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Capítulo V: 2.ª Guerra Mundial (1939-1945)

V. 5. O impacto local do conflito

V. 5.2. Do agravamento local ao termo do conflito (1943-1945)

A partir de 1943, acentuam-se as dificuldades locais directamente associadas ao prolongamento internacional do conflito. Às questões relacionadas com as complicações inerentes à falta de géneros e seu elevado preço, salienta-se a realização, pela primeira vez, de manifestações de contestação social contra a escassez de produtos básicos.

V. 5.2.1. O fornecimento de géneros e os elevados preços

Com uma população, no período em estudo, de 52.000 habitantes, o fornecimento de géneros era realizado, mensalmente, com as seguintes quantidades: 18.180 quilogramas de bacalhau, 13.425 quilogramas de arroz, 26.550 quilogramas de açúcar e 16.355 quilogramas de massas489. Num relatório, elaborado pelo Ministério do Interior, sobre a situação nos concelhos do distrito de Lisboa, é colocada a hipótese de aumentar o fornecimento da quantidade de bacalhau e massa, assim como de regularizar o fornecimento de farinha e azeite, com o objectivo de colocar termo a apreensões existentes entre a população do concelho de Torres Vedras490.

Ainda no mesmo relatório, é referenciado que o preço dos géneros permanecia elevado na área em estudo, provocando a recusa dos assalariados rurais em auferir uma jorna diária inferior a 25$00, 30$00 ou 35$00491. Se forcarmos a análise na tabela dos preços médios dos géneros e demais produtos492, decretada pela câmara municipal,

487In A Voz do Concelho, Ano 8, N.º 85, 29/01/1942, p. 3, coluna 4.

488MATOS, Venerando, “Carnaval de Torres: uma tentativa de periodização” in Turres Veteras III: Actas

de História Contemporânea, Carlos Guardado da Silva (coordenação), Torres Vedras, Câmara Municipal

de Torres Vedras, 2001, p. 181.

489

ANTT/MI, Gabinete do Ministro, Correspondência recebida, cx. 95, mç. 537, “10.º Relatório” de 5/04/1943, p. 17.

490Ibidem. 491

Ibidem.

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constata-se, que é sobretudo a partir de Agosto de 1944, que se registam os aumentos mais significativos, abarcando os cereais e as leguminosas. A única excepção é o caso do azeite, cujo preço médio de venda é fixado, em Agosto de 1943, nos 770$00 cada decalitro, contrastando assim com o preço anteriormente tabelado de 50$00.

V. 5.2.2. O acentuar da escassez e as senhas de racionamento

O problema, relacionado com a carência de géneros alimentícios, continuou a agravar-se no ano de 1943. De acordo com o correspondente do novo jornal local, na localidade de Freiria, a falta de géneros há muito que era uma realidade, somando-se o encerramento do talho, dada a inexistência de carne e a especulação dos peixeiros493.

Um dos produtos, que mais rareava neste período, era o sal. Numa missiva, enviada por Teles da Silva, ao governador civil, no início de Março de 1943, o então presidente da câmara municipal alertava para a “…grande falta de sal nêste concelho…”, solicitando, junto daquela autoridade, a “…requisição de 2 vagons daquele produto…no Algarve…que tanta falta está fazendo”494. No entanto, a pretensão de José Maria Teles da Silva não foi atendida pelas autoridades de Lisboa.

O Verão de 1943 inaugurará a utilização de um sistema de senhas para a aquisição de produtos racionados, cuja aplicação, num primeiro momento, estava limitada ao azeite e óleo495. Encontrava-se ainda delineada, pela câmara municipal e Comissão Reguladora do Comércio de Torres Vedras, a ampliação do sistema de racionamento, a partir de 1 de Outubro, às massas, arroz, açúcar, bacalhau e sabão496.

V. 5.2.3. A contestação social de Julho de 1943 e de Abril de 1944

A documentação consultada, não indica, a realização de qualquer tipo de movimento grevista nos meses de Julho e Agosto de 1943. No entanto, constata-se a ocorrência de protestos contra a ausência de sabão, que culminaram, em dias consecutivos, em assaltos a estabelecimentos comerciais e respectivos armazéns.

493“Freiria…Há muito que aqui não ha à venda arroz, assúcar, bacalhau e outros géneros

alimentícios...O único talho que possui esta localidade, ha longo tempo que não abre. O peixe, quando aqui aparece, vendo-se por alto preço, na mais deshumana especulação…” In Notícias de Torres Vedras,

Ano I, N.º 19, 16/04/1943, p. 3, coluna 3.

494In ANTT/Arquivo Distrital de Lisboa, Governo Civil, cx. 131, ofício n.º 163 de 6/03/1943. 495

Idem, cx. 125, ofício n.º 584 de 21/08/1943.

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A 26 de Julho, um aglomerado de pessoas, salientando-se as mulheres provenientes dos meios rurais, concentrou-se no Largo de S. Pedro, zona da vila onde estavam situados os mais importantes armazéns abastecedores, exigindo sabão, cuja aquisição, de forma legal, era impraticável, dada a sua ausência no mercado local497.

A população em protesto suspeitava, que o sabão estivesse a ser açambarcado, pela firma Fonseca & Lisboa. Tal desconfiança motivou que alguns indivíduos assaltassem o aludido estabelecimento, desencadeando a intervenção das autoridades policiais, que confirmaram a “…a existencia de varias caixas de sabão condicionado para distribuição aos estabelecimentos retalhistas, e mais uma porção de caixas cuja existencia se apurou não ser legal…”498

. Foram apreendidas 62 caixas de sabão, enquanto as restantes foram entregues nos estabelecimentos retalhistas locais499.

No dia seguinte, Torres Vedras é novamente palco de tentativas de assalto a armazéns e mercearias, com o propósito de ser confirmado, por parte dos envolvidos, a existência de géneros açambarcados500. De acordo com o jornal Avante!, a população acabou por assaltar uma mercearia “…onde havia sabão e açúcar assambarcado”, obrigando assim as autoridades a intervir e a forçar a venda daqueles géneros501.

É ainda possível, identificar, a ocorrência de uma manifestação, em Abril de 1944, despoletada pela população da localidade de Maceira, freguesia de A-dos- Cunhados. Os habitantes, do mencionado lugar, deslocaram-se à câmara municipal de Torres Vedras, no propósito de reclamarem o fornecimento diário de 40 quilogramas de pão502. As autoridades locais acabariam por aceder às reivindicações dos manifestantes.

V. 5.2.4. O racionamento do pão

Tal como na generalidade do restante território nacional, o prolongamento do conflito agravou as condições de vida da população torriense, que a partir, do final de Fevereiro de 1944, teve de enfrentar o endurecimento do sistema de racionamento.

497SALES, António Augusto, Os Guardadores do Tempo, Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres

Vedras, 2007, p. 92.

498In ANTT/Arquivo Distrital de Lisboa, Governo Civil, cx. 131, ofício n.º 11 de 28/08/1943. 499In Ibidem.

500“No dia imediato, 27…voltaram novamente, varios individuos a tentar invadir outros estabelecimentos

para o mesmo fim...” In Ibidem.

501In Avante!, Série VI, N.º 38, 2.ª Quinzena de Agosto de 1943, p. 2, coluna 1.

502“O povo de Maceira foi em massa à Administração de Tôrres Vedras e conseguiu que lhe fôsse

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De acordo com o edital publicado no Notícias de Torres, Teles da Silva, na qualidade de presidente da câmara municipal e de presidente da Comissão Reguladora de Comércio Local, decretou a distribuição mensal, por cada pessoa, das seguintes quantidades de géneros: 500 gramas de açúcar, 225 gramas de arroz, 250 gramas de bacalhau, 290 gramas de massa, 250 gramas de sabão e meio litro de azeite503.

No que concerne ao pão, o seu racionamento foi decretado em fins de Julho de 1944. O edital definia diferentes valores de fornecimento consoante os casos: público geral, trabalhador rural e entidades colectivas. No que se refere à generalidade dos clientes, cabia às padarias “…mesmo sem cartas de racionamento, fornecerem uma certa quantidade de farinha de pão a cada cliente dentro do limite do seu actual contingente de farinha...”504

. Haveria que distinguir o trabalhador rural masculino, “…a quem devem ser atribuídas – quando possível – 500 gramas de pão por dia”505.

Por fim, para as entidades colectivas, onde se englobavam os hotéis, as pensões ou as casas de pasto, as disposições resumiam-se à suspensão de venda de pão fora das padarias e armazéns, ao fornecimento aos hotéis e pensões de pão de 1.ª qualidade, com um limite de 46 gramas ao almoço e jantar, e 93 gramas ao pequeno-almoço, abastecimento de pão de 2.ª às casas de pasto, que apenas poderiam servir em cada uma das duas principais refeições diárias, ¼ de um limite máximo de 295 gramas, e à proibição de venda de pão para consumo no período fora dos horário das refeições506.