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CAPÍTULO 5 DISCUSSÃO

5.2.2 O que dizem os recontos

Ao se observarem as diferenças entre as estratégias que os leitores adultos e crianças utilizaram para recontar, é possível perceber que, de um modo geral, destacaram-se as operações de construção de tópico discursivo, construção de tópico da sentença,

extrapolação, repetição literal, paráfrase e inferência.

5.2.2.1 Construção de tópico discursivo

Construção de tópico discursivo foi a estratégia que as crianças mais utilizaram. Isto é, foi

possível notar, nos recontos, um esforço delas no sentido de apontar aquilo que julgaram ser o ponto principal ou essência do texto. Essa preocupação em construir um tópico, embora possa ser considerada como parte do processo normal da leitura, assim como defendem Guindon e Kinstsch (1984) e van Dijk e Kinstsch (1983), que afirmam que os leitores lêem construindo tópicos ou macroproposições, de certa forma, deixa evidente a dificuldade que as crianças tiveram em compreender o texto. O que se vê é uma preocupação e um esforço em estabelecer e comunicar aquilo de que o texto trata. Uma possibilidade para explicar o que aconteceu é dizer que isso é indício da dificuldade em estabelecer outras relações entre elementos do texto: o tópico pode ter sido usado como

preenchedor discursivo44. Essa preocupação reflete o processo de construção propriamente

dito: os leitores estão falando naquilo que estão tentando calcular; enquanto não conseguem

44 Um raciocínio utilizado pelas crianças pode ter sido: Tenho que falar algo sobre o texto, mas só sei o

estabelecer o tópico, não passam para outras informações.

Grande parte das tentativas que as crianças fizeram para dizer sobre o que o texto tratava resultou em construção imprecisa ou inadequada do tópico discursivo, haja vista as diferenças que podem ser observadas nas tabelas 4.15 e 4.16. São muitos os casos em que um mesmo reconto apresenta várias tentativas do leitor de construir tópicos, como nos exemplos destacados.

a) "[O texto fala] Dos macacos, da sua alimentação, da sua vida selvagem, e que se parecem com lutador de luta livre. Como vivem, quando se alimentam”.

(NS23 em 1B)

b) "O texto fala sobre os bugios, onde eles vivem, como eles ficam, e dos homens, que [os bugios] são valentes e [o texto fala sobre] para onde eles vão. Fala dos brotos das árvores, que eles [bugios] nasciam e depois morriam”. (CBR5 em 1A).

c) "Conta o que é bugios, os bugios são folhas, brotos de árvores e folhinhas. Fala sobre árvore, de humanos, fala sobre [bugios] que parecem a todo instante”. (NS14 em 1A)

Sujeitos que agiram de forma semelhante a esses dos exemplos tentaram garantir, em macroposições, o assunto do texto. A leitura de recontos como esses causa a impressão de que os sujeitos foram processando algumas informações linearmente, palavra por palavra, sentença por sentença, sem se dar conta de que é preciso integrá-las. E sem se dar conta, também, de que uma informação nova que entra no processo tem o poder de reorganizar as anteriores. Para esses leitores, a representação construída não vai além da soma de um conjunto de sentenças. Eles não foram capazes de estabelecer relações entre diferentes sentenças do texto, mediadas por uma referência comum. Como, para os adultos, o tópico do texto estava claro, eles puderam realizar com mais sucesso a integração de informações.

5.2.2.2 Construção de tópico da sentença

Construção de tópico da sentença, isto é, identificação do tema da sentença, também foi

uma estratégia bastante utilizada pelas crianças. A cadeia referencial marcada no texto -

bugios/símios/macacos (ou guaribas) - foi identificada, nos recontos, por muitos leitores,

como micos ou gorilas. Embora qualquer uma dessas respostas possa ser dada como correta a partir da leitura do texto, deve-se, no entanto, ressaltar que são modelos mentais ad hoc,

ou conhecimentos prévios diferentes que levam o sujeito a dar uma ou outra resposta. Quem responde micos, aciona um modelo construído a partir de informações como não

precisam de muito espaço, alimentam de frutinhas; quem responde gorila, considera batendo no peito, parecido com um lutador de luta livre, "amedrontar o adversário". Foi

bem maior o número de crianças do que de adultos que tiveram problemas na construção de tópico da sentença.

As tabelas 4.15 e 4.16 mostram que as crianças tiveram os mesmos problemas na leitura dos dois textos. Tanto em 1A quanto em 1B, ficaram preocupadas em construir tópicos, mas não deram conta de um que parecesse satisfatório. Basicamente, cometeram mais erros em três processos: construção de tópico discursivo, construção de tópico da sentença e extrapolação.

5.2.2.3 Extrapolações

As extrapolações revelam a dificuldade que os leitores tiveram em perceber que a leitura é um processo interativo. Isto é, em muitas situações, eles abandonaram completamente o texto e ficaram com alguma interpretação que conseguiram criar, como, por exemplo NS39, que disse que bugios são insetos e recontou:

d) Os bugios não precisam de muito espaço, se alimentam de folhas e brotos. Eles passeiam com o filhote. Quando vê perigo avisa para o filhote pular para outra árvore. Quando passar o perigo ele avisa. Ele trata bem o filhote. Ele leva comida.

Os sujeitos que assim fizeram, parecem não ter, no entanto, consciência de que existe um autor por trás do texto, que busca interagir, comunicar-se, e que, por isso mesmo, é necessário fazer um esforço no sentido de buscar articular as marcas que ele ali deixou. Essas observações coincidem com as de Graves e Fredericksen (1991) que, trabalhando com diferenças entre proficientes e novatos, na leitura de narrativas literárias, encontraram que leitores proficientes constroem representações mais complexas dos textos e essas refletem a consciência que eles têm das relações escritor-leitor. Terzi (1995), trabalhando com crianças, buscando inferir dados sobre as representações que essas têm da leitura, observa que as crianças têm dificuldade de ver a leitura como um processo interativo: "não pressupõem a existência de um autor lhes comunicando algo através do texto". (p.104).

5.2.2.4 Repetições, paráfrases e inferências

Repetição, paráfrase (no texto 1B) e inferências foram as estratégias mais usadas por

adultos. A primeira, repetição, dá poucas informações sobre o processamento.

Os adultos realizaram muito mais operações semânticas como paráfrase e inferências do que as crianças, o que pode indicar que tiveram mais êxito em ligar o texto a seus conhecimentos prévios. Todavia, não se pode pressupor que a falha na compreensão das crianças seja devida à ausência de um conhecimento prévio relevante. No caso específico dos textos trabalhados, as crianças tinham conhecimentos gerais suficientes para estabelecer as relações necessárias ao entendimento. Provavelmente falharam por não saberem quando e como relacionar seus conhecimentos ao texto. Isso é uma questão de estratégias. Não usaram estratégias adequadas na mobilização de seus conhecimentos. Principalmente, parecem ter tido problemas com a realização de inferências.