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FOTO 14. Um grupo de camisas-verdes de Domingos Martins

3 ANOS CONTURBADOS: IMIGRANTES E SEGUNDA GUERRA

3.2 O “alemão perigoso” versus o “alemão ignorante”

Desde o início do século, o fato de as populações, principalmente, alemãs e italianas, utilizarem os seus idiomas de origem e tentarem manter sua cultura foi entendido como um problema para as autoridades capixabas. Porém, as tentativas para melhorar o ensino nas regiões de imigração europeia, visando à ―assimilação‖ dessas populações, acabavam esbarrando na grande carência de verbas ou na falta de vontade política.

Gomes Cardim, educador carioca, foi chamado, ainda no início do século, para modernizar a área educacional do Estado e isso incluía modificações também nas escolas de regiões de colonização estrangeira.219 De acordo com Soares, como ação paliativa, Cardim propunha a utilização de ―professores ambulantes‖ que ensinariam Português, Geografia, História do Brasil e Educação Física. No entanto, a solução viria com a implantação de escolas bilíngues, com a preponderância do idioma nacional. Mas, segundo o autor, grassava o descaso com a escola rural e a proposta não saiu do papel.220 O sucessor de Cardim, Deocleciano Nunes de Oliveira, também visando a atacar o ―problema‖, propôs o aumento das escolas públicas nessas regiões, mas, igualmente, as ações não aconteceram.

Wagemann afirmava que, até o ano de 1915, o governo do Estado não havia cuidado da instrução dos colonos, assim os pastores luteranos, por conta própria, tentavam obrigar a frequência escolar, apenas admitindo para a confirmação221 os meninos que já tivessem frequentado a escola. O pesquisador ainda informava que apenas um quarto ou um quinto dos colonos assinava a folha dominical e esta era, praticamente, a única leitura realizada pelos adultos. Assim, o pouco estudo dos imigrantes alemães era feito em sua própria língua.

219 Conforme Vasconcellos (1995), Carlos Alberto Gomes Cardim foi o responsável pelas

modificações implementadas pelo governador Jerônimo Monteiro (1908-1912). Dentre elas, incluem- se a criação da Escola Modelo, Escola Modelo Sapucaia, Escola de Aprendizes Artífices do Espírito Santo, a eliminação de castigos físicos nas escolas, cursos de ginástica, dentre outras.

220 SOARES, 1997.

221 Conforme Bahia, a confirmação é um rito da Igreja Luterana e significa que o jovem, a partir

daquele momento, assume, perante a comunidade e diante de Deus, o seu compromisso com Ele e a Igreja. Após o rito o jovem participa ativamente das atividades da Igreja. BAHIA, Joana. A lei da vida: confirmação, evasão escolar e reinvenção da identidade entre os pomeranos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n.1, p. 69-82, jan./jun. 2001.

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Os colonos alemães, pelo menos os protestantes, embora vivam na nova pátria, há três gerações, não aprenderam o linguajar do país – um português misturado com muitos brasilianismos. Hoje, entre os católicos, já existem muitos capazes de se entenderem em português, pois os vigários teutos, que pastoreiam também a população nativa, fazem a prédica, primeiro, em português, e, depois, em alemão.222

Ainda sobre o uso da língua, Wagemann lembrava que os pomeranos mantiveram o velho dialeto, quase não sabendo falar o alto alemão. Os saxônios e os suíços conservaram seus dialetos, mas também faziam uso do alto alemão. Já os holandeses aprenderam um pouco de alemão. As novas palavras acrescidas ao vocabulário dos imigrantes e descendentes estavam relacionadas, quase sem exceção, com a vida material. O autor enfatizava, então, o pouco contato existente entre os colonos e a população local.

Eles só têm contacto com a gente da terra, esporadicamente, quase todos os comerciantes da região que povoam, são alemães. É muito difícil que viajem até a capital, Vitória. Quando muito, vão a Pôrto do Cachoeiro, onde a maioria é alemã. É raro entrarem em contacto com as autoridades, quando tal sucede, é o mesmo superficial, pois não existe serviço militar obrigatório para todos, ou algo semelhante.223

Sobre a permanência da língua alemã e da Igreja Luterana, o pesquisador atribuía essa situação ao próprio governo brasileiro.

Falando com franqueza, é, em grande parte, a indiferença do povo e do Estado que os acolheram, no tocante à educação, que permite aos colonos se manterem fiéis à sua língua e à sua fé. A estreiteza espiritual, que impede o aparecimento de uma consciência nacional, é, entretanto – ouso dizê-lo – um firme reduto da alemanidade, no Espírito Santo.224

Giemsa e Nauck, já na década de 1930 e ligados ao Terceiro Reich, informavam que os pastores luteranos, com a ajuda de alguns membros da comunidade, haviam melhorado e ampliado a instrução, qualificando os resultados alcançados de ―positivos‖. Ainda salientavam que, recentemente, existia uma maior compreensão de que as escolas paroquiais e as das colônias deveriam transmitir os

222 WAGEMANN, 1915-1949, p. 92. 223 WAGEMANN, 1915-1949, p. 95. 224 WAGEMANN, 1915-1949, p. 102.

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conhecimentos indispensáveis da língua nacional, mesmo porque, embora particulares, essas escolas estavam sob a supervisão dos inspetores do governo brasileiro ―[...] que podem exercer sobre elas certa pressão‖. Por fim, os pesquisadores colocavam em dúvida o futuro das escolas alemãs, já que as ―aspirações nativistas‖ estavam crescendo e o governo brasileiro pretendia dar uma organização diferente ao ensino nas zonas de colonização alemã, ―[...] substituindo o cultivo dos costumes alemães, por uma educação brasileira‖.225

Poucos anos antes da visita dos pesquisadores alemães, o governo capixaba discutia a política de colonização para o Estado. Assim, o Conselho Consultivo, no ano de 1932, sugeria que, quando se fizesse necessária a aquisição de novos colonos, não buscassem ―sómente‖ europeus ou asiáticos, mas também, famílias de compatriotas, reconhecidamente lavradoras e que habitassem as zonas atingidas pela seca no Nordeste. O Conselho sustentava sua posição desfavorável aos ―elementos alienígenas‖, argumentando:

Ha todas as probabilidades de êxito com êles [nacionais] pela sua adaptação climaterica imediata, no emprego de sua atividade compensadora no arroteamento do solo. Já temos exemplos satisfatorios com os cearenses estabelecidos no Pau Gigante e Acioli, em suas prosperas lavouras. A questão imigrantista, atualmente, tem tomado aspectos tão complexos e variados e de soluções tão difíceis e graves no nosso meio geografico, social e politico que não convem confiarmos sómente em elementos alienígenas no povoamento de nossas terras.226

O secretário de Educação e Saúde, Fernando Rabelo, no ano de 1939, reproduziu no seu ―Memorial‖ as impressões negativas presentes nos relatórios dos secretários de Instrução de anos anteriores. Por meio dele é possível acompanhar as denúncias, ainda na década de 20, contra as escolas nas zonas de colonização alemã. Em um relatório publicado em 1924, o secretário de Instrução afirmava que, nos municípios, em especial, Santa Leopoldina, Santa Izabel e Santa Tereza, as escolas dirigidas por alemães causavam mais danos do que ―[...] os peiores males reunidos‖.

225

GIEMSA; NAUCK, 1939-1950.

226 Sala das Sessões, em 5-4-1932. In: ANNAES. Conselho Consultivo do Estado do Espírito Santo.

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O seu corpo docente é alemão; os seus livros e cadernos de exercícios escolares tratam de assuntos estranhos ao nosso meio; a decoração de suas paredes de aula, e até mesmo os quadros que ornam as suas salas, são todos calcados em motivos alemães: - nada ali se vê de brasileiro [...]. A atmosféra que ali se respira é alemã; a creança que ali entra, embora nascida no Brasil, dali sái alemã no coração e no espírito.227

O secretário denunciava ainda que os alemães tinham aversão à escola brasileira, afirmando que, naquelas localidades, elas existiriam em número elevado, mas com matrículas muito baixas. Ao contrário, as escolas dirigidas por alemães, vizinhas das brasileiras, tinham ―frequencia elevadíssima‖. No seu memorial, o secretário também lembrou o seu próprio relatório datado de 1921, quando exercia a função de inspetor escolar. Nele, o então inspetor dizia que as escolas estrangeiras ensinavam a língua, a geografia e a história dos seus países, pois sabiam que esses conhecimentos ―[...] constituem os mais fortes vínculos do cidadão para com a Pátria‖ e denunciava:

Zonas encontrei eu em minha viagem onde a língua dominante é, ora a italiana, ora a alemã, não sabendo as crianças nascidas, sob o céu do Brasil uma palavra siquer de português. Visitando a escola alemã do lugar denominado ‗25 de julho‘, no município de Santa Tereza, tive mais uma oportunidade de assistir a um desses espetáculos que muito me impressionaram. Dos dezenove alunos presentes, apenas uns quatro se exprimiam em português [...]. A disposição que prescreve aos colégios particulares o ensino obrigatório da lingua portuguesa encontra nas escolas estrangeiras o seu ludíbrio e ineficácia.228

Conforme Rabelo, os alemães, pomeranos e lituanos eram os grupos menos acessíveis a um trabalho de assimilação. Além de menos assimilados, para o secretário, nessas comunidades uma ―[...] obra de infiltração alienígena através do campo propicio da escola, estava realmente mais adeantada do que na verdade era de supor‖.229 Para sustentar sua afirmação, Rabelo invocou os panfletos, gravuras,

alegorias sobre temas estrangeiros, livros didáticos e de religião, cadernos e mapas encontrados nessas localidades. Um mapa em língua alemã que mostrava a zona de fronteira com o Estado de Minas Gerais, marcando as ruas principais e vicinais,

227 RABELO, Fernando Duarte. Memorial: o problema da nacionalização do ensino no Estado do

Espírito Santo. Vitória: Imprensa Oficial, 1939. p. 5.

228 RABELO, 1939, p. 6. 229 RABELO, 1939, p. 7

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ferrovias, características geográficas, além das matrizes e filiais das comunidades luteranas e suas escolas foi considerado um documento ―comprobatório‖ da obra de desnacionalização. Sobre os ―mapas de estratégia militar‖, Franz Stuhr, subdelegado no período, relembra:

A polícia, no período da guerra, perseguiu muito nossos pastores alemães, dizendo que eles guardavam em suas casas mapas de estratégia militar, eu disse: ‗Homens! Os pastores andam muito e eles elaboram mapas de suas Comunidades de trabalho‘. Nossos pastores não eram analfabetos como a polícia queria.230

Mas, para o então secretário da Educação, os colonos eram ―dóceis instrumentos‖ nas mãos dos pastores luteranos:

Como conseqüência de um inteligente trabalho de catequese, em torno da pessoa do pastor em regra estrangeiro sem nenhum apego a terra, nem amor as suas mais caras tradições, congregavam-se os colonos, indivíduos na sua maioria de baixo nível cultural, constituindo-se por isso mesmo, dóceis instrumentos de expansão alienígena e desnacionalização.231

Concluía, então, que os brasileiros estavam sendo ludibriados nos propósitos de hospitalidade e descuidados em relação à unidade nacional. Foi para solucionar tal problema que a Secretaria da Educação e Saúde baixou o Decreto n° 9.255, de 13 de abril de 1938.232

O art. 2º determinava que somente os brasileiros natos ou naturalizados que tivessem prestado serviço militar no Brasil, com requisitos de idoneidade moral, intelectual, profissional ou técnica, a juízo do Departamento de Educação, poderiam ministrar aulas ou dirigir estabelecimento particular de ensino.

O art. 4º destacava: a obrigatoriedade exclusiva do uso da língua vernácula e história da pátria; o uso da Bandeira Nacional em lugar de destaque; a utilização de livros didáticos aprovados pelo Departamento de Educação; a realização, semanal, de manifestações cívicas; o uso das canções e hinos patrióticos adotados pela escola pública, dentre outras recomendações. O objetivo, de acordo com o documento, era ―[...] incutir no espírito dos educandos o sentimento

230 PORT, Ido. Os Altos de Itarana. Itarana: Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto,

2004. p. 22.

231 RABELO, 1939, p. 5.

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de brasilidade e de unidade de uma Patria nova e forte bem como o sentimento pan- americanista de confraternização dos povos americanos‖.

Também estava determinado no art. 4° o uso da língua vernácula em todos os procedimentos administrativos das escolas, cartazes, placas, avisos, etc. Já o art. 8º proibia o financiamento, direto ou indireto, de quaisquer instituições ou governos estrangeiros, mesmo aqueles com sede no Brasil, ou associações e entidades ligadas às ideologias contrárias ao regime instituído.

As escolas poderiam ter o seu registro de funcionamento cassado ―[...] quando prestar-se a fins ilícitos ou de propaganda de quaisquer credos políticos ou ideologias contrários ao regime instituído no país a 10 de Novembro de 1937‖.233

Ainda o art. 15º esclarecia que, visando ao interesse nacional, a Secretaria de Educação e Saúde poderia designar professores do quadro do magistério público para assumirem a orientação oficial em relação à nacionalização do ensino nas escolas particulares situadas em núcleos de populações estrangeiras.

O decreto, além de tornar obrigatória a matrícula e a frequência das crianças entre 7 e 14 anos, residentes na ―circunscrição‖ de uma escola pública ou subvencionada, reservava uma multa aos pais, tutores ou responsáveis que, por algum motivo não justificável, impedissem ou dificultassem a frequência de menores matriculados na escola pública.

Conforme Soares, houve uma real intervenção nas escolas particulares alemãs do Espírito Santo. Assim, no ano de 1938, o Colégio Particular de Santa Maria de Jequitibá, o Colégio Paroquial de Santa Isabel, a Escola Particular de Paraju, a Escola Particular de Laranja da Terra e, por fim, a Escola Particular de Palmeira sofreram intervenções. Nas regiões de colonização italiana, apenas a propaganda da ―nacionalização do ensino‖ chegou, pois, naquela data, já não havia mais escolas que usassem a língua italiana.234

Foi nesse clima que Fernando de Abreu, líder político do sul do Estado, discursava sobre o desejo de ser brasileiro e as diversas etnias que compunham no Brasil, segundo ele, uma ―retorta étnica‖ ou ―uma nacionalidade em caldeamento‖. Para o político, o Brasil era ―[...] o país da fraternidade, do velho pai João, da mãe preta, do vovô índio e de todos os homens, de todos os continentes que, vindo para o Brasil, tenham o ânimo e o desejo de ser brasileiros‖. E continuava,

233

Decreto n° 9.255, de 13 de abril de 1938. Publicado no Diário Oficial de 17-4-1938.

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Sim, quem não o terá, [desejo de ser brasileiro] nesta terra hospitaleira, de perene primavera, neste jardim tropical? Todos, creio eu, que, integrados no solo pátrio, libertaram-se da tradição metropolitana, confundindo-se conosco no mourejar quotidiano. Todos, creio eu, até mesmo grande parte dos que, pelo nosso erro político, ficaram insulados nos limites dos núcleos coloniais. Todos, com exceção, talvez, dos que pela nossa incúria, apenas tiveram escolas, mestres e assistência religiosa dos seus paises de origem. Porém, mesmo esses, quais sejam? Possivelmente, apenas alemães, em Santa Catarina, e japoneses em São Paulo. Exceção destes grupos – a fusão se vae processando normalmente, em todo o território nacional.235

Embora realçando o ―erro político‖ e a ―nossa incúria‖, o autor admitia a existência de imigrantes que não se sentiam fazendo parte da nação, transfigurada em ―jardim tropical‖. Todavia, esses são identificados como os alemães de Santa Catarina e os japoneses de São Paulo. Para o político capixaba, o Espírito Santo não comportava tal realidade.

Em matéria intitulada Você está contra ou a favor?, a ideia do perigo foi lançada, mas, em todo o texto, não se fez referências diretas aos imigrantes ou à existência de ―quistos étnicos‖. Mesmo se tratando de uma revista de circulação estadual, o inimigo apresentado permaneceu como uma figura genérica existente em todo o Brasil. Dessa forma, novamente, as populações capixabas não são lembradas, ao menos, diretamente.

Sabemos que, dentro do Brasil, existem milhares e milhares de inimigos, homens que prestam mais obediência a bandeiras estranhas de que propriamente ao símbolo nacional, soldados estrangeiros lutando dentro de nossas fronteiras, contra o nosso governo, com as armas da insídia, da confusão, da mentira e da intriga.236

Em 3 de março de 1942, o jornal A Gazeta trouxe uma matéria intitulada A tal superioridade, assinada por Christiano Fraga. Nela se afirma que as ―famílias alemãs‖, quando vinham para a cidade, eram ―chefiadas por homens de cor, ou mesmo, por pretos velhos‖ que os orientavam nos negócios ou nos simples contatos com a vida urbana.

235 No livro de Fernando de Abreu, Espumas... publicado em 1982, foram reunidos, sem correção,

―[...] alguns discursos pronunciados e publicados, nos jornais da época no período de 1930 a 1948‖ (ABREU, Fernando de. Espumas... discursos políticos e acadêmicos. Cachoeiro de Itapemirim: Frangraf, 1982. p. 7).

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Não queremos diminuir o moral desses imigrantes e descendentes, mas é claro que esses homens de cor tomados para seus procuradores e guias, merecem-lhes inteira confiança. Isso prova que o povo alemão é inteiramente despido de preconceitos em questões raciais. Esses alemães são todos honestos e pacíficos trabalhadores, mas de inteligência tarda, muito mais tarda do que a dos nossos caipiras caboclos, pretos e mestiços. Alegar-se-á diferença de língua impedindo a esses estrangeiros um trato desembaraçado com as populações urbanas. Mas isso é outra prova de tarda inteligência. Pois, o que seria mais difícil? Um pequeno grupo de estrangeiro aprender a língua do país para onde veio, ou os naturais do país (e os mais atrasados desses naturais) aprenderem a língua estranha desse grupo? A permanência desses imigrantes em um país durante várias gerações sem aprenderem a língua desse país é unicamente prova de atraso. E esses pretos condutores falam e compreendem o dialeto alemão dos núcleos e falam, escrevem e lêem o português.237

Para o autor, da mesma forma que os colonos do Espírito Santo, os alemães sob o jugo de Hitler também faziam parte de um ―[...] povo dócil, simples e trabalhador, [embora] profundamente místico, ludibriado e estonteado pelas torrentes incessantes do palavrório de Goebbel [...]‖.238

Entretanto, mesmo que se tratasse de um povo considerado ―atrasado‖, era necessário cuidado com as suas lideranças: ―Tentativas diversas tem sido habilmente desarmadas em nosso país, porém agora mais do que nunca, urge apertar com toda energia tanto os que vêm agindo sub-repticiamente pela sombra como os que vêm boquejando cinicamente à luz do dia‖.239 Para finalizar, o autor

expôs, didaticamente, suas conclusões:

1 – Os colonos, alemães, embora trabalhadores e honestos são muito inferiores em inteligência aos mais obtusos dos nossos roceiros, sejam estes mulatos, pretos ou caboclos.

2 – Os chefes alemães fanatizam o seu povo para explorá-lo com maior crueldade.

3 – Essa fanatização se estende, por obra de agentes disfarçados, aos grupos alemães emigrados para os todos os países.

4 – Devemos nos manter em alerta militante contra os processos desses agentes estrangeiros e contra todos aqueles que por qualquer modo os favorece.240

237Revista Vida Capichaba, n° 592, de 30-4-1944. 238

Revista Vida Capichaba, n° 592, de 30-4-1944.

239

Revista Vida Capichaba, n° 592, de 30-4-1944.

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O que para Fraga era prova da ―inteligência tarda‖ dos alemães foi, por outros autores, apontado como um comportamento ―desconfiado‖. Talvez um dos motivos para esse tipo de comportamento mais reservado fosse resultado das desilusões sofridas nas relações tecidas com as autoridades brasileiras que desde muito cedo foram sentidas e registradas.

Dentre as várias denúncias feitas pelo cônsul italiano Carlo Nagar, em 1895, sobre a situação dos imigrantes italianos no Estado do Espírito Santo, que resultou na proibição da imigração italiana para o Estado, Nagar incluiu sua opinião sobre a polícia brasileira:

[...] não se pode estar satisfeito com o modo com que tratam as pessoas de graus subalternos. Os abusos são freqüentes como são freqüentes as reclamações que chegam a este Régio Consulado. As punições pouco resolvem. Algumas pequenas autoridades do interior que não estão preparadas usam, arbitrariamente, do poder de que dispõem. Não são elementos idôneos à constituição de um corpo policial, ao qual é confiada a tutela dos cidadãos e da ordem pública.241

Esse contexto parece não ter se alterado nas décadas subsequentes. Wagemann, em seu livro, publicado em alemão ainda em 1915, reproduziu longos trechos da obra literária Canaã, lançada no Brasil em 1902, para demonstrar o abuso de autoridade e a exploração da Justiça sobre o camponês. Sobre a ação da Justiça brasileira, o pesquisador alemão afirmava: ―A justiça é influenciável e insegura. Entretanto, se muitos crimes não se punem, uma das causas reside nas péssimas condições de transporte, que limitam, bastante, o poder das autoridades‖.242 Mas, na página seguinte, o autor critica as autoridades dizendo que

―[...] dominada pela incúria e por todas as formas imagináveis de corrupção, embora revestida da pomposa aparência republicana, leva uma existência fantasmagórica e parasitária‖.243

O pesquisador afirmava que os ―traços do caráter do camponês alemão‖ eram vistos pelos brasileiros de forma depreciativa. Assim, qualificavam o camponês alemão como ―lerdo, servil e limitado‖. Ainda conforme o pesquisador, a população brasileira não apreciaria o seu ―[...] amor à ordem, à exatidão, o

241 NAGAR, 1895-1995, p. 43. 242 WAGEMANN, 1915-1949, p. 16. 243 WAGEMANN, 1915-1949, p. 17.

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temperamento grave, o senso religioso [...]‖, vendo tais traços com ―[...] ódio e desconfiança‖ como se fossem um ―[...] fardo inútil e desagradável‖, e quando