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FOTO 14. Um grupo de camisas-verdes de Domingos Martins

3 ANOS CONTURBADOS: IMIGRANTES E SEGUNDA GUERRA

3.1 Diversidade cultural e nacionalismo nos anos 30

[...] Entre as medidas de efeito mais mediato, a mais relevante refere-se à obra de nacionalização iniciada nas escolas, em algumas regiões onde o afluxo da colonização estrangeira poderia criar, no curso do

201 CUNHA, Nilo Martins da. O Castigo virá. Jornal A Gazeta, 20-8-1942, apud Revista Capixaba,

Vitória, ano 1, n. 10, dez. 1967.

202 É importante ressaltar que não foi possível pesquisar as notícias do jornal A Tribuna, para

confirmar ou refutar as ideias apresentadas ao longo deste capítulo, já que seu acervo, localizado no APEES e na própria sede do jornal, encontra-se inacessível aos interessados. Do mesmo modo, deve-se lembrar também que o acervo do jornal A Gazeta disponível ao público no APEES não está completo.

95 tempo, centros extranhos às pulsações da vida brasileira, pela persistência de costumes, hábitos, tradições e modos de ser peculiares a outras raças. A língua é um nobre instrumento de afirmação da soberania nacional. A sua difusão, nos grupos de maior densidade que acabo de mencionar, formará gerações de bons brasileiros, na infância e na adolescência, que, até agora, aprendiam pela cartilha dos seus maiores e não conheciam outra história senão a dos seus antepassados do lado oposto do oceano ou de outras latitudes.203

A voz de Vargas não deixava dúvidas aos ouvintes: no Brasil estava sendo travada uma guerra. Não como aquela que era deflagrada na Europa, nesse mesmo ano de 1939, e, embora também suscitasse sentimentos de angústia e medo, o seu inimigo não estava no campo de batalha, mas sentado em bancos escolares ou frequentando o culto na Igreja Luterana. Tratava-se da campanha de nacionalização do ensino.

Não era a primeira vez que os imigrantes eram motivo de reflexões e ações por parte do governo, mesmo com resultados diversos. Sabe-se que, desde a década de 70 do século XIX, a discussão sobre a entrada de mão de obra estrangeira dividia os parlamentares brasileiros. Ainda que houvesse vozes dissonantes, por volta de 1880, os parlamentares já haviam resolvido que os imigrantes ideais seriam os europeus. Segundo Azevedo,

[...] os deputados voltaram-se resolutamente para aquele que as modernas teorias científicas raciais apontavam como o trabalhador, por excelência, disciplinado, responsável, enérgico, inteligente, enfim, racional.204

Por tais atributos, percebe-se que a chegada desses europeus foi acompanhada de boas expectativas. Eles eram vistos como o símbolo da modernidade e da racionalidade, supostamente o oposto dos negros e mestiços.205

Não tardou para que a experiência cotidiana se mostrasse bastante diferente e os conflitos começassem a surgir, especialmente quando se tratava de

203 VARGAS, Getúlio. Entrevista de Getúlio Vargas ao Paris Soir e publicada no Rio, em 19 de julho

de 1939. In: VARGAS, Getúlio. As diretrizes da nova política do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, [194-], p. 304.

204 AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra medo branco: o negro no imaginário das elites

século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terrra, 1987, p.154.

205 Conforme Azevedo (1987), essa opinião não era unânime. Alguns deputados suspeitavam da

idoneidade moral dos imigrantes que seriam encaminhados para o País, ou mesmo acreditavam que esses imigrantes estariam mais próximos das atividades comerciais e industriais, não suportando o trabalho exigido na lavoura.

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imigrantes que vinham trabalhar nas grandes lavouras. Desentendimentos sobre o contrato de trabalho, as condições de moradia e outras desavenças sugeriam que a experiência não seria tão harmoniosa. Contudo, diante da necessidade de mão de obra barata e do fantasma da degenerescência, a imagem positiva do imigrante prevaleceu. Isso não significa que vozes deixassem de alertar sobre ―perigo‖ advindo de culturas tão ―estranhas‖ à brasileira, especialmente, no caso de alemães, japoneses e judeus.

Assim, em relação aos alemães, percebe-se que desde o final do século XIX, discursos sobre os ―enquistamentos étnicos‖, o próprio romance Canaã (1902) ou o conhecido ensaio de Silvio Romero (1906) atestam que a ideia do ―perigo alemão‖ não foi uma criação do governo Vargas. Não obstante tenha carregado nas cores, Vargas não descobriu o ―problema‖ dos vários Brasis e das nacionalidades com hífen, nem foi o primeiro a intervir nas escolas do Sul do País que ainda ensinavam nas línguas de origem dos imigrantes.206

Entretanto, essas questões tornam-se mais urgentes na década de 30. O projeto varguista propunha-se a construir o ―novo brasileiro‖ fundado no mito das três raças, assegurando, dessa forma, as bases unitárias da nacionalidade. Porém, a fusão/caldeamento dessas raças não deveria resultar na imagem do caboclo, nem mesmo que fosse somente para adornar um prédio público.

Consta que, na época da construção do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde, considerado exemplo do ―novo‖ na arquitetura, o escultor Celso Antônio foi encarregado de criar um monumento simbolizando o ―novo homem brasileiro‖, porém Capanema e o escultor não chegaram a um consenso sobre como esse homem deveria ser. Se, por um lado, o artista insistia em construir um ―caboclo‖, o ministro, por sua vez, depositava suas esperanças na ―ciência‖ e defendia que a imagem deveria estar pautada em cálculos antropométricos que lhe renderiam uma feição arianizada. Como solução para o impasse, veio o desmoronamento da escultura.207

Para combinar com o ―novo homem‖, eis que surgia, então, a nova nação homogênea. São fartos os discursos, nesse período, que recorreram à

206 Sobre isso ver: CAMPOS, Cynthia Machado. A política da língua na era Vargas: proibição do

falar alemão e resistências no Sul do Brasil. Campinas: UNICAMP, 2006.

207 LISSOVSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes de. O novo em construção: o edifício-sede do

Ministério da Educação e Saúde e a disputa do espaço arquiteturável nos anos 1930. In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 49-71.

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imagem do corpo, uma imagem, ao mesmo tempo, política e sacralizada para invocar a nação.

A nação, por exemplo, é associada a uma totalidade orgânica, à imagem do corpo uno, indivisível e harmonioso; o Estado também acompanha essa descrição; suas partes funcionam como órgãos de um corpo tecnicamente integrado; o território nacional, por sua vez, é apresentado como um corpo que cresce, expande, amadurece; as classes sociais mais parecem órgãos necessários uns aos outros para que funcionem homogeneamente, sem conflitos; o governante, por sua vez, é descrito como uma cabeça dirigente e, como tal, não se cogita em conflituação entre a cabeça e o resto do corpo, imagem da sociedade.208

Todavia, era claro para o governo que, para alcançar o êxito desejado, era necessário intervir naquela que seria a base do ―edifício social‖: a família. Dessa forma, o governo atuou de modo amplo na saúde e educação das futuras gerações. Conforme Sousa, ―[...] O Estado precisava compor-se de cidadãos selecionados por meio de processos eugênicos, saudáveis física e mentalmente, e para tanto se impunha a tarefa de proteger e assistir a maternidade, a infância e a juventude‖.209 A

concepção do Departamento Nacional da Criança, do Instituto Nacional de Puericultura, as Conferências Nacionais de Saúde, a criação de instituições para abrigar ―menores abandonados‖ e, até mesmo, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, exemplificam o interesse do governo nessa área.

Dentre as ações promovidas pelo Ministério da Educação e Saúde, visando à construção da nacionalidade por meio da educação, podem-se identificar três aspectos básicos. O primeiro estava relacionado com a adequação da educação à causa nacional. Conquanto existissem imprecisões sobre o que seria exatamente isso, vigorou a noção de um conteúdo nacional composto por um discurso ufanista – como o proposto pelo modernismo verde e amarelo – aliado à história nacional povoada por heróis e grandes nomes, além do culto às autoridades. O segundo seria a busca pela padronização desse ensino (currículos únicos). O terceiro visava

208 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1986, p.16-17

209 SOUSA, Cynthia Pereira de. Saúde, educação e trabalho de crianças e jovens: a política social de

Getúlio Vargas. In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 221-249, p. 247.

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à homogeneização desse projeto, cerceando minorias étnicas, linguísticas e culturais por meio da assimilação forçada.210

As políticas direcionadas à família e à escola eram complementadas com a ampla divulgação desses novos ideais. Como se sabe, Vargas conseguiu adentrar as casas brasileiras utilizando uma forte política de propaganda nacional. Essa política começou a ganhar seus primeiros contornos com a criação do Departamento Oficial de Propaganda (1931). No ano de 1934, foi criado o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural e, em 1939, surge o conhecido Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Eram atuações do DIP,

[...] coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa; fazer a censura a teatro, cinema, funções esportivas e recreativas; organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições concertos e conferencias; e dirigir e organizar o programa de radiodifusão oficial do governo.211

O rádio teve um papel preponderante nesse cenário. Além de difundir os novos valores propagados pelo governo, por meio dele era possível incutir o sentimento de participação nesse projeto, reunindo, simbolicamente, todos os brasileiros em torno do objetivo ―maior‖: a construção de uma nação una e homogênea. Ao mito da homogeneidade do homem e da nação, aguardado ansiosamente para um futuro próximo, contrapunha-se a realidade marcadamente heterogênea em boa parte do Brasil, disponível aos olhos de quem quisesse ver.

No Espírito Santo, os imigrantes começaram a chegar ainda no século XIX. O objetivo da política imigrantista para o Espírito Santo era povoar as regiões consideradas ―desertas‖ trazendo, ao mesmo tempo, a elevação das rendas da província.212 Ao lado da produção de café, nas pequenas propriedades dos colonos,

fixadas na região central do Estado, estavam ao sul as grandes fazendas escravagistas que, após a abolição, receberam meeiros, italianos e brasileiros,

210 SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra; FGV, 2000.

211 OLIVEIRA, Lucia Lippi. O intelectual do DIP: Lourival Fontes e o Estado Novo. In: BOMENY,

Helena (Org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p. 37-58, p. 49.

212 É importante salientar que as populações indígenas que habitavam grande parte deste território

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vindos de outros Estados.213 A região norte do Estado continuou ―despovoada‖ até

praticamente 1940, com exceção do litoral e do extremo norte.

Rocha divide a história da imigração estrangeira no Espírito Santo em três períodos.214 O primeiro compreende os anos de 1847 a 1881 e seria caracterizado pelo apoio do Governo Central à política imigrantista que assegurava vários ―favores‖ aos colonos que se tornavam pequenos proprietários. Se, até a década de 60, o número de imigrantes que chegou ao Estado pode ser considerado ―pouco significativo‖, com a imigração italiana, que se inicia na década de 70, tal situação se transformou. A autora pontua que, enquanto São Paulo recebeu, nessa década, cerca de 11.000 imigrantes, no Espírito Santo, esse número chegou a 10.300.

As colônias criadas durante esse primeiro período (de 1847 a 1881) foram Santa Izabel, Rio Novo, Santa Leopoldina e Castelo, perfazendo um total de 13.828 imigrantes. Conforme Rocha, uma especificidade que, desde o início, marcou a vida econômica nessas regiões foi o fato de se aliar a lavoura de subsistência à venda da produção do café para exportação.

O pesquisador alemão Wagemann, em 1915, utilizou as informações da Igreja Luterana e estimou o número de imigrantes alemães que vieram para o Estado em 3.000. Constatada a forte natalidade, calculava, para aquele ano de 1915, entre protestantes e católicos, 16.500 alemães e descendentes.215

Sabe-se que o grupo de maior expressão, no início da colonização europeia no Estado, foi o dos ―alemães‖. Sob esse rótulo, estavam famílias que vieram de Hunsrück, Hesse, Bavária, Prússia, Hannover, Luxemburgo, Holstein, Suíça, Áustria, Baden, Holanda, Pomerânia, dentre outros.216

No segundo período, de 1882 a 1887, observa-se uma mudança na política imigrantista. Os subsídios do Governo Central fornecidos àqueles que

213 VASCONCELLOS, 1995.

214 ROCHA, Gilda. Imigração estrangeira no Espírito Santo (1847-1896). 1984. 163 f. Dissertação

(Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1984.

215 WAGEMANN, Ernest. A colonização alemã no Espírito Santo. Do original alemão Die deutschen

kolonisten im brasilianischen staate Espírito Santo, Verlag von Duncker & Humblot — München und Leipzig, 1915. Tradução de Reginaldo Sant'Ana, publicada em Separata dos n°s 68-70 do Boletim Geográfico, IBGE, correspondentes aos meses de novembro e dezembro de 1948 e janeiro de 1949, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, 1949.

216 SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. [Texto inédito produzido em

1980 para a Enciclopédia Histórica Contemporânea do Espírito Santo, ainda não editada]. Disponível em: <www.estacaocapixaba.com.br/texto/texto.php?id=25&item=10>. Acesso em: 14 nov. 2007.

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queriam se instalar como pequenos proprietários foram retirados, incentivando, em contrapartida, o estabelecimento dos imigrantes nas grandes propriedades, principalmente em São Paulo. Quanto à instalação de imigrantes nas grandes propriedades do sul do Estado, as dificuldades foram acentuadas. O descumprimento dos contratos estimulou revoltas, enquanto outros imigrantes, simplesmente, se recusavam a assinar tais contratos. O resultado quase sempre era o abandono da fazenda. A autora lembra ainda que outro obstáculo para a fixação do imigrante nas fazendas eram as grandes extensões de terras consideradas ―devolutas‖ no Estado, além da existência de várias colônias oficiais. Nesse período, estabeleceram-se apenas 1.375 imigrantes.

Contudo, no terceiro período apresentado, que compreende os anos de 1888 a 1896, a imigração no Estado ganhou novamente expressão. Nessa época, devido à crise de mão de obra, é possível observar o rompimento da relativa ―harmonia‖ existente entre os núcleos coloniais e as grandes fazendas. Os fazendeiros do Sul, utilizando os jornais locais, lançaram discursos contra a fixação de imigrantes nos núcleos coloniais. Como resposta, o governo instalou um núcleo chamado ―Costa Pereira‖, no município de Cachoeiro de Itapemirim, e outro em São Mateus, norte do Estado. Esses núcleos, que receberam também trabalhadores nacionais, tinham o objetivo de suprir a necessidade de trabalhadores nas grandes propriedades. Nesse período, ainda foram fundados os núcleos de Afonso Cláudio, Antonio Prado, Accioly Vasconcellos, Demétrio Ribeiro e Moniz Freire, voltados para a fixação dos imigrantes como pequenos proprietários.

Sem esquecer a ―certa margem de imprecisão‖, a autora afirma que, somando os três períodos, de 1847 a 1896, chega-se ao total de 36.700 imigrantes de várias nacionalidades vindos ao Estado. O relato do cônsul italiano Carlo Nagar, em 1895, marca o fim da imigração italiana para o Estado, encerrando, consequentemente, o período da grande imigração europeia para o Espírito Santo.217 Na década de 30, os imigrantes e descendentes de alemães e italianos já se encontravam espalhados por boa parte do território capixaba.218

217 O relatório do cônsul italiano expôs as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes italianos que se

dirigiam ao Espírito Santo. NAGAR, Carlo. O Estado do Espírito Santo e a imigração italiana (janeiro de 1895). Relato de Carlo Nagar, cônsul italiano em Vitória. Vitória: Arquivo Público Estadual, 1995. Segundo Derenzi, mesmo depois da proibição, os imigrantes italianos continuaram chegando ao Estado, porém em pequeno número. DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974.

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