• Nenhum resultado encontrado

3. A CONSTITUIÇÃO DO SABER ARQUIVÍSTICO NO BRASIL, p

3.1 Do conhecimento prático ao conhecimento científico, p

Realizando uma leitura dos trabalhos que discutem a história da Arquivologia, entendemos que a arte de organizar da documentação oficial surge junto com as primeiras organizações sociais dentro do aparelho administrativo do Estado. Os primeiros arquivos na antiguidade reuniram já ingredientes que tornaram parâmetros e que ainda hoje são defendidos pela Arquivologia, tais como a existência de aspectos orgânicos, além de cuidados com a identidade e a autenticidade dos próprios documentos.

Por um longo tempo foi este o alicerce do fazer arquivístico, como entendeu Weber (WEBER25, 1979 apud FONSECA, 2005, p. 38), para quem o trabalho e a administração do Estado moderno se baseiam em documentos escritos. Por este motivo é que serão os “burocratas dos papéis” os primeiros a discutirem acerca das melhores práticas e métodos de organizar a documentação, tendo como objetivo o maior controle do Estado sobre a sociedade. Isso significa dizer que o que conhecemos como Arquivologia, nasceu de um conhecimento prático dentro da máquina estatal, como um mecanismo de ordem e controle da sociedade (FONSECA, 2005, p. 38).

Para Fonseca (2005), a importância da “revolução arquivística” origina-se do fato dela ter ocorrido juntamente com a revolução liberal francesa iniciada no fim do século XVIII, tendo em vista que uma administração foi criada para cobrir toda a rede de repartições públicas e sua produção documental. Pela primeira vez o Estado reconheceu sua responsabilidade em relação aos cuidados com o patrimônio documental por ele produzido, bem como afirmou o direito público de acesso aos arquivos.

Antes do século XIX, cabia ao arquivista o serviço da organização dos arquivos para fins administrativos; a partir do século XIX, a Arquivologia passa a ser entendida como uma área auxiliar à História. Com o século XX, o crescimento da idéia de sociedade da informação favoreceu a emergência desse saber como disciplina específica. Para Malheiros et alii (1998) os arquivos, a partir da década de 1980, passam a ser vistos como parte de um sistema de informação, aproximando a Arquivologia das Ciências da Informação - é o início da fase científica da Arquivologia.

Na realidade a visão dos autores portugueses reflete uma tendência muito específica e que se espalhou no Brasil em boa parte dos cursos de graduação em Arquivologia e na Tabela de Áreas do Conhecimento - TAC - do CNPq, a concepção da Arquivologia ligada, e sub- categorizada hierarquicamente, à Ciência da Informação26. Esta concepção de Arquivologia não é unânime, recebe críticas e atualmente há uma tentativa de ser revista, principalmente junto a TAC e o CNPq. O fato é que muitos dos cursos de graduação em Arquivologia, sendo o caso de dois dos três cursos a serem analisados nesta pesquisa, fazem parte dos Departamentos de Ciência da Informação em suas respectivas instituições.

Retomando ao debate, Fonseca e Jardim (1999) observaram no Brasil a partir da década de 1950 e 1960 uma mudança, tímida e lenta, onde o “pensar arquivístico” deixa de ser monopólio apenas dos funcionários administrativos do Estado, direcionando tais prerrogativas também à academia. É nesta perspectiva que Couture et alii (1999) relataram que a criação dos cursos de graduação em Arquivologia teria sido o grande marco definidor dos rumos da pesquisa na área, propiciando uma cultura de produção de conhecimento arquivístico. A atividade de pesquisa não necessita apenas de dinheiro e cérebro, mas exige também uma cultura, um ambiente e um meio que favoreça ao máximo seu resplendor.

Foi dentro da academia que se propagou o discurso cientificista da Arquivologia e que, para além de uma gestão do documento (suporte), deveria realizar a gestão informacional desses documentos. Tais mudanças apontam para um novo horizonte da área, daí brotando a idéia de que o arquivo agora não é apenas uma máquina do poder do Estado, mas ao contrário, onde o “pensar arquivístico” hoje, mas do que nunca, ajuda a pensar a sociedade.

No entanto, essa posição é questionada, tendo em vista, que para a sociedade a Arquivologia continuou sendo um trabalho essencialmente braçal na organização de papeis “velhos e mortos”, ou pior, documentos que sequer sabem o que são e para que servem. Tais

26

Disponível em: http://www.capes.gov.br/avaliacao/tabela-de-areas-de-conhecimento. Acesso em: 27 dez. 2012.

questionamentos fazem-nos pensar: será que realmente se está produzindo conhecimento científico? Será que os cursos de Arquivologia estão produzindo algum conhecimento socialmente reconhecido? E por fim, será que dentro da academia o pensar arquivístico está realmente ligado ao fazer arquivístico?

Em 2008 realizei uma breve análise nos currículos Lattes dos docentes do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense27, onde se constatou que: dos 23 docentes relacionados no site do Departamento de Ciência da Informação (curso de Arquivologia e de Biblioteconomia), apenas sete possuíam projeto de pesquisa em andamento, ligados a UFF e/ou particulares, envolvendo o fazer arquivístico ou bibliotecônomico. Cabe ressaltar que onze eram doutores, nove mestres e três especialistas e que apenas dois não possuíam regime de dedicação exclusiva.

Jardim (1999) apresentou, em fins da década de 1990, algumas reflexões importantes para pensarmos a produção de conhecimento arquivístico. Ele verificou a inexistência de periódicos exclusivos à Arquivologia no Brasil, o que acabava por refletir num grave problema de comunicação científica no campo. Percebeu também uma média anual de publicação de artigos, comunicações e relatos de experiências entre autores nacional extremamente baixa e concentrada, sendo 35% dos autores, predominantemente docentes universitários, responsáveis por quase 60% dos trabalhos. Por outro lado, apesar do predomínio de docentes universitários na publicação de trabalhos, o número total estava aquém do desejado, refletindo a quase inexistência de pesquisa nos cursos de Arquivologia. E finalmente, apontou a baixa quantidade de graduados da área com trabalhos publicados, conotando talvez, uma falha na formação proveniente pelo não contato com pesquisas científicas.

Couture, Martineu e Ducharme (1999) sinalizaram também em 1999 na França essa mesma problemática, deixando evidente que este pequeno número de pesquisas acadêmicas deve-se à deficiência numérica de pesquisadores, além da natureza ainda marginal das atividades de pesquisa e das dificuldades de se obter financiamento institucional. Todavia, a pesquisa realizada em 2008, com os docentes do Departamento de Ciência da Informação da UFF, refuta a explicação dos canadenses, tendo em vista que mesmo com o alto número de doutores e de regime de dedicação exclusiva no departamento, o número de pesquisa realizada era baixo.

27 Pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2008 como trabalha final da disciplina Fundamentos Arquivísticos II, ministrada pela então professora Lúcia Veloso, no curso de Arquivologia pela UFF.

Será que os baixos números de docentes envolvidos com pesquisas acabam por refletir na produção científica? Como está hoje essa produção de conhecimento arquivístico, quais são as temáticas mais comuns? Qual o envolvimento desses docentes com os eventos de comunicação científica? Estas e muitas outras perguntas se fazem pertinentes.

Como podemos observar, há pouco mais de dez anos atrás, a Arquivologia enquanto campo científico era alocado perifericamente, não constituindo o foco central, ou seja, as discussões atinham-se muito mais ao percurso da profissão arquivística do que à Arquivologia como um campo científico (JARDIM, 1999).

Todavia algumas ações mais recentes buscam contribuir nesta mudança, por exemplo, as duas edições da Reunião Brasileira de Ensino e Pesquisa em Arquivologia –REPARQ - que, além de reunir e consolidar os debates voltados ao ensino e pesquisa tem o objetivo de criar a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Arquivologia. Outra importante conquista foi a criação do primeiro programa de pós-graduação em Arquivologia, o Programa de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e Arquivos – PPGARQ - da Escola de Arquivologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Assim sendo, esta pesquisa busca mapear a produção de conhecimento arquivístico dos docentes ativos e atuantes dos três cursos de graduação em Arquivologia mais antigos do Brasil, Universidade Federal de Santa Maria (RS), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (RJ) e Universidade Federal Fluminense (RJ).