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FOTO 14. Um grupo de camisas-verdes de Domingos Martins

2 ANOS CONTURBADOS: AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA (AIB)

2.2 Quando o integralismo chega ao Espírito Santo

Em 28 de fevereiro de 1934, no Teatro Carlos Gomes, em Vitória, a AIB iniciou as atividades do Primeiro Congresso Integralista Brasileiro. Foi nessa ocasião que a AIB definiu sua estrutura organizacional e Plínio Salgado foi eleito ―chefe supremo e perpétuo‖.58 O evento que se prolongou nos dias seguintes

ganhou as páginas da revista quinzenal Vida Capichaba. A edição de março informou que 21 Estados enviaram seus representantes para o acontecimento que contou também com ―[...] seleta contribuição feminina‖, recebendo os ―[...] aplausos da elite social vitoriense‖.59 Ilustravam as páginas as fotos de Plínio Salgado e de

Arnaldo Magalhães, chefe da Ação Integralista no Estado. Além das lideranças citadas, compareceram ao evento, vindos do Rio de Janeiro, outros ―[...] ilustres e festejados camisas verdes‖, inclusive o médico e também escritor capixaba Madeira

55 GRILLO, José M. Anauê! A apaixonante saga integralista numa colônia de imigrantes italianos.

Cachoeiro de Itapemirim: [s.n.], 2001.

56 O livro será analisado no Capítulo 5. 57 ACHIAMÉ, 2005.

58 MAIO, Marcos Chor; CYTRYNOWYCZ, Roney. Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista

no Brasil (1932-1938). In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano: o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 42. 59 Revista Vida Capichaba n° 360, de 15-3-1934.

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de Freitas, conhecido por Mendes Fradique,60 que pode ter sido o responsável pela

escolha da Capital do Espírito Santo para sediar o evento.61

A edição de maio da revista voltou a comentar o sucesso do Congresso da AIB, divulgando também as principais ideias do movimento integralista – ―Deus, Pátria e Família‖ – e o seu principal inimigo, o ―comunismo vermelho‖. Nas palavras do advogado e integralista Jair Etienne Dessaune,

Verde é o produto da terra que o homem lavra e ainda verdes são todos os sonhos dos que tem uma crença, dos que tem uma Patria, dos que tem uma família, um canto sagrado que se chama lar, para sintetizar o afeto e as manifestações mais puras e cristalinas da renuncia em benefício de outrem. Unamo-nos todos, em torno desta camisa verde, cheia de fé e de esperança, que resume todos os nossos anseios ainda não postergados pelo interesse vil, porque se ela não tivesse nenhum mérito, teria como tem, pelo menos, a grande qualidade de ser a barreira que se levanta, o dique que cresce, o exército que se forma, a armada que se prepara, a avalanche que precisa crescer e se tornar intransponível, para se sobrepor a essa onda rubra de sangue e de guerra, de destruição do direito, do lar, da honra, da dignidade, da familia, e da Patria, que é o comunismo vermelho que progride com a covardia dos governos desamparados da opinião pública.62

A matéria, que ocupou toda uma página, voltou a estampar algumas fotografias. Uma delas mostrava a liderança integralista em Domingos Martins: Arthur Schneider, Octaviano Santos e Theodoro Schmambach. A outra fotografia retratava o primeiro casamento camisa-verde espírito-santense, realizado em Campinho, Domingos Martins.63

60 Nascido em 1893, no município de Alfredo Chaves (ES), José Madeira de Freitas era filho do juiz

João Madeira de Freitas e de Maria Elisa Madeira de Freitas. Em 1910, foi para o Rio de Janeiro, formando-se em Medicina sete anos mais tarde. Foi colaborador de várias revistas humorísticas, escrevendo sob o pseudônimo de Mendes Fradique, tornando-se conhecido pelas obras humorísticas baseadas no chamado ―método confuso‖. Deixou a literatura humorística para dedicar-se à Medicina, envolvendo-se também com a esfera política, por meio do apoio ao manifesto político da Legião Revolucionária de São Paulo, escrito por Plínio Salgado.Também foi membro do Centro Dom Vital. Aderiu à Ação Integralista Brasileira da qual se tornou um membro de destaque, ocupando o cargo de chefe do Departamento Nacional de Propaganda, além de redator-chefe da revista A Ofensiva e colaborador de outros periódicos integralistas. Faleceu em 25 de fevereiro de 1944, no Rio de Janeiro (JOSÉ Maria de Freitas. BELOCH, Israel; ABREU, Alzira (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, Fundação Getúlio Vargas, 2002).

61 ACHIAMÉ, 2005.

62 Revista Vida Capichaba, n° 364, de 15-5-1934.

63 Conforme Trindade (1979), no casamento religioso, admitia-se que a noiva usasse o tradicional

vestido branco com o emblema integralista do ―lado do coração‖. O noivo, por sua vez, deveria usar o uniforme integralista.

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O noivo, devidamente uniformizado, era Theodoro Schwambach. Na foto, as autoridades do movimento no Estado, como Arnaldo Magalhães, chefe integralista provincial, estão sentadas ao lado dos noivos e ao fundo vários homens uniformizados fazem o gesto da saudação romana.64

O primeiro núcleo integralista no Estado havia sido criado ainda em 1933.65 No ano seguinte foram preenchidos os cargos previstos no Estatuto da Ação Integralista Brasileira aprovado durante o evento. Já no mês de novembro, encontra- se referência à exoneração e à nomeação de integralistas para os cargos do Departamento de Organização Política, Finanças, Milícia, Propaganda e Justiça e das Secretarias de Estudos e de Cultura Artística.66 Além desses departamentos, havia outras ―divisões‖, como o Serviço de Informação que, por sua vez, se dividia

64 Revista Vida Capichaba, n° 364, de 15-5-1934. Fotografias do integralismo no Espírito Santo serão

analisadas no subitem Imagens do integralismo.

65 Em 17-8-1935, comemorava-se o segundo aniversário da fundação do primeiro núcleo integralista

da Província do Espírito Santo no cinema Polytheama, conforme Circular do Núcleo de Vitória para Chefes Municipais, de 17-8-1935 (Caixa n° 37. APEES).

66 Resolução sem número de 27-11-1934 (Caixa n° 37. APEES). Conforme Trindade (1979), a

estrutura aprovada no Congresso de Vitória vigorou até o ano de 1936. Na data do Congresso de Vitória, era realizado o ritual intitulado: A Vigília da Nação.

Fotografia 1: Casamento integralista

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em quatro seções: Seção de Desenhista, Tropa de Engenharia, Tropa de Trabalhadores e Seção de Telegrafia e Telefonia.67

Também nesse ano de 1934, já é possível verificar a existência de contribuições para o movimento e as viagens para outros municípios e distritos, visando a divulgar as ideias integralistas e, consequentemente, conseguir novas adesões.68

A revista Vida Capichaba noticiou, no mês de julho, um desfile de 400 integralistas nas ruas da cidade de Colatina, norte do Estado, enfatizando que os participantes estavam cheios de ―fé e entusiasmo‖. No dia 7 de setembro, eles voltaram a aparecer na revista em uma nova marcha, dessa vez na Capital. Alguns caminhões trazendo adeptos vieram do interior do Estado para participar da manifestação cívica.69

Nesse período, encontrou-se referência da existência de núcleos nos municípios de Vitória, Domingos Martins, Pau-Gigante, Cachoeiro de Itapemirim e Colatina. Mas, possivelmente, eles já existissem também em Santa Teresa e Castelo.70

Em 1935, a propaganda dos camisas-verdes já havia conquistado muitos adeptos, principalmente no interior do Estado, porém a sua estrutura ainda estava em fase de organização. Em Cachoeiro, as várias Secretarias e Departamentos, exigidos pela hierarquia do movimento, não funcionavam regularmente, uma realidade que, possivelmente, se repetia em outros municípios.

O núcleo de Cachoeiro estava instalado nos fundos de uma casa comercial no centro daquela cidade, onde se realizavam reuniões internas e outras abertas ao público. Às reuniões compareciam pessoas de camadas sociais diferenciadas, ―[...] empregados no comércio, operários, comerciantes, médicos, engenheiros, senhoras e senhoritas‖.71 No mês de outubro, percebe-se um

crescimento desse núcleo, pois já dispunham de uma nova sede com maior estrutura, inclusive com um salão para conferências.72

67 Ofício sem número de 14-5-1934 do Chefe de Serviço de Comunicação para o Departamento de

Milícia (Caixa n° 37. APEES).

68 Finanças Núcleo Acyoli, em Pau-Gigante. 1934 (Caixa n° 37. APEES). Parece que os municípios

responsáveis pela difusão do movimento foram Cachoeiro, Domingos Martins e Santa Teresa.

69 Revista Vida Capichaba, n° 369, de 30-7-1934.

70 Ver Anexo A. Mapa da Divisão Política e Administrativa - Espírito Santo (1940).

71 Ofício do Núcleo de Cachoeiro para o Núcleo de Vitória, de 27-5-1935 (Caixa n° 37. APEES). 72 Ofício do Núcleo de Cachoeiro para o Núcleo de Vitória, de 7-10-1935 (Caixa n° 37. APEES).

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Os integralistas de Cachoeiro visitavam distritos e municípios próximos, fazendo apresentações públicas sobre o movimento. Pretendia-se alcançar os lavradores da região, objetivo que determinava o horário escolhido para o comício: ―A hora escolhida teve em vista facilitar o comparecimento dos lavradores dos arredores, que desejam regressar aos lares ainda com a luz do sol‖.73

Os habitantes do distrito de Floresta, hoje Burarama, foram qualificados de ―[...] gente boa, amiga, religiosa e verde em todos os sentidos‖. Em uma viagem a Castelo para divulgar o movimento, conseguiram que 30 pessoas se inscrevessem. Mas, para os integralistas de Cachoeiro, isso ainda era pouco. Castelo era visto como um núcleo bastante promissor, que poderia agrupar ―[...] 800 ou 1.000 [membros] dentro de pouco tempo, pois a alma daquela população, principalmente os lavradores, é totalmente integralista‖.74

Nessa mesma visita a Castelo, quando passaram pelo distrito de Conduru, um chefe político chamado Gerôncio Moreira de Souza foi ao encontro da comitiva. Esse político foi descrito como um industrial, proprietário de serraria, trabalhador, honesto, correto, que contava com numerosos amigos. Um homem considerado ―[...] às direitas e que não tem pecados políticos, salvo o de haver concorrido com alguns votos para as eleições de certos políticos do regime atual‖.75

Logo, organizou-se uma viagem para o distrito de Conduru, enfatizando-se que Gerôncio já estava com o ―coração verde‖, dando por quase certa a criação de um novo núcleo.76 Assim trabalhavam os integralistas visando às eleições de dezembro

de 1935.

Neste momento, faz-se necessária uma digressão. É necessário conhecer, mesmo superficialmente, os principais partidos que disputavam o poder depois da Revolução de 30 no Espírito Santo e foram considerados pela AIB seus opositores.

Conforme Achiamé, em 1933, foi criado o Partido Social Democrático do Espírito Santo (PSD-ES) para dar sustentabilidade ao governo do interventor federal e depois governador, Capitão João Punaro Bley.77

73 Ofício do Núcleo de Cachoeiro para o Núcleo de Vitória, de 27-5-1935 (Caixa n° 37. APEES). 74 Ofício do Núcleo de Cachoeiro para o Núcleo de Vitória, de 1935 (Caixa n° 37. APEES). A AIB

elegeu em 1936, quatro vereadores em Castelo.

75 Oficio do Núcleo de Cachoeiro para o Núcleo de Vitória, de 1935 (Caixa n° 37. APEES). 76 Oficio do Núcleo de Cachoeiro para o Núcleo de Vitória, de 14-6-1935 (Caixa n° 37. APEES). 77 ACHIAMÉ, 2005.

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Algumas importantes figuras políticas do Estado se uniram ao interventor no novo partido. O autor afirma ainda que Punaro Bley enviou Carlos Lindenberg ao Rio de Janeiro para convidar seu tio, Jerônimo Monteiro, a ocupar a presidência do novo partido, mas este não aceitou.78 Outros coronéis ligados a Jerônimo Monteiro acabaram aderindo ao novo partido. Aqueles que não se uniram ao PSD fundaram o Partido da Lavoura (PL), que funcionou como partido de oposição. Além da AIB, havia ainda o pequeno Partido Proletário (PP).

Se a história do movimento integralista no Espírito Santo ainda é bastante nebulosa, piores são as informações relativas aos partidos de ―esquerda‖: Partido Comunista, Partido Proletário e a Aliança Nacional Libertadora.

Achiamé afirma que existem indícios da presença de partidários do comunismo ainda na década de 20 atuando na cidade de Cachoeiro de Itapemirim.79

Na Nacional Constituinte de 1933, dois deputados ―classistas‖ foram eleitos para representar os trabalhadores, apoiando Getúlio Vargas, sugerindo uma possível ligação com o PSD.80

Dentre as parcas informações sobre os movimentos de esquerda, sabe-se que, na década de 30, um abaixo-assinado com 340 assinaturas foi entregue à polícia da Capital, pedindo a libertação dos ―presos políticos proletários‖ detidos nas noites de 28 de fevereiro e 1° de março de 1934, na cidade de Vitória.81

Conforme Pacheco, o Partido Proletário (PP) foi fundado nesse mesmo ano de 1934, já que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) estava proibido de funcionar.82

Em 1935, foi fundada, em nível nacional, a Aliança Nacional Libertadora (ANL) unindo ―[...] partidos políticos, sindicatos, diversas organizações

78 A família Monteiro é o símbolo do coronelismo capixaba. Jerônimo foi presidente do Estado entre

1908 e 1912 e senador em 1918. Seu irmão Bernardino também foi eleito presidente do Estado em 1916. Seu outro irmão, Dom Fernando, era bispo no Estado. Após o golpe de 1930, nas eleições para a Assembleia Constituinte, Jerônimo novamente se elege, mas morre no dia da diplomação dos candidatos (VASCONCELLOS, João Gualberto M. A invenção do coronel: ensaio sobre as raízes do imaginário político brasileiro. Vitória: EDUFES, 1995).

79 ACHIAMÉ, 2005. Sobre a ANL encontraram-se apenas alguns documentos apreendidos pela

polícia no APEES.

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Conforme Achiamé (2005), a indicação de dois representantes ―classistas‖ pelo Espírito Santo, que não possuía muitos sindicatos, sugere uma ligação com o PSD e o apoio a Getúlio Vargas.

81 Ofício enviado para o chefe de Polícia do Estado do Espírito Santo, de 2-3-1934 (Caixa n° 37.

APEES, grifo no original).

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femininas, culturais, estudantis, profissionais liberais e militares‖.83 Porém, de acordo

com a mesma autora, em julho do mesmo ano, um discurso de Luís Carlos Prestes foi utilizado pelo governo para proibir a atuação da ANL que, por sua vez, não conseguiu sobreviver na ilegalidade.84

Sabe-se também que, no mês de julho desse ano, os integralistas de Vitória informavam aos integralistas de Cachoeiro que, desde o dia 1°, na Capital, havia greve dos funcionários da Companhia Central Brasileira de Forças Elétricas e, diante da ―inépcia‖ do governo, a greve havia se alastrado para chauffeurs, caminhões, transportes terrestres e marítimos, estivadores, sindicatos de construção civil e, para o dia seguinte, atingiria os padeiros e outros. Argumentavam que os comunistas da Aliança estavam iludindo os operários para dar um golpe. Aos integralistas operários as recomendações da chefia integralista local era para que tomassem parte na greve, como ―solidariedade à classe‖ e para que não fossem apontados como ―furadores de greve‖. Mas, diante de qualquer ameaça, deviam proteger os poderes constituídos, pois ―A liberal-democracia não presta, mas devemos apoial-a, quando estiver o communismo querendo o logar‖. Informavam, ainda, que, no dia 5, o movimento grevista deveria alcançar também a cidade de Cachoeiro de Itapemirim.85

Não há dúvidas de que, após a ―Intentona Comunista‖, a AIB conseguiu reunir ainda mais adeptos, já que uma de suas principais bandeiras era o anticomunismo e o ocorrido tornou mais real a ―ameaça vermelha‖ tão propagada por eles.86

Assim, o ano de 1935 foi marcado pela realização do Primeiro Congresso Integralista da Província do Espírito Santo e por vários confrontos com os simpatizantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL).87

83 VIANNA, Marly de Almeida. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In: FERREIRA,

Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano: o tempo do nacional- estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 81.

84 Vianna (2003) afirma que a identificação entre a ANL e o PCB partiu primordialmente do próprio

governo, para melhor atacá-la, pois, quando o PCB soube da organização, preferiu dar o seu apoio sem, no entanto, aderir ao movimento. Foi, em especial, a figura de Luis Carlos Prestes que uniu comunistas e aliancistas.

85 Ofício do Núcleo de Vitória para o Núcleo de Cachoeiro, em 3-7-1935 (Caixa n° 37. APEES). 86 MAIO; CYTRYNOWYCZ, 2003.

87 Nos documentos, os integralistas de Cachoeiro utilizam ora o termo aliancistas, ora comunistas,

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