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ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS

2 A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO MODERNO

2.1 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS

recorrer ao debate do papel da sociedade civil e do Estado nesse processo, além das concepções clássicas liberais e democráticas burgueses, configuradas por normas e imperativos jurídicos.

A nova função do Estado e da sociedade moderna demandaram princípios políticos, econômicos, sociais e filosóficos que determinaram as condições históricas favoráveis para o estabelecimento e a manutenção do capitalismo. Os conceitos de liberdade e igualdade e do Estado de Direito se orientaram de forma ideológica para fortalecer as bases da sociedade surgente, concepções teóricas e os subsídios necessários para a manutenção do novo modo de vida. Porém, a dinâmica social permite elementos de levante e categorias da crítica para as classes subalternas, a partir das lutas sociais, movidas pelas próprias contradições ideológicas e materiais.

O Estado moderno, pressuposto da associação de indivíduos que abrem mão de sua liberdade natural para a proteção realizada pelo soberano, é garantidor de todos os diretos naturais, na consagração de uma estrutura que se propõe a preservar os direitos dos indivíduos, formatando direitos mínimos dos indivíduos.

O referencial liberal, nascedouro dos direitos humanos, se debruçara em conciliar os pressupostos da liberdade e da igualdade, considerando que seus princípios básicos, se estabelecem na implementação dos direitos fundamentais da pessoa humana no contexto sócio- político e econômico em que foi gestado. Na afirmação, uma trajetória histórica demarcada por dois aspectos: o primeiro, visando à garantia das condições mínimas para a preservação da dignidade humana a todos os indivíduos, respeitando as leis e regras pactuadas pelo corpo da sociedade; no segundo, pela restrição do poder do Estado sobre indivíduos ou grupos. Condições que expõem o caráter do liberalismo, na primazia da liberdade sobre a igualdade e as contradições entre ambos.

As declarações de direitos das colônias dos Estados Unidos não consideravam os escravos como titulares de direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa não considerava as mulheres como sujeitas de direitos iguais aos dos homens. Em todas estas sociedades só podiam votar os homens adultos e ricos; as mulheres, os pobres e os analfabetos não podiam participar da vida política. Neste período, enquanto na Europa proclamavam-se os direitos universais, tomava um novo impulso o grande movimento de colonização e de exploração dos povos extra-europeus; assim, a grande parte da humanidade ficava excluída do gozo dos direitos (TOSI, s.d, p.4).

Os levantes dos trabalhadores rompem com a tradição da igualdade liberal, ao introduzirem direitos novos e abrangentes reforçadas pelas contradições advindas do capital, cunhando formas de combatê-lo. As desigualdades econômicas e sociais criadas pelo capitalismo exigiram além da igualdade restrita, direitos concedidos através de leis.

Os movimentos dos trabalhadores tiveram como referência novos direitos, incorporados pelo Estado em um novo conjunto de relações entre o capital e o trabalho, incorporando em seu bojo os movimentos de classe, de socialistas e a difusão de movimentos por direitos humanos e democracia. Esses movimentos se expressaam sob diversos matizes, incorrem nas concepções de direitos de igualdade e justiça, com concepções políticas no interior do projeto burguês, e os de caráter revolucionário voltam-se ao rompimento das condições sócio-históricas da sociedade burguesa enquanto referência no socialismo real.

As correntes baseadas na crítica radical a Marx confundiu-se com o processo revolucionário do marxismo-leninismo remetendo aos direitos humanos estritamente aos direitos burgueses, restritos aos direitos econômicos e sociais. Em suas bases, o indivíduo perde sua referência na substituição dos interesses da coletividade, representado pelo Estado, negando a existência humana.

Assim, indivíduo burguês seria algo essencialmente diferente de indivíduo proletário. O primeiro, com todos os seus atributos, inclusive jurídico- político, se constituiria no pólo regente da sociabilidade. O segundo só teria sentido na medida em que tivesse como pólo regente a comunidade, representada pela sua classe. Em conseqüência, a superação da sociedade burguesa pelo socialismo deveria significar a supressão do indivíduo, com todos os direitos que lhe eram inerentes. [...] A partir de então, os direitos não seriam mais direitos do indivíduo, mas direitos atribuídos pelo Estado. Como se sabe, a revolução soviética, feita em nome do marxismo e com o intuito de instaurar o socialismo, degenerou em uma brutal ditadura, na qual o indivíduo ficava inteiramente à mercê do poder do Estado (TONET, 2002, p.6).

Na divisão geopolítica e em meio ao marxismo-leninismo, a Europa, atravessada por processos de guerras mundiais, foi irrompida pela social democracia6, que em linhas gerais, respeitando os idos das lutas ideológicas em seu interior, propôs um reordenamento do pensamento revolucionário para uma convivência no contexto do capitalismo, aperfeiçoando as condições da justiça social e dos direitos humanos a partir de condições democráticas, enquanto forma estratégica para uma transição ao socialismo e pela pactuação entre capital e

6 As concepções impostas no interior da social democracia são construções ideológicas da luta de classe e possuem um processo histórico, de embates políticos e que devem ser compreendidas em sua totalidade, para não induzir a um entendimento reduzido das elaborações históricas e políticas desse processo.

trabalho, através do salário direto e da remuneração social, que irrompe nas políticas de bem estar social e na reafirmação dos direitos civis e políticos.

O referencial de direitos humanos se fortalece na Europa, principalmente no processo pós segunda guerra mundial, com a proclamação do contrato social moderno e o principal instrumento, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, que reformulou os alicerces para uma nova convivência humana, na tentativa de reordenar os poderes que as nações têm em relação às outras nações e dos líderes em relação aos cidadãos.

Neste contexto de conflitos armados, de reordenamento da vida social e contradições, ampliadas pelo capitalismo monopolista, a social democracia introduz um novo conjunto de direitos, em um processo democrático socialmente estabelecido em suas dimensões a partir dos direitos, civis e políticos, econômicos, sociais, culturais e outros, que se elevam a condição de universalidade, indivisível, interdependente e inter-relacionada.

Os direitos humanos se relacionam com a sociedade civil na perspectiva de ampliação do Estado indicando sua afirmação e implementação. Na relação entre o Estado e todos os pressupostos que o cercam, suas contradições e formulações econômicas e políticas do capitalismo monopolista a sociedade civil impele por um lado enquanto condição da correlação de forças e, por outro, é solicitado a executar parcela das ações destinadas ao Estado.

Os direitos se estabelecem nas relações que os homens travam na sociedade, enquanto resultado das lutas pela emancipação e “‘das transformações das condições de vida que essas lutas produzem’; os direitos” (BOBBIO, apud BACCELLIL, 2013, p. 111). O Estado universal pressupõe um cidadão com direitos universais, ampliando as condições de direitos.

Nesse processo, uma condição se estabelece historicamente, na geração de direitos, de acordo com a condicionalidade dos fatos e das condições em que se dão. Ao longo da segunda metade do século XX reafirmam-se os direitos de proteção, voltados às especificações, em relação ao gênero e se fortalecem os direitos geracionais, direcionados à condição e existência humanas.

Ao considerar a geração de direitos, a partir das etapas de desenvolvimento, remetem aos princípios de sua formação desde a constitucionalização dos Estados liberais e consolidados pelos Estados democráticos e os direitos civis, políticos e sociais. “(...) surgem, em seguida, os direitos que Bobbio chama da terceira geração, - começando pelos direitos ecológicos – e da quarta geração, reativos à tutela do patrimônio genético” (2013, p. 111).

O conceito de direitos humanos reconhece debates contemporâneos de diversas vertentes, desde as referências de esfera publica em Hannah Arendt, o pensamento “liberal” democrático de Bobbio e os princípios do multiculturalismo de Boa Ventura de Souza Santos. Nessa perspectiva, há um redirecionamento teórico na política dos direitos humanos, ampliando o conceito, conferindo e reafirmando a universalidade e convivendo com as diversas vertentes de pensamento. Além disso, o reordenamento jurídico que concretiza o direito internacional, materializado pela ONU, os Estados Parte e suas ramificações, de acordo com a diversidade de interesses em que se postam o projeto hegemônico e as contradições que o acompanham.

2.2 RECONHECIMENTO DA INFÂNCIA E OS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO