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4 PROFISSÃO JORNALISTA NO FEMININO: PRÁTICAS

4.2 DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NO JORNALISMO

A divisão sexual do trabalho, conceito a que nos detivemos no capítulo anterior, não acontece somente quando se consideram áreas distintas, mas também no interior de cada uma delas – seja "masculina" ou "feminina" (STANCKI, 2003, p. 9). No jornalismo, que é aqui nosso objeto de análise, as profissionais mulheres estão em grande número entre as repórteres, também na edição e subedição, assim como estão (em menor número, mas estão) no estágio mais alto da hierarquia, como editoras-chefe e diretoras de jornalismo. O crescimento vertical na carreira parece natural, à medida que as jovens profissionais recém-formadas nos anos 1990 e 2000 passam a estar entre os grupos mais experientes (sobretudo se pensarmos sob a

77 No original: “Many media producers are now more alive to feminist thought and in developing the feminist sensibilities of their audiences”.

perspectiva de que o jornalismo é uma profissão eminentemente jovem). Entretanto, quanto mais alto o posto hierárquico, menos mulheres há neles (MICK, LIMA, 2013; GARCIA, 2009).

Por outro lado, Bourdieu (2014) aponta o jornalismo, assim como outras áreas de produção simbólica, a exemplo da literatura e da arte, como espaços profissionais propícios às mulheres, enquanto que aos homens ficam reservados os espaços públicos, notadamente os poderes econômico e político78. “As posições dominantes, que elas ocupam em número cada vez maior, situam-se essencialmente nas regiões dominadas da área do poder, isto é, no domínio da produção e da circulação de bens simbólicos” (BOURDIEU, 2014, p. 130).

Dito de outro modo, os resquícios da violência simbólica são observados na sociedade atual (VELOSO, 2013). Em última instância, significa dizer que a lógica tradicional da dicotomia masculino versus feminino continua a existir como um determinismo social. Dessa forma, o jornalismo se encaixa como uma profissão cada vez mais feminina. Assim, o fenômeno relativamente recente de aumento da população feminina nas redações do mundo ocidental seria esperado ou, ao menos, seria um caminho natural da profissão. Porém, apesar de as prospecções feitas por Bourdieu em 1990 fazerem sentido hoje, quase 30 anos mais tarde, uma vez que a feminização do jornalismo é uma realidade na maioria dos países ocidentais, as questões “macro”, que referem-se à equidade de salários e funções, ainda são motivo de questionamentos com base na tradicional dicotomia entre os sexos.

Bourdieu fala, inclusive, “que a perspectiva de feminilização79 de uma profissão reduz sua desejabilidade e prestígio” (2014, p. 86). Por conseguinte, pode ser um fator suscitador de precarização. É o que mostra também o estudo de Subtil e Silveirinha (2017), em Portugal. As pesquisadoras associam o que chamam de “desprofissionalização” do jornalismo à maior tendência às desigualdades de gênero.

Se os efeitos das novas formas jornalísticas recaem sobre homens e mulheres, e à semelhança do que acontece no panorama de outras profissões, existe uma maior exposição feminina a condições de precariedade e instabilidade profissional no jornalismo (SUBTIL; SILVEIRINHA, 2017, p. 130).

78

Trouxemos dados sobre homens e mulheres na política brasileira, no capítulo anterior, quando discorremos sobre a divisão sexual do trabalho.

79 Ao fazer essa colocação, o autor não se ocupou em conceituar o termo. O contexto, contudo, nos permite entender feminilização da profissão como sendo o fenômeno de aumento no número de mulheres no exercício de determinada atividade, substituindo a mão de obra masculina (YANNOULAS, 2011; 2013). Mais à frente, ainda neste capítulo, trataremos da conceituação de feminização.

Marques da Silva (2010) complementa:

O retrato das mulheres nos media precisa de profundas transformações, o que significa que a feminização desta profissão não surtiu também efeitos ao nível da proposta de alternativas para a imagem estereotipada das mulheres, o que mostra que as mulheres têm encontrado mais dificuldade em tirar partido do que seriam potencialidades e em serem agentes de transformação (MARQUES DA SILVA, 2010, p. 311).

Saffioti (1987) trata o fenômeno como inerente ao capitalismo, por meio do qual o capital busca os ramos mais rentáveis da economia, ou seja, atividades mais lucrativas. Em outras palavras, à mulher são ofertadas as atividades que fogem ao modelo estruturado do capitalismo.

Antes disso, no entanto, se olharmos para os primórdios da profissão, poderemos observar que, embora fosse um ofício exercido majoritariamente por homens, é possível encontrar alguns registros de mulheres pioneiras a trabalhar em redações. Nos EUA, esses resgates históricos remontam ao século XVII, com tipógrafas ou proprietárias de imprensa. Porém, só no século XIX, após o final da Guerra de Secessão (que terminou em 1865), foi publicada a primeira reportagem realizada por uma mulher, Emily Verdery Bettey, contratada como repórter pelo New York Sun, em 1868.

Dentre pioneiros nomes femininos na imprensa americana, podemos citar ainda: (1) Katharine Graham Meyer (1917-2001), que coordenou o jornal The Washington Post por mais de duas décadas (ficou conhecida por sua supervisão ao caso Watergate, que levou à renúncia do então presidente americano Richard Nixon); e (2) Jill Abramson – primeira mulher a ocupar o cargo de editora-chefe em 160 anos de história do jornal The New York

Times, entre 2011 e 2014.

O processo de profissionalização da carreira jornalística, já no século XX, ganhou força via criação de associações e sindicatos, divisão do trabalho por editorias e inovações tecnológicas. A partir daí, apareceram mais oportunidades às mulheres de ingresso nesse mercado (BOURDIEU, 2014). Nas últimas décadas do século XX, a concentração de jornalistas mulheres cresceu no mundo ocidental a ponto de tornar as redações jornalísticas ambientes de espaços equiparados entre profissionais homens e mulheres.

conquistas femininas no campo profissional, econômico, político e social, a dominação masculina ainda perdura nos anos 1990 (BOURDIEU, 2014). E é a partir daí (mais intensamente dos anos 2000 para frente) que a profissão se viu diante de uma crise profissional sem precedentes. A emergência das novas tecnologias e o jornalismo online suscitam mudanças organizacionais e laborais e aparecem como grandes vetores da instabilidade que se instalou na profissão, afetando mulheres e homens jornalistas.