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CAPÍTULO 5 DISCUSSÃO

5.2.1.2 Os erros

Em relação às respostas que foram consideradas erradas, é possível perceber que, principalmente as crianças, agiram apenas localmente, ou seja, consideraram que o

significado procurado encontrava-se no texto e por isso se apegaram a algumas partes e as apontaram sem buscar estabelecer relação com conhecimentos anteriores que tinham. Respostas aparentemente tão absurdas quanto filhote, lutador de luta livre, brotos de

árvores parecem poder ser explicadas dessa maneira. Os sujeitos que responderam assim

indicaram, como ponto para descoberta, marcas lingüísticas que são reveladoras de que a leitura deles ficou num nível bastante local43.

O sujeito NS42, por exemplo, afirmou é gavião, porque esse é o único animal que tem

aqui. Respostas desse tipo indicam que os sujeitos, além de não conectarem as várias partes

do texto que poderiam ser pistas para construção de significados, não conseguiram, também, relacionar o que leram a conhecimentos que já possuíam.

Para outros sujeitos que também erraram, algumas palavras ou sentenças do texto parecem ter servido como disparador de um modelo já construído. Isto é, os leitores consideraram mais os conhecimentos prévios que já tinham e desprezaram o texto. Há evidências de que o modelo acionado não considera o texto como um todo, mas apenas partes tomadas como relevantes. Afirmaram, por exemplo, que bugios são pássaros, porque são ameaçados pelo

gavião (CBP13); são insetos, porque comem plantas (CBP14); pingüins, porque fala de inverno (NS31). Em proporção bem menor, houve adultos que agiram como as crianças e

deram respostas que revelam estratégias semelhantes, como, por exemplo, dizer que são

ursos, porque gostam do inverno (LM30); ou dizer que são esquilos, porque se alimentam de frutinhas (LM48) e não precisam de muito espaço (LM49).

As respostas sugerem que, muitas vezes, o que leva o sujeito a acionar um modelo mental é uma marca isolada do texto, que se torna relevante porque se conjuga com um conhecimento anterior, por exemplo: inverno aciona urso, porque faz parte do conhecimento do leitor a informação de que ursos são típicos do inverno. No modelo de mundo de outro leitor, gaviões são predadores de pássaros, então, se bugios protegem os seus filhotes do ataque dos gaviões, é porque bugios são pássaros. A idéia de que gaviões são também predadores de mamíferos de pequeno porte não é tão difundida culturalmente

43 Essas marcas puderam ser levantadas a partir das respostas à questão Como você descobriu o que são bugios?

quanto a de ser predador de pássaro. E, assim, parece haver uma lógica na leitura dos sujeitos, devido a critérios bastante idiossincráticos de atribuir relevância a partir de elementos encontrados no texto. Uma vez acionado um modelo, parece ser muito difícil para alguns leitores reconfigurar esse modelo e incluir novas informações que poderão transformá-lo.

Uma mesma marca do texto pode levar os sujeitos a respostas diferentes, dependendo do modo como eles relacionam essa marca a seus conhecimentos anteriores. Por exemplo, para alguns, as expressões batendo no peito e roncando para amedrontar o adversário,

preocupação do macho em colocar o filhote nas costas, alimentar-se de brotos de árvores e frutinhas são suficientes para acionar seus conhecimentos e levar à resposta macacos. Para

outros, as mesmas expressões podem levar a respostas diferentes ou gerar dúvida, como é o caso do sujeito LM43 que diz talvez sejam macacos, micos, coalas, não sei.

Esses sujeitos também agiram num nível apenas local, isto é, não conseguiram conectar as várias partes do texto. Consideraram apenas um conjunto de marcas que julgaram relevantes, e essas foram suficientes para que eles acionassem um modelo qualquer presente em sua memória. Como o modelo acionado tornava, pelo menos subjetivamente, o texto coerente, não sentiram necessidade de relacionar outras informações. Esse parece ser o caso do adulto que responde lesmas, de outros sujeitos que responderam homens, urso

(coala), inseto, cupim. Nesses casos, o conhecimento anterior que os sujeitos tinham (ou

julgavam ter) foi mais forte do que tudo que eles leram no texto; por isso, desconsideraram todas as marcas que poderiam ser associadas, coerentemente, para construção de um significado e mantiveram-se fiéis a uma hipótese de leitura, sem testar outras. A coerência do conhecimento prévio ativado deu ao leitor a ilusão de que ele construiu um modelo coerente para o texto, mas o processamento do texto propriamente dito foi fragmentado.

Em suma, tornou-se evidente que há diferenças nas estratégias usadas pelos leitores para construir um referente para uma descrição definida, dependendo do grau de experiência deles. Ficou claro que experiência em leitura não está, necessariamente, ligada à escolaridade. Houve adultos que se comportaram como crianças e crianças que se comportaram como adultos diante dos textos. Alguns adultos, que têm, no mínimo, sete

anos a mais de escolaridade do que as crianças, usaram as mesmas estratégias que elas. Suas respostas são idênticas, o que sugere que devem ter seguido os mesmos caminhos. Nos dois experimentos, aqueles leitores (tanto adultos quanto crianças) que tiveram dificuldades em construir a cadeia referencial do texto tenderam a resolver seus problemas localmente, enquanto os leitores mais experientes tinham outros recursos que levaram à construção das respostas.

Os resultados do experimento 2, com o texto As causas da brancura, confirmam os obtidos com o experimento 1. Ao buscar as palavras usadas para substituir albinismo, por exemplo, as crianças e um pequeno grupo de adultos indicaram palavras que estão mais próximas desta, na página: modificação genética, células, fecundação, óvulo, espermatozóide. Dos que reconhecem apenas uma das expressões (o defeito ou a anormalidade) como elemento de retomada, a grande maioria apontou somente o defeito; o anafórico mais distante foi percebido por um grupo bem menor. A expressão esses genes, talvez por estar na posição de sujeito da terceira frase, também foi indicada como retomada de albinismo. Há indícios de que, principalmente para as crianças, foi difícil perceber, na cadeia referencial, marcas que expressam uma avaliação sobre o referente.