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FOTO 14. Um grupo de camisas-verdes de Domingos Martins

3 ANOS CONTURBADOS: IMIGRANTES E SEGUNDA GUERRA

3.5 As línguas proibidas e outras restrições

Embora amplamente lembrada durante o período Vargas, a problemática que envolvia a utilização de línguas estrangeiras não nasceu nessa época. Presente há muito tempo no rol das preocupações dos intelectuais brasileiros, a língua nacional foi adquirindo, paulatinamente, uma maior importância, tornando-se, durante os fins dos anos 30 e início da década seguinte, uma questão estratégica para o Estado.338

O uso das línguas estrangeiras fazia parte de uma preocupação maior que estava relacionada com a suposta não integração das populações alemãs e italianas e seus descendentes à Nação brasileira.339 Não havia passado despercebida às autoridades a importância atribuída à língua pelos imigrantes e descendentes. Sobre a população ―teuto-brasileira‖ luterana, Seyferth afirma que ―O primeiro e mais importante fator de ligação entre os valores étnicos e religiosos na comunidade evangélica é [...] a língua alemã‖.340

A proibição do uso das línguas dos países do Eixo e a experiência da prisão foram as violências físicas e simbólicas que mais impactaram a vida das comunidades com grande número de descendentes de imigrantes.

Roberto A. Kautsky escreveu uma biografia de seu pai, Roberto C. Kautsky, em que qualifica a prisão de seu pai como o ―maior vexame‖ da vida dele.341 Enquanto seu pai foi levado preso para Vitória, seu avô, Antônio R. Kautsky

também era preso em Campinho, Domingos Martins, por falar alemão:

337 Ofício nº 339, de 20-8-1942, recebido pela Secretaria do Interior e Justiça da Penitenciária de

Pedra d‘ Água. Fundo Interior e Justiça. APEES.

338 CAMPOS, 2006.

339 Sobre isso ver: GERTZ, 1991; FALCÃO, 2000; CAMPOS, 2006; PAYER, 2006. 340 SEYFERTH, 1981, p. 144.

341 Roberto Anselmo Kautsky é filho de um austríaco e nasceu, no ano de 1924, em Domingos

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Em 17-8-1942 às 17:00, Roberto Carlos Kautsky sofreu o maior vexame de sua vida. Apesar de ser austríaco e a Áustria ter sido o 1° país a ser invadido pela Alemanha, foi preso juntamente com outros alemães de Vitória, tais como: Henrique Meyerfreund, Frankenfeld, Dr. Schroder, Dietze, Walter e outros, cujos nomes não me lembro mais, por ocasião do ‗quebra-quebra‘ em Vitória – embora sempre respeitando as leis brasileiras – pelo então chefe de polícia Jurandir Ribeiro [...]. Foi solto depois de vários dias dado a interferência de amigos como: José Hygino de Oliveira (Tanéco), Armando Walsh [...] de onde saiu irreconhecível, acabrunhado e envelhecido, sofrendo depois ainda perseguições e humilhações. Enquanto isso, seu pai Antônio Ricardo Kautsky era preso em Campinho, em face da polícia tê-lo encontrado falando alemão com o pastor Carl Bielefeld, que também foi detido. Segundo me disse o Sr. Octaviano Santos (pai do ex-governador do Espírito Santo Dr. Arthur Carlos Gerhardt Santos) papai havia sido denunciado pelo próprio irmão de criação dele, de nome Cleto Neves.342

Entretanto, a proibição de falar as línguas das ―nações inimigas‖ não era, propriamente, a lei. Segundo Campos, a lei proibia que essas línguas fossem usadas em lugares públicos e por veículos de comunicação.343 Porém, as autoridades locais acabaram perseguindo aqueles que, simplesmente, faziam uso da língua no dia a dia.

Fáveri assinala que, mesmo não encontrando lei federal que desse suporte às proibições do uso da língua, a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, em edital, incluía, dentre outras proibições, aquela que impedia o uso dos idiomas das nações do Eixo, inclusive hinos, cantos e saudações.344 Situação também encontrada no Rio Grande do Sul.345

O Decreto-Lei n° 9.255, de 13 de abril de 1938, expedido pelo interventor João Punaro Bley, também pontuava o uso exclusivo da língua vernácula em todas as escolas, além de livros, estatutos, regulamentos, placas, cartazes,

administrada pelos filhos. Professor e autodidata, tornou-se um naturalista reconhecido, nacional e internacionalmente, pelo seu trabalho com orquídeas. Já descobriu 86 espécies de plantas nas matas do Espírito Santo. Um instituto, que leva o nome de seu pai, Roberto Carlos Kautsky, foi fundado em 23 de agosto de 2003 e objetiva desenvolver ações de recuperação e preservação do meio ambiente. Sobre o instituto, ver www.institutokautsky.org.br (KAUTSKY, Roberto Anselmo, 81 anos. 2006. Entrevista concedida à autora, Domingos Martins, 10 mar. 2006. Nessa ocasião o entrevistado cedeu a biografia de seu pai escrita por ele).

342 KAUTSKY, Roberto Anselmo. Biografia de Roberto Carlos Kautsky (14-12-1895/13-6-1953).

Texto inédito cedido pelo autor.

343 CAMPOS, 2006. 344 FAVERI, 2004.

345 DALMOLIN, Kátia. Mordaça Verde e amarela: imigrantes e descendentes no Estado Novo em

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avisos, etc. Porém, o documento se limitou à vida escolar, não mencionando regras ou proibições para o uso de línguas estrangeiras no trabalho, lazer ou família.

Nos relatos colhidos por Faveri, o ―medo‖ ganhou relevância, somado às dificuldades encontradas no dia a dia e aos profundos rancores deixados por essa experiência. ―Em casa, as pessoas falavam baixo, sussurravam, e mantinham sempre alguém da família, geralmente uma criança, à espreita de algum desconhecido.‖346

Para Moser, a proibição do uso da língua italiana interferiu na vida social, comercial e cultural das comunidades do Vale do Itajaí (SC) e a técnica do amedrontamento, utilizada pela polícia, resultou na imobilização e mortificação do ―Eu‖.347

Embora o uso da língua alemã já sofresse restrição desde a campanha de nacionalização, tal situação se agravou em 1942. A proibição de falar e escrever em língua alemã atingiu fortemente a Igreja Luterana, principalmente porque muitos pastores luteranos eram alemães e não sabiam a língua portuguesa.

Dessa forma, vários pastores luteranos deixaram de fazer suas anotações nos livros da Igreja e, com a proibição de fazer prédicas em alemão, alguns fiéis ficaram responsáveis pelo culto enquanto aguardavam a chegada de um novo pastor brasileiro.348 Há muito tempo os pastores luteranos eram vistos como os

principais responsáveis pelo cultivo da germanidade nas regiões de colonização alemã no Espírito Santo.349

Segundo o pastor Heid, ―Alguns dos pastores foram provavelmente admoestados, porém seriamente maltratado ninguém foi‖.350 Isso não quer dizer que

a violência simplesmente não existiu. Frida Harckbart lembra que ―Prenderam o pastor Ernesto Balbach e queriam que ele gritasse para todos ouvirem: ‗Viva o Brasil‘, além de ter sido obrigado a cantar o Hino Nacional. O pastor não quis gritar, bateu com a lamparina no rosto de um dos oficiais do governo e foi preso, mas depois liberado‖.351

346 FAVERI, 2004, p. 115. 347 MOSER, 2007.

348 RETZ, Sidney. Memória, vivência e testemunho. Santa Maria de Jetibá: Graficol, 2005.

349 Essa era a opinião dos pesquisadores alemães Wagemann, Giemsa e Nauck, compartilhada

também pelo secretário de Educação e Saúde Duarte Rabelo.

350 Depoimento do pastor Heid. RETZ, 2005, p. 98.

351 HARCKBART, Ednéa. Famillientreffen: encontro de famílias. Vitória: Gráfica Espírito Santo, 2004.

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Dessa forma, a violência não se resumiu aos três dias do quebra- quebra, nem ficou restrita à cidade de Vitória. Na região de Serra Pelada, município de Afonso Cláudio, onde vivia grande número de descendentes de pomeranos, a violência também foi registrada.352

Segundo depoimento de um funcionário da DOPS daquela época, foram apreendidos, naquela localidade, com os pastores luteranos, bandeiras nazistas, além de livros e revistas publicados em língua alemã. Os religiosos foram presos e aqueles que tiveram a sua ligação com o nazismo confirmada foram deportados.353

As lembranças de Serra Pelada nos falam de famílias escondidas nas matas, residências metralhadas, bombas jogadas nos telhados das casas, xingamentos, humilhações públicas e do medo de ir à escola por não saber falar em português, sequer, um corriqueiro: bom-dia! A perseguição também não poupou as folhinhas com dizeres religiosos em alemão que adornavam as casas dos colonos, os livros do consulado italiano, as Bíblias, nem mesmo os túmulos.

Em outro município, Vila Pavão, igualmente conhecido pela presença dos descendentes de pomeranos, a violência surgiu logo após o término da Segunda Guerra. No documentário Bate-Paus, os entrevistados lembraram-se dos saques de objetos, de animais e alimentos, dos pertences enterrados nas matas e das humilhações sofridas.354 Algumas situações vexatórias atingiram, sobretudo, as

mulheres. Conta-se que, numa ocasião, os bate-paus mandaram as mulheres se lambuzar com melado, em seguida jogaram as penas que forravam os travesseiros e cobertores e as obrigaram a dançar, algumas, nuas.

No TSN, referentes ao Espírito Santo, não foram encontrados processos motivados pelo uso da ―língua‖, porém isso está distante de significar que as populações deixaram de falar pomerano, alemão ou italiano. As línguas continuaram a ser usadas, às vezes com maior cautela, outras vezes, com muito medo.

Ao lado da repressão, convivia a resistência que tomou inúmeras formas. Para exemplificar, diz-se que certo pastor luterano teria pedido ordem para

352 INCÊNDIO nas mentes, 1990. 353 INCÊNDIO nas mentes, 1990. 354 BATE-PAUS, 2005.

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usar a língua holandesa. Após obter a referida licença, o pastor continuou falando em alemão, já que não se sabia diferenciar tais línguas.355

Além das prisões e da proibição do uso das línguas dos países do Eixo, outras restrições foram impostas. Uma delas foi a obrigatoriedade de deixar o litoral brasileiro.

Tal medida significou um problema sério para muitos deles, pois, de uma hora para outra, deveriam deixar seus empregos, afazeres, compromissos, em alguns casos, deixar a família, para cumprir a lei. Fáveri salienta que várias cidades no interior do Estado de Santa Catarina foram usadas pelo governo para receber os estrangeiros deportados do litoral.356 Lá os exilados ficavam hospedados em pensões às suas próprias custas. No caso paulista, Cytrynowicz afirma que a deportação para o interior dos súditos do Eixo foi a maior operação da polícia contra os imigrantes da comunidade japonesa.357 No Espírito Santo, não foram encontrados indícios de uma ―operação policial‖ para tal fim e, por certo, nem todos os estrangeiros deixaram Vitória.

Meu pai ficou. Meu pai não foi para o interior, porque tinha a fábrica que era do interesse do município e do Estado. Afinal, lá já tinha uns 400 empregos, se tivessem quebrado a fábrica eram 400 pessoas que iam ficar sem emprego. Muitos alemães, a grande maioria, foi transferida para o interior ou para outra cidade, por exemplo, meu sogro foi para Santa Maria de Jequitibá, minha sogra, que era alemã também. Meu sogro ficou três anos lá, acabou a guerra, ele voltou. Era obrigado sair do litoral. Mas, gozado, eu tive um tio que foi para o Rio, foi para o Leblon, bem pertinho do litoral, duas quadras.358

Não há registro na documentação do governo assinalando o descumprimento da ordem nem, tampouco, sobre ações para fazer cumprir a lei. Encontrou-se apenas um requerimento, de cunho estritamente pessoal, apelando para a justiça e a humanidade das autoridades.

Assim, em 15 de outubro de 1942, João B. Scampini, brasileiro, reservista do Exército, solicitou que seus pais, com 72 e 79 anos, italianos,

355 PORT, 2004, p. 53. 356 FAVERI, 2004.

357 Conforme Cytrynowicz (2000), no livro de memórias de Handa, ficou registrado que a ordem de

evacuação saiu no dia 8, às 13 horas e, às 20 horas, os japoneses deveriam pegar o trem. Segundo o autor, a etnia mais duramente reprimida nesse contexto foi a japonesa.

358 MEYERFREUND, Hélmut, 70 anos. As consequências da Segunda Guerra Mundial no Espírito Santo. 2006. Entrevista concedida à autora, Vitória, 14 abr. 2006.

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continuassem vivendo com o requerente. Alegou que seus pais eram alheios a qualquer situação política, nunca tendo feito parte de nenhuma sociedade ou agremiação fascista ou italiana e que raramente se afastavam da casa onde residiam com o requerente. Somado a isso, João informou que sua mãe estava gravemente doente e não possuía outros parentes que pudessem ajudá-los. O suplicante garantiu ainda que seus pais jamais poderiam ser considerados nocivos ao Brasil, “[...] país que adotaram há mais de 50 anos como sua verdadeira e querida Pátria”. Por fim, solicitou a suspensão da medida e se comprometia em mantê-los sempre no interior da sua residência, confiando no espírito de justiça e humanidade, sempre demonstrado nos atos daquela autoridade.359

Diferente da comunidade japonesa de Santos, analisada por Cytrynowicz, que foi duramente atingida por tais medidas, no Estado do Espírito Santo, o impacto não foi tão grande, principalmente porque a maior parte dos estrangeiros já residia no interior do Estado.360

A vigilância sobre o ir e vir dos estrangeiros estava cerceada pela obrigatoriedade do salvo-conduto, uma autorização que tinha de ser renovada a cada viagem e pela apreensão das carteiras de motorista. Também ficava proibido aos ―Súditos do Eixo‖ vender ou comprar qualquer tipo de veículo, de tração animal ou motor, sem a devida autorização policial.361

Se esses estrangeiros não podiam dirigir, comprar ou vender veículos, a população também teve o seu ir e vir bastante limitado. Com o racionamento de gasolina, os carros particulares ficaram proibidos de circular. Para driblar a dificuldade, surgiram os veículos movidos a gasogênio e, para burlar a lei, alguns transformaram seus carros de passeio em carros de carga, já que estes tinham

359 Carta recebida em 15-10-1942 pela Secretaria do Interior e Justiça da Secretaria do Governo.

Pasta 45. Em 15-10-1942.

360 O impacto maior foi sentido em Vitória, já que o censo de 1940 registra 1.060 estrangeiros vivendo

na Capital, num total de 7.446 estrangeiros em todo o Estado. Deve-se lembrar, contudo, que esse número englobava também imigrantes de outras nacionalidades, como os libaneses que chegaram ao Estado entre 1910 e 1940. Brasil. Recenseamento Geral do Brasil (1° de set. de 1940). Série Regional, parte XIV, Espírito Santo. Rio de Janeiro: IBGE, 1951. Sobre os imigrantes libaneses ver: CAMPOS, Mintaha Alcuri. Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo (1910-1940) Vitória: Instituto Jones dos Santos Neves, 1987.

361 Ofício recebido pela Secretaria do Interior e Justiça da Chefatura de Polícia. Ano 1942. Pasta 39,

segundo trimestre. Em 16-3-1942, comunica a apreensão das carteiras de chauffeurs, nomeando oito alemães e dois italianos, mas dizendo ser extensivo a todos daquela nacionalidade residentes no Espírito Santo. O ofício de 28-4-1942, recebido pela Secretaria do Interior e Justiça da Chefatura de Polícia, comunica a necessidade de autorização para comprar ou vender qualquer veículo. Ano 1942. Pasta 39. Segundo trimestre.

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autorização para trafegar.362 Mas, a ―auto-caminhonete‖, pertencente à Marinha de

Guerra dos Estados Unidos da América, que se encontrava em missão especial no Estado, tinha licença especial para transitar ininterruptamente.363

A guerra ocupava várias páginas dos jornais e revistas locais e tornou- se assunto comum nos bares e praças da cidade. Além do racionamento de gasolina, havia a ―pirâmide de metal‖ em plena praça 8 de Setembro. Não apenas as instituições públicas deveriam doar material metálico para a indústria bélica, mas também os particulares deveriam contribuir ―patrioticamente‖ com a sua cota, aumentando a pirâmide de metal.364

O blackout, parte da Defesa Passiva antiaérea, deixou locais, como Marataízes, Barra do Itapemirim e Santa Cruz, sem iluminação.365 O IBGE proibiu a divulgação de quaisquer dados estatísticos, a fim de que não fossem utilizados pelas nações inimigas,366 e o tabelamento de gêneros de primeira necessidade lembrava a população que se atravessava um momento de guerra.

Cytrynowicz assinala que a escassez de alimentos, especialmente do pão, criou a sensação de guerra na cidade de São Paulo, mesmo que não tenha sido a situação de guerra que tenha provocado a ―relativa‖ falta de pão.367

No Espírito Santo, a escassez parece não ter sido muito dura e o tabelamento de preços em Vitória não alcançou o resultado esperado. A Comissão de Abastecimento e Tabelamento de Preços dos Gêneros de Primeira Necessidade, criada em dezembro de 1939, informava que os esforços tinham sido ―quase nulos‖ e infrutíferos. Respondia aos seus críticos que a instabilidade da cotação das mercadorias ocorria também em outras partes do País e em Vitória – uma fonte meramente consumidora – estava sujeita às constantes oscilações. O tabelamento era uma medida para evitar, tanto quanto possível, prováveis explorações locais,

362 Oficio recebido em 24-7-1942 pela Secretaria do Interior e Justiça da DOPS. APEES.

363 Boletim de Serviço da Inspetoria de Veículos de 14-10-1942, recebido pela Secretaria do Interior e

Justiça da Chefatura de Polícia. Pasta 39, 4º trimestre. Fundo Interior e Justiça. APEES.

364 Ofício de 18-4-1942 recebido pela Secretaria do Interior e Justiça das Autoridades Federais.

Fundo Interior e Justiça. Ano 1942. APEES.

365 Ofício nº 147, de 3-9-1942, expedido pela Prefeitura Municipal de Itapemirim para a Cia. Central

Brasileira de Força Elétrica, e Ofício nº 141, de 3-9-1942, da Prefeitura Municipal de Santa Cruz ao Secretário do Interior e Justiça. Ofícios recebidos pela Secretaria do Interior e Justiça das autoridades federais. Fundo Interior e Justiça. Ano 1942. APEES.

366 Resolução nº 139, de 25-8-1942, recebida pela Secretaria do Interior e Justiça da Secretaria do

Governo. Pasta 45. Ano 1942. APEES.

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sendo diárias as reclamações recebidas.368 Pacheco salienta que tal comissão teve

uma poderosa influência, mas foi vencida pelo câmbio negro.369

A população, de forma geral, foi atingida, principalmente, pela falta da gasolina, trigo, açúcar e sal. No interior do Estado, sentia-se também a falta dos produtos que os colonos não produziam (sal, querosene e trigo). Até 1942, nessas regiões, a falta desses produtos era, praticamente, o único indicativo de que se vivia uma situação de guerra. Depois dessa data, as entrevistas feitas com moradores da região assinalam que a repressão também chegou às regiões do interior do Estado.

Numa crônica, o então menino Luis de Almeida relembrou aqueles dias em que os boatos anunciavam a presença de submarinos e espiões ameaçando os tesouros capixabas.

No porto da cidade, os holofotes das fragatas chifravam a noite nos treinos dos blecautes, afinal o Péla-Macaco era um cais estratégico, cobiçado pelo inimigo, dizia-se. Em Guarapari, as areias monazíticas ofereciam-se desguarnecidas como chamariz vulnerável, dizia-se. Submarinos boches, mui interesseiramente, periscopiavam essas preciosidades do nosso litoral recebendo mensagens quinta-colunas piscadas pelas lâmpadas das madrugadas, dizia-se, pois, em tempo de guerra, boatos como terra.370

Além de enfocar as violências físicas e simbólicas vivenciadas pelos imigrantes e descendentes, especialmente, alemães/pomeranos e italianos, durante o período da Segunda Guerra, o objetivo principal deste capítulo foi buscar compreender a pouca difusão do discurso do ―perigo alemão‖ no Estado e, por outro lado, entender alguns discursos que apontavam para a imagem de um ―alemão ignorante‖.371

A análise em torno dessa questão levou em consideração, além de aspectos culturais, aqueles diretamente relacionados com a sociedade na qual

368 Ofício de 9-10-1942, recebido pela Secretaria do Interior e Justiça da Prefeitura Municipal de

Vitória. Exposição da Comissão de Abastecimento e Tabelamento de preços dos gêneros de primeira necessidade de 27-9-1942. Pasta 46. Fundo Interior e Justiça. APEES.

369 PACHECO, 1998.

370 ALMEIDA, Luis de. Revista Você, n.11, maio de 1993, p. 29.

371 É importante salientar que, da mesma forma como em outros Estados brasileiros, no Espírito

Santo, os imigrantes também foram vistos como sinônimos de trabalho e progresso. Não se tem informações se essa representação perdurou de forma linear ao longo do tempo. Percebe-se tal discurso no século XIX, bem como na década de 70 do século XX. Também não há como dizer se os imigrantes foram vistos como um grupo único, ou se essas representações diferenciaram, por exemplo, os alemães/pomeranos dos italianos.

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estavam inseridos: o baixo nível de cultivo do germanismo, ao menos, publicamente; o fato de não serem economicamente representativos (ainda ligados ao mundo rural); e a falta de uma liderança política ―étnica‖ pode explicar, por um lado, a pouca difusão do discurso do ―perigo alemão‖ e, por outro, a existência do discurso sobre o ―alemão ignorante‖. Sendo assim, esse contexto trouxe pistas sobre as diferenças encontradas na repressão do Estado direcionadas ao Espírito Santo em comparação com o Sul do Brasil. Como os discursos e ações foram direcionados de forma mais enfática aos alemães/pomeranos, esse grupo acabou tendo privilégio na análise realizada.

É importante salientar que a existência do discurso sobre o ―alemão ignorante‖ não evitou que, naquele ano de 1942, em que os sentimentos nacionalistas estavam mais aflorados, humilhações, depredações e prisões, além de outros tipos de violência, tivessem acontecido.

Por meio da aproximação da escala de observação, possibilitada pelos processos criminais, que serão explorados ao longo do próximo capítulo, é possível perceber as nuanças desses conflitos que enlaçaram as questões colocadas pela