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3 ADESÃO DO BRASIL AOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE DIREITO

3.3 DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PÓS 1988: desafios das conquistas

3.3.1 Formulação e implementação das políticas sociais de crianças e adolescentes

3.3.1.3 Saúde

A atenção de saúde à criança e adolescente está disposta no ECA desde sua concepção, com a proteção à vida, à gestante e à nutriz, garantindo atendimento gestacional gratuito e complementar e os dispositivos gerais de acompanhamento à criança, o direito à amamentação, às vacinas, acompanhamento médico da gravidez e por toda a infância e a primazia no atendimento.

As proposições da saúde passam por um processo de crise institucional e política, haja vista que seu caráter contributivo, fortemente alicerçado pelas grandes empresas de saúde complementar que, ao longo dos anos de 1990, tomaram o mercado, além das formas veladas de privatização dos serviços públicos de saúde, com o argumento de desburocratização das ações governamentais. A saúde expressa em maior grau a vinculação da política social com o mercado e o que pode proporcionar de concentração de lucros e riquezas.

O histórico da política de saúde tem, em seu interior, diversos processos estabelecidos, desde a ação filantrópica, herdeira de uma saúde baseada na assistência voluntária, passando por iniciativas de maior organização no início do século 20, com o advento da formação de uma camada de trabalhadores do setor cafeeiro. O marco deste processo se deu com a campanha higienista de Carlos Chagas e o contexto político ali apresentado, posteriormente entram em cena as primeiras iniciativas de articulação entre a previdência e a saúde através das Caixas de Pensões (CP), através da Lei Eloi Chaves. As CPs foram financiadas pelo governo central junto às empresas e trabalhadores, organizados de acordo com os pressupostos da contribuição entre as partes, com cobertura de saúde e previdência. As exigências impostas pela política eximiram o Estado de sua responsabilidade e excluiu a maior parte da população do direito a saúde.

A década de 1930 já se expressa de acordo com a dinâmica de uma sociedade industrializada, onde as contradições entre capital e trabalho se apresentam de forma mais complexas e o Estado se redefine de acordo com essas exigências, dando um suporte nas ações de enfrentamento às desigualdades de forma a conter as tensões sociais e a responder as demandas dos trabalhadores, através de políticas sociais.

Essa conjuntura representou um novo momento na estrutura do capital e do Estado, onde as respostas no campo das políticas sociais ultrapassaram os limites nacionais no corpo do Estado.

As questões sociais em geral e as de saúde em particular, já colocadas na década de 20, precisavam ser enfrentadas de forma mais sofisticada. Necessitavam transformarem-se em questão política, com a intervenção estatal e a criação de novos aparelhos que contemplassem, de algum modo, os assalariados urbanos, que se caracterizavam como sujeitos sociais importantes no cenário político nacional, em decorrência da nova dinâmica da acumulação. Este processo, sob o domínio do capital industrial, teve como características principais a aceleração da urbanização e a ampliação da massa trabalhadora, em precárias condições de higiene, saúde e habitação. (BRAVO, p.4).

No interior da política de saúde já estava inserida sua natureza privatista, privilegiando as organizações médicas e sinalizadas com a divisão sociotécnica do trabalho alavancada naquele período. A natureza empresarial da medicina já estava posta na possibilidade de empreender, junto ao Estado, a oferta de produtos, medicamentos e tecnologia. Correspondendo a uma das características do capitalismo tardio, reconfigurando as ações desempenhadas pelo Estado e exercendo a função de impulsionador de investimentos do capital.

Articulou em um único instituto as caixas de pensão, reforçando o caráter contributivo do direito à saúde, alijando a população fora do mercado de trabalho. A ditadura militar retirou este pressuposto universalizando o direito à saúde. Essa determinação tinha como princípio retirar dos trabalhadores sua função participativa e atribuindo somente a contributiva à previdência, além de ampliar as condições de mercantilização da saúde através da opção curativa e da construção de grandes empreendimentos.

A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1986, realinhou as definições da política de saúde, através de ampla participação social. Esse processo priorizou a definição do reconhecimento da forma de organização da produção na sociedade e das desigualdades nela existentes que incidem sobre a saúde das pessoas.

O movimento sanitarista da década de 1980 não se definiu enquanto hegemônico, com a ascensão do projeto neoliberal sofre diretamente os ataques privatistas, ampliando sua capacidade mercadológica, recuperando as bases anteriores e ampliando junto à prestação de serviços aos trabalhadores, cooperativas médicas e de serviços e outras formas de expressão do capital.

Para garantir essas políticas junto à população infanto-juvenil e os determinantes das contradições apresentadas frente à legislação e a aplicação, nos referimos ao artigo 86 do Eca, que estabelece as formulações do enfrentamento das questões sociais em que “ A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”. O que compreendemos ser um dos fundamentos do SGD, a partir de 2006, terá um escopo próprio determinando as atribuições e responsabilidades dos entes federados e das esferas de poder, assim como da sociedade civil. Nesse sentido, iremos analisar, no próximo capítulo, as questões referentes ao SGD e o papel da sociedade civil no processo, sua interferência e viabilidade quanto ao fortalecimento das políticas a partir da resolução pertinente.