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Do Código de Menores de 1979 à Constituição Federal de 1988

3 ADESÃO DO BRASIL AOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE DIREITO

3.1. A AÇÃO JURÍDICA ENQUANTO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO

3.1.3 Do Código de Menores de 1979 à Constituição Federal de 1988

Os pressupostos da Política do Bem-Estar do Menor sofreram desdobramentos cada vez mais voltados à repressão do desvio e consolidou seu viés repressivo com a referência ao código de 1979.

No final da década de 70, com a Reforma do Código Mello Mattos, há uma reavaliação do atendimento aos “menores”, propondo um atendimento ao “menor” considerado em situação irregular. Nessa perspectiva, é promulgado o Código de Menores de 1979 que, segundo Couto (1998), continuava classificando a questão do abandono ou da delinquência como uma situação de classe social, voltado para crianças pobres (SILVA, 2001, p.9).

A partir do Código de Menores18 (CM), repactuado em 1979, temos um passo atrás referenciado aos pressupostos colocados anteriormente. O processo de violação dos direitos civis e políticos de crianças e adolescentes foram fortalecidos na autocracia burguesa, principalmente em relação ao “princípio” da situação irregular, com uma expressiva separação entre crianças: objeto do direito civil, incluídas e protegidas pelo Estado e pela organização familiar e os “menores” em situação irregular: despossuídas de direitos, não adequadas ao movimento do discurso universal da família monoparental burguesa.

FIGURA II – “Menor” em situação irregular

Fonte: Artigo de jornal.

Na dicotomia entre criança e “menor” revelam-se as expressões da questão social, o espaço social, político e econômico em que os trabalhadores estão inseridos no contexto de acumulação do capital, das contradições entre as riquezas produzidas no país e as condições

18Lei n° 6.697, de 10 de Outubro de 1979.

de vida da população.

O CM, elaborado em substituição ao anterior “Código Melo Mattos” 19, nasce na contramão do debate internacional, em pleno processo de debate da reforma do instrumento com o ano internacional da criança, em 1979, momento em que se apresentou uma primeira proposta de renovação da Convenção Internacional de 1959. Dá-se fora do contexto nacional e internacional, internamente, em um momento de crise política e econômica contra a ditadura e na reação da sociedade contra as violações de direito e no plano internacional, com a nova formulação da Convenção e a formação do Grupo de Trabalho que desembocou na Convenção atual, mas internamente, naquele período, não houve ressonância.

O novo CM, de 1979, traz em seu interior uma doutrina de “menor” em situação irregular, esse arcabouço elencava as condutas de crianças que estivessem dentro de um pressuposto jurídico e não se adequavam às normas determinadas pela legislação, claramente de viés repressivo e coercitivo. Tinha como pretensão tutelar a população pobre e reprimir os anseios da juventude mais empobrecida. A primeira pretensão seria o atrativo da institucionalização por questões relacionadas aos padrões de ordem econômica, o que já era uma prática desde a PNBEM, com a oferta de apoio e cuidado das crianças, educação e profissionalização que as famílias não podiam arcar. O outro objetivo seria o de desviar o potencial dos/as adolescentes da organização social e política via criminalização da pobreza. O que se procedeu à subsidiada pela legislação que continha uma série de condições que condicionavam a ‘Situação irregular’. Essas questões vão se estender e fundamentar a PNBEM, que representou os ideais dos militares, em um momento político que recrutava legitimidade.

Neste contexto, as entidades de atendimento a partir da FUNABEM e das FEBENs, foram de fundamental importância para dar o suporte institucional, conhecidas por seu atendimento coercitivo e pelos maus tratos.

De acordo com o psicólogo, Benedito Adalberto Boletta de Oliveira, que atuou em entidades de atendimento, em seu artigo sobre a análise crítica da FUNABEM, a ideologia existente por baixo da institucionalização, era a da Escola Superior de Guerra, a partir da Lei de Segurança Nacional. Inclusive com programas determinados para o fim.

Na FUNABEM, do Rio de Janeiro, criou-se um programa chamado Brasil Jovem, que foi denunciado na "Folha de São Paulo" pelo jornalista Carlos Alberto Luppi. Este programa tinha uma inspiração fascista e seu objetivo era formar quadros de "Novos Adolescentes", segundo normas disciplinares

rígidas, com estilo militar, para posteriormente serem utilizados em funções disciplinares (1988).

Esse período fortaleceu a institucionalização e o caráter jurídico de atenção à criança e à família, através de entidades públicas e privadas, chegando ao seu potencial máximo no período pós-promulgação do CM, quando as entidades e os recursos públicos já não davam conta do número de crianças e adolescentes atendidos em todo país.

O processo tende a se exaurir e de acordo com dados da FUNABEM, no triênio1987- 1989, crianças e adolescentes de 7 a 18 anos, atendidos pelas instituições e acrescidos daqueles de 0 a 6 anos que se encontrarem sob tutela judicial, calcula-se que o número dessas crianças e jovens estivessem em torno de sete milhões, considerando a população total naquele período, expressando o aprisionamento dos filhos da classe trabalhadora no país (FUNABE, 1987). As políticas públicas no período se basearam principalmente na institucionalização e no atendimento assistencial, através da LBA e programas assistenciais pontuais.

Importante considerar que a crise econômica do final da ditadura militar aflorou as contradições deixadas pelo projeto político e econômico, fazendo emergir amplamente a reação da sociedade, por melhores condições de vida e políticas públicas, por direitos humanos civis e políticos e a inserção de outros grupos identitários e no campo da política.

A realidade expressa a reformulação dos movimentos sociais que se rearticularam, principalmente a partir das questões objetivas, referentes à escassez de recursos nas políticas públicas, que se tornaram obsoletas frente às expressões da questão social.

Essas contradições se expressaram através de condições como o desemprego e o reordenamento produtivo iniciado no período, os altos índices inflacionários, que sucumbiram o poder de compra da população e a ausência de equipamentos e políticas públicas que acompanhassem esse processo, notadamente na área urbana.

Na área rural, havia quase ausência de políticas públicas, a partir de um modelo de agricultura voltado para a monocultura e da concentração de terras, através de concessão a setores privados e o cerceamento aos pequenos produtores. Em suma pela ausência de condições de sobrevivência no campo a população migra para as cidades em busca de melhores condições de sobrevivência. No entanto, pela falta de qualificação para o trabalho urbano industrial e setores de serviços e do exaurimento dos espaços de trabalho, há um considerável aumentando da reserva de trabalhadores, que são úteis para o capital. Por outro lado, há uma mobilização por parte dos trabalhadores mais organizados, a partir dos

sindicatos e em todo o país surgem focos de enfrentamento ao modelo instaurado.

O decorrer dos anos de 1980 foi de amplo processo de luta por democracia, porém no campo econômico se expressou de forma pífia, com altos índices de inflação e de baixo crescimento econômico. Na política da criança e do adolescente a situação não difere da década de 1970, o que os diferenciam são as mobilizações voltadas para o encerramento do modelo coercivo institucional da PNBEM e a reorganização dos movimentos e profissionais em torno dele.

Nesse sentido, se faz necessário um recorte frente às mobilizações da década de oitenta e dos movimentos sociais advindos deste processo e os determinantes políticos que influenciaram a intervenção da sociedade civil organizada.

3.2 CONTEXTO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: os anos 1980 e a participação política