• Nenhum resultado encontrado

3.1 – Do “Eu” solitário ao “Eu” aprendente

A nossa carreira profissional, como já foi referenciado anteriormente, iniciou-se no ano letivo de 1987/1988, na Escola Secundária de Tondela. Chegámos à “escola pública” trazendo no nosso horizonte a grande vontade de aprender e de saber se éramos capazes de desempenhar a “profissão de professor” (Nóvoa, 2008).

Estávamos conscientes que “ser professor” é muito mais do que ser um técnico que se limita a aplicar corretamente um conjunto de diretivas; é, acima de tudo, e como refere Sacristán (2008), um profissional que se interroga sobre o sentido e a pertinência de todas as suas ações e decisões no âmbito da educação, pois “assumir a dimensão profissional da actividade docente implica considerá-los capazes de definirem o seu próprio programa de desenvolvimento profissional” (p.76).

Assim, era necessário sermos capazes de definir, de construir, de implementar a nossa ação educativa, bem como traçar o nosso programa de desenvolvimento profissional…o que seria necessariamente um grande desafio, pois a nossa formação de base não tinha contemplado nenhumas disciplinas do ramo educacional, nem tão pouco o contacto com os alunos em contexto de sala de aula, a construção de planificações e de outras ferramentas pedagógicas.

Mestrado em Ciências da Educação 102 Então, estávamos perante um “professor principiante” e de um “Eu solitário”, não solitário como alguém que, possuindo uma formação inicial de professor, se “isola na sala de aula”, se fecha numa “solidão defensiva”, causada por uma certa insegurança e medo de partilhar e de “dar voz às suas opiniões e sugestões” (Sá-Chaves & Amaral, 2001, pp.81-82), mas sim, devido ao facto de não possuirmos a chamada formação inicial de professor: estágio pedagógico.

O nosso início de carreira foi construído dentro da organização educativa, “aprendendo fazendo”, dia após dia, sempre com a preocupação de saber observar, de saber diagnosticar/identificar as nossas necessidades e dificuldades, de saber procurar ajuda, de saber fundamentar as nossas preocupações e experiências profissionais, de saber construir/planificar a nossa ação educativa, ou seja, de quebrar o nosso isolamento, resultante da não existência de “formação inicial de professores” e promover o “saber fazer”, o “saber ser”, o “saber estar” em contexto de sala de aula e da organização escolar onde trabalhávamos diariamente.

Nesse sentido, o contacto/trabalho/diálogo com os nossos colegas e principalmente com a nossa delegada de grupo disciplinar foram determinantes para o crescimento e a melhoria da nossa atividade profissional. Houve, por parte da nossa delegada, um olhar atento e supervisivo, sempre que solicitávamos a sua ajuda/opinião/orientação. Percebeu que queríamos ser orientados, que solicitávamos a sua ajuda e sabedoria, ou seja, que queríamos aprender e melhorar – investir na nossa formação e reflexão partilhada, com a finalidade de promover a anulação do ser solitário a que nos referimos anteriormente e transformarmo-nos num “Eu” aprendente. “Só o Eu se aprende a si próprio. Como sujeito que se questiona a si mesmo, o eu consegue a autonomia” (Habermas, n.d, citado por Alarcão, 2000, p.172).

A nossa autonomia foi sendo construída a partir da crescente capacidade de sabermos refletir na ação, sobre a ação e para a ação, o que demora tempo e requer continuidade, pois o pensamento reflexivo é uma capacidade que tem que ser estimulada e trabalhada de forma contínua. O conceito de autonomia na aprendizagem, segundo Holec (1989, citado por Alarcão, 2000), está relacionado com a capacidade de gerirmos a nossa própria aprendizagem, o que implica sermos capazes de definir “objectivos pessoais, organizar e gerir tempos e espaços, auto-avaliar e avaliar processos, controlar ritmos, conteúdos e tarefas na sua relação com os objectivos a seguir, procurar meios e estratégias relevantes” (p.178).

Mestrado em Ciências da Educação 103 O desafio foi, e continua a ser muito exigente e permanente pois defendemos que a aprendizagem e a formação, baseadas na investigação-ação, têm que se desenvolver ao longo de toda a vida e num clima de reflexão partilhada e supervisiva, pois, como refere Alarcão (2000), quem não se sentir atraído pela vontade de mudar e inovar, não será certamente um professor autónomo.

Consideramos que, recorrendo a estratégias de reflexão e de auto-supervisão, estaremos mais aptos para analisar as nossas práticas (dentro e fora da sala de aula), a forma como os nossos alunos assumem a sua própria aprendizagem (metacognição), as necessidades e estratégias de apoio à aprendizagem mais eficazes para o nosso público- alvo, a forma como gerimos, flexibilizamos, adaptamos todos os tipos de programas/currículos às especificidades e necessidades dos nossos alunos, entre outras.

Por outro lado acreditamos que o “Eu” aprendente só se pode concretizar em pleno, se formos adquirindo ao longo da nossa carreira profissional uma sólida, exigente e contextualizada formação contínua de professores, “a formação é um fazer permanente (…) que se refaz constantemente na ação. Para se ser, tem de se estar sendo” (Alarcão, 2000, p.187).

Iremos desenvolver e contextualizar esta nossa opinião no ponto seguinte. Por último, é de registar, que nunca tivemos a oportunidade de sermos sujeitos à observação de aulas em contexto de supervisão pedagógica e/ou formação inicial, ao longo de toda a nossa carreira profissional. Saliente-se que, apenas no ano letivo de 2010/2011, fomos sujeitos à observação de duas aulas, em virtude de termos solicitado esta observação no âmbito da ADD.

Este processo foi um momento único, não de reflexão, de diálogo e de promoção da nossa melhoria profissional (apenas se reduziu à observação e avaliação de dois momentos estanques de aulas, tendo o nosso supervisor ”debitado” a apreciação das mesmas nas grelhas existentes para o efeito), mas sim para permitir ao nosso “Eu” mais um momento de autorreflexão, “a auto-reflexão é intuição e emancipação, compreensão e libertação de dependências dogmáticas” (Habermas, n.d, citado por Alarcão, 2000, p.172), de autoanálise e de autoavaliação, recorrendo ao cruzamento com um “olhar externo” da nossa atitude e desempenho “em ação”, face a um determinado grupo-turma.

Apesar de esta experiência profissional ter sido avaliada com uma pontuação máxima na dimensão “desenvolvimento do ensino e da aprendizagem”, no tocante aos domínios referentes à observação de aulas, considera-se que esta experiência, nos

Mestrado em Ciências da Educação 104 moldes em que foi implementada, não promoveu nenhuma melhoria no tocante à nossa atividade profissional diária.

Se não tivéssemos requerido a observação de aulas, poderíamos afirmar que, num percurso profissional de vinte e seis anos, nunca tínhamos tido a experiência profissional em supervisão pedagógica que integrasse a observação em contexto de sala de aula. Fica este registo e partilha …

3.2 – A formação ao longo da carreira – crescimento pessoal