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6 MULHERES JORNALISTAS: GÊNERO, PRÁTICAS E ROTINAS

6.1 AMBIENTE DE TRABALHO

6.2.2 O interesse (do) público e o valor-notícia

Esta pesquisa discute o mundo dos jornalistas na atualidade – momento este que congrega não só a maior presença de mulheres jornalistas nas redações, mas também um processo de rejuvenescimento dos profissionais e de forte presença do jornalismo online e multimídia. Por isso, nosso roteiro de entrevista questiona o trabalho em meio à necessidade de captação de audiência, mensurada pelo número de cliques.

Interessa-nos saber como os preceitos éticos e deontológicos que regem o jornalismo ficam diante da corrida pela audiência. A maioria dos profissionais entende que a produção é afetada pela “meta dos cliques”, o que comumente implica na publicação de conteúdos rasos e/ou sem forte valor social, de interesse público. Porém, ainda é forte o discurso daqueles que entendem que as duas realidades são independentes ou, ao menos, que uma não influencia diretamente a outra. 6B, editor adjunto de Sociedade, entende que “a busca da audiência não está atrelada à ética. “Temos o nosso código, temos que aplicar as nossas regras. Isso não invalida escrever para toda a gente ou escrever para o maior número de pessoas possível” (6B, 2017, entrevista à autora). Entre os mais “antigos”, que foram apresentados ao jornalismo

online no decorrer da carreira, há ainda quem diferencie os objetivos e a qualidade que se

espera do veículo impresso e do online.

A jornalista 7A tem 49 anos e está na profissão desde o início dos anos 1990. Para ela, se no online há oscilação de qualidade e relevância da informação, isso não ocorre no impresso. “São diferentes os leitores do papel e do online. No jornal [impresso] não existe notícia pensada para a audiência. No online, sim, há notícias que se estivessem no impresso

seriam criticadas pelos leitores” (7A, 2017, entrevista à autora). A profissional avalia ainda que esse diferencial entre impresso e online tende a acentuar-se. Além disso, 7A entende que, se o jornal impresso quiser sobreviver, tem de seguir uma linha completamente diferente do

online.

Outros tratam esse apelo pela audiência como uma espécie de “tentação” para o jornalista. 4A é editor de Esporte e diz que, apesar da dúvida sobre publicar algo não tão bem apurado ou não tão relevante, ao fim o que prevalece é o rigor dos preceitos jornalísticos. Assim como avalia a também editora 2A. Nesse misto de

[...] o que é importante e achamos que as pessoas têm de saber e o que achamos que as pessoas têm interesse em ler, há os valores éticos que falam em nome da reputação do jornalista. Senão vamos ter de dar razão a Donald Trump, quando ele diz que tudo é fake news e que nós [jornalistas] somos as piores pessoas (2A, 2017, entrevista à autora).

Percebe-se, nisso tudo, que muitos jornalistas vivem o conflito diário da ética e do rigor jornalístico em meio à velocidade com que as informações têm de ser publicadas e a relevância do que se publica em nome dos títulos que chamam atenção do público. Nem todos veem com clareza e dizem sem receio que “se tu não tens uma história bombástica para chegar ao maior número de pessoas, és jornalista pra quê?”, como o fez o jornalista 2B, ou como sua colega 7B, editora adjunta, que afirma: “É claro que a preocupação é conseguir aquilo que os outros têm e ainda mais. Tem um bocado de ser sensacionalista141 para atrair público”. Muitos, ainda, nutrem a preocupação com a precisão da informação, entendendo que “quanto menos rigorosos formos com a notícia, menos leitores teremos” (3A, 2017, entrevista à autora) ou a constatação de que “a audiência só pela audiência pode trazer vendas de imediato, mas não traz em longo prazo” (5B, 2017, entrevista à autora).

Lins da Silva (2017) sentencia que a única saída para a profissão é o profissionalismo. A velocidade e a instantaneidade das informações no universo online são realidades. “Temos que amparar as checagens de informações mais do que nunca e seguir os estritos códigos de conduta e de ética de profissionalismo do jornalismo” (LINS DA SILVA, 2017, p. 38). Para Meditsch, a espetacularização é problema para o jornalismo como conhecimento. Aliciar as

141 O sensacionalismo revela-se uma velha receita do jornalismo para crescimento de circulação. Shudson (2010, p. 114) conta que Joseph Pulitzer, nos anos 1800, racionalizou as políticas de publicidade do jornal World, a fim de se adaptar ao momento do mercado. Porém, “a inovação mais responsável pelo rápido crescimento da circulação do jornal foi, em uma palavra, o sensacionalismo” (SCHUDSON, 2010, p. 114).

pessoas para que se interessem por determinada informação não é propriamente um mal, aponta o pesquisador.

O uso dessas técnicas se justifica amplamente pela eficácia comunicativa e cognitiva que proporcionam. O problema é quando passam a ser utilizadas em função de objetivos que não os cognitivos, como a luta comercial por audiência e o esforço político de persuasão (MEDITSCH, 2008, p. 11).

6A, 45 anos, é editor de digital e carrega sempre consigo – na redação, quando sai para lanchar ou jantar e também durante nossa entrevista – uma tela indicando medição de audiência das matérias que eles e os concorrentes postam no site. O fato de jornalistas se preocuparem com audiência dos conteúdos online induz a mudanças na forma como produzem títulos e até mesmo ilustram e escrevem os textos (BRÉDART, 2017). Somar cliques é sinônimo de audiência. Audiência é um caminho para a viabilidade econômica dos produtos online (incluindo o jornalismo). Jenkins (2008) coloca que a convergência tecnológica extrapola a técnica para se anunciar como convergência econômica e cultural. O embate entre conteúdo mais importante do que plataforma ou vice-versa é a questão do momento, é o desafio do jornalismo, da comunicação, tanto no aspecto profissional quanto econômico.

O ambiente competitivo, em que há necessidade de publicação com velocidade, somada ao fato de que é possível corrigir a informação a qualquer momento e de forma igualmente veloz, podem induzir o jornalista a relativizar a ética profissional.

Como os jornalistas, que, ao longo do século XX e graças a um forte movimento de profissionalização, desenvolveram um discurso de legitimação que promove uma atitude crítica em relação às imposições comerciais das empresas jornalísticas, conseguem hoje em dia, apesar de alguns movimentos de ‘resistência’, contribuir de bom grado para uma mutação cuja motivação principal seria de natureza econômica e que, a priori, parece dizer mais respeito à empresa jornalística e seus administradores do que aos próprios jornalistas? (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 365, grifos dos autores).