Iniciando-se pela capa da 4ª edição da obra, chama a atenção a fala escolhida por Lacerda para estar em destaque “Momento antes de começar a escrever estas palavras, acabei o meu trabalho de tradução e prefácio de um dos livros mais extraordinários do nosso tempo. Chama-se O Triunfo, o autor é ninguém menos que John K. Galbraith o mais discutido e mais inquieto dos colaboradores do Presidente Kennedy”, e embaixo a sua assinatura. Eliani acredita que,

Como se pode notar, o comentário logo na capa não só põem em relevo a figura do tradutor do livro, cuja palavras por si mesmo ja denotam autoridade e prestígio, mas também, é possível dizer, pode servir para ressaltar, por meio das qualidades atribuídas a Galbraith (“o mais discutido e mais inquieto”) certo sentido de identidade, ainda que tênue, entre tradutor e traduzido, de vez que o leitor da época de imediato poderia associar essas mesmas qualidades ao “polêmico” Carlos Lacerda.378

Percebe-se também que na orelha do livro, Lacerda fez várias insinuações que provocam no leitor um desejo de ler o livro o mais rápido possível. Irônico e sagaz, Lacerda, logo no primeiro trecho, levanta algumas questões: “num país latino-americano é derrubado um ditador. Por muitos anos apossou-se da riqueza do país, é um libertino, imoral. Seu sucessor é sincero na intenção de entregar ao povo as terras e as indústrias, quer abolir o analfabetismo e instalar um governo democrático de verdade”, e logo em seguida afirma que O Triunfo foi feito para “abrir os olhos” das pessoas. Mesmo sendo um ensaio americano, incrementam-se semelhanças com a conjuntura política que se passava no país, que vivia dias de censura, tortura e medo, sentimentos que prevaleceram durante toda a Ditadura Militar. Lacerda ainda metaforizava esses dias, fazendo uma comparação dos “aspectos da época atual que ainda não podem ser abordados pelo historiador”, e ele, como proprietário de duas editoras, conseguia fazer suas publicações mesmo que fosse arriscado naquele momento, embora não tenha sofrido nenhuma censura.

Ainda nas orelhas do livro, Lacerda faz um breve relato do que o leitor vai encontrar na obra que “analisa o dilema americano: como podemos manter a paz, sem provocar a guerra?”, e ainda afirma que esse tema é tratado com humor pelo autor, e Galbraith vai trazer sempre uma

378 EUZÉBIO, Eliane. O Poder das ideias - as traduções com objetivos políticos de Carlos Lacerda. 2007. Departamento de Letras Modernas do PPG em estudos linguísticos e literários em inglês. Universidade de São Paulo, 2007, p. 108.

crítica da vida atual do mundo, em particular do continente americano. Finaliza afirmando que “seus heróis são o homens, suas heroínas as mulheres, mas o seu vilão é o privilégio, mais conhecido como a ordem estabelecida”. Lacerda escreve um longo ensaio sobre Galbraith neste romance, de onde se sobressai com o seguinte trecho:

[...] intelectual é algo que em política é preciso se fazer perdoar por ser. Chega- se a ser perdoado mas sob condição de ser esquecido – pois sempre se fica mal visto; em política não há nada mais humilhante do que a inteligência. A não- inteligência ou é tranquila e é segura de si ou é invejosa e ressentida; em ambos os casos quem sai perdendo é o seu contrário. Em política, a inteligência é como a gagueiras no teatro, algo que se precisa superar para fazer carreira. Um intelectual chega a receber votos do povo mas raramente, ou nunca, o reconhecimento dos políticos e a confiança dos militares. Aqueles consideram a inteligência uma afronta, estes, uma insinuação. Em nossos países a inteligência é considerada um enfeite e não um instrumento. Ser inteligente é ser desobrigado de deveres e compromissos, nesses países cujos donos não sabem para que serve a inteligência. Nos Estados Unidos ela chegou a ser considerada uma ameaça. Hoje, digamos, encaram-na como uma mal necessário, como a bomba atômica – embora esta inspire menos temor por serem mais previsíveis os seus efeitos. Ao passo que a inteligência… Pois bem, o professor Galbraith ainda por cima se dá ao requinte de lembrar, a cada frase, a sua suspeita condição de intelectual.379

Portanto, conclui-se, que também como tradutor, Lacerda tem, em maior parte dessas obras, temas políticos, isso porque possuía grandes objetivos: tê-las como um veículo de exposição política e de memórias pessoais. Desenvolveu intensamente essa atividade principalmente pós-golpe militar. Os registros chegam a mais de 30 traduções, que estão reservadas na UNB, e destacam-se, portanto, as três obras mencionadas aqui, por possuírem aspectos políticos que refletem principalmente a tradição democrática liberal, estilo político/econômico que Lacerda desejava aplicar no Brasil.

2.4 A PRAGMÁTICA PUBLICIDADE: A IMPORTÂNCIA DOS JORNAIS E DA EDITORA

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