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Do modelo de desenvolvimento sustentável

A idéia do desenvolvimento, em voga principalmente durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, sofreu grande impacto no seu significado, bem como em seus desdobramentos práticos, a partir da década de 1970, quando o conteúdo das ações que visavam ao progresso econômico5 começou a ser questionado. As dúvidas e considerações apontadas rumo ao conceito de desenvolvimento foram sintetizadas de maneira elucidativa por Guimarães (2003), que anunciou incongruências relacionadas com a noção de progresso, a questão social, os benefícios do progresso e a perspectiva ecológica.

A primeira incongruência mencionada pela autora aponta para o significado da própria noção de progresso e de moderno, que domina a idéia de desenvolvimento, visto que tais expressões “professam um caminho evolutivo a seguir, tendo como referencial a sociedade ‘desenvolvida’, aquelas que estão no centro do sistema capitalista” (GUIMARÃES, 2003, p. 84). No entanto, o progresso propagado e almejado sempre possui uma mesma trajetória, poder-se-ia dizer retilínea, que vai no sentido da absorção da tecnologia e da mudança da forma de organização do trabalho de toda e qualquer sociedade, devendo todas as sociedades se adequarem ao sistema típico do modo de produção capitalista americano. E essa forma de organização do trabalho utilizada como referência, denominada modelo desenvolvimentista, “prima pelos interesses privados (econômicos) frente aos coletivos (meio ambiente), consubstanciando-se em uma visão antropocêntrica de mundo, gerador de fortes impactos ambientais” (GUIMARÃES, 2003, p. 84).

A adoção plena deste modelo desenvolvimentista, que se alicerça na produção e industrialização constante, seria, para os adeptos de tal posicionamento, ilimitada, malgrado os recursos naturais necessários para a produção sejam, por sua natureza, restritos. Assim, aparece o primeiro óbice à busca desenfreada de progresso pelo modelo desenvolvimentista, porque

5 A palavra progresso econômico foi utilizada como sinônimo de desenvolvimento, porque no contexto das décadas de 1960 e 1970 os significados eram coincidentes.

pesquisas apontam para o fato de que, se todos os países do mundo agissem nos mesmos moldes dos Estados Unidos, o planeta entraria, em um espaço de tempo muito curto, em um colapso ambiental. Tanto é que Cavalcanti (2001) afirmou que, após a publicação do Relatório Brundtland6, um dos marcos da

discussão sobre sustentabilidade, a postura adequada com relação à produção deveria ser antagônica ao estilo americano, pautando-se em um distanciamento no consumo desenfreado e mais próximo à sobriedade e austeridade.

Outra incongruência do modelo de desenvolvimento é que o fundamento do modelo defendido é o modo de produção capitalista, e este, em sua essência, busca o acúmulo de capital e o lucro, que não é repartido de forma igualitária entre todos os que participam da produção, mas, ao contrário, se acumula nas mãos do capitalista, aumentando, via de conseqüência, as desigualdades sociais. Dessa forma, pode-se inferir que o desenvolvimento acaba produzindo exclusão social.

A última incongruência apontada por Guimarães (2003) diz respeito diretamente ao meio ambiente, a uma situação denominada por alguns autores como insustentabilidade ambiental, já mencionada anteriormente, mas que merece destaque, e que quer dizer que não há como pensar na produção de forma infinita, uma vez que os recursos são escassos; assim, a única alternativa possível à sociedade atual é tentar coadunar a produção com o uso racional dos recursos naturais. Justamente pensando nessa relação de produção com recursos naturais, que Krause adverte ser necessário, tendo em vista a sustentabilidade:

Reconhecer (e nem por isso desanimar diante do fato) que a viabilidade da efetiva ação transformadora tem como obstáculo as contradições que colocam frente a frente a nova racionalidade em formação e a predominante racionalidade de acumulação a qualquer preço, arraigada nos sistemas de produção e legitimadora dos processos políticos (KRAUSE, 2001, p. 17).

O que Krause explicitou é exatamente o embate no qual a sociedade capitalista se vê, que coloca em contraposição a idéia da acumulação irrestrita de bens de consumo e a da emergência da racionalidade na utilização dos recursos naturais. Nesse confronto, a sustentabilidade seria o princípio que

6 O Relatório Brundtland foi um documento elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, assinalando a preocupação quanto ao uso dos recursos naturais, segundo o conceito de sustentabilidade, o que significa dizer que os recursos naturais devem ser utilizados de forma racional, visando a sua preservação para as gerações futuras.

buscaria a conciliação dos dois sistemas, ou seja, garantiria a continuidade do processo produtivo, porém este se veria condicionado e sujeitado às próprias imposições naturais que fazem parte do processo, o que poderia exigir alguns cuidados específicos, mas que não obstaria o processo produtivo em si, apenas mudaria a perspectiva da acumulação a qualquer preço, porque a baliza seria exatamente a preservação do meio ambiente.

No mesmo sentido, Cavalcanti (2001), dissertando sobre o desenvolvimento sustentável, afirma que não se trata apenas de como usar os recursos naturais, mas sim de abranger uma política pública que defina e modifique os critérios que regem o sistema produtivo, ou seja:

A idéia de sustentabilidade, por sua vez, implica uma limitação definida nas possibilidades de crescimento. É sobre esse fundamento que é indispensável agregar preocupações ecológicas (ou ecossociais) às políticas públicas do país. É preciso mostrar que o progresso econômico não pode continuar impune, se violar as regras que dirigem a natureza para eficiência máxima (quanto ao uso de matéria e energia), para mínimos de estresse e perdas, para frugalidade e prudência ecológica (CAVALCANTI, 2001, p. 24).

Cavalcanti (2001), na verdade, apenas condicionou a forma de produção a um patamar, que é exatamente a proteção do meio ambiente. E esta deve ser realizada através de políticas públicas com definições claras acerca das regras a serem seguidas pelas atividades produtivas, bem como das sanções respectivas, porque, uma vez que existam normas disciplinando as atividades produtivas, estas devem necessariamente ser obedecidas, preservando o meio ambiente e evitando o stress ambiental.

Como conseqüência das observações anteriores, principalmente da necessidade de política pública sobre meio ambiente, o Brasil, tentando se adequar ao desenvolvimento sustentável, elaborou normas jurídicas com o intuito de fomentar uma política pública de amparo à proteção ambiental. Essa atitude brasileira foi um mecanismo de o país se adequar às exigências de proteção ao meio ambiente, que se tornaram latentes diante dos movimentos ambientalistas que desde a década de 1970 se expandiram pelo mundo, gerando uma série de Declarações com cunho ambientalista, todas elas visando ao uso racional dos recursos naturais frente ao desenvolvimento da atividade produtiva.

A primeira Declaração com cunho ambientalista foi a de Estocolmo, resultado de uma Conferência realizada na Suécia no ano de 1972. Esta

Conferência teve ampla repercussão nos países subdesenvolvidos, visto que, enquanto o movimento ambientalista tentava obstar a continuidade da poluição decorrente da busca desenfreada pela industrialização, os países subdesenvolvidos acreditavam que suas preocupações deveriam se centrar no combate à “pobreza e suas seqüelas, ou seja, a fome, a falta de moradia, etc., e achava-se que essa Conferência era uma tática diversionista tendente a relegar os programas de desenvolvimento a um plano secundário” (MIRANDA, 2003, p. 101). Durante esse período, o Brasil era regido pelo governo militar e também não aderiu a um retardamento na produção industrial; para isso, se valeu da Lei de Segurança Nacional, reprimindo os movimentos ambientalistas, tachando seus líderes de subversivos (PETERS, 2005).

A principal decorrência da Conferência de Estocolmo foi servir de precursora para os debates políticos acerca das preocupações com o meio ambiente, bem como firmar a responsabilidade dos Estados pelas atividades desenvolvidas em seu território, para que estas não afetassem os territórios vizinhos.

Outra Conferência relevante ocorreu no Rio de Janeiro no ano de 1992, sendo denominada de Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que contou com a participação de 178 países, da qual resultou a Agenda 21, formada por 27 princípios que buscam a cooperação internacional para a proteção ambiental, através da criação por parte de cada Estado de normas ambientais, assim como pela tomada de consciência dos governos de que é necessária a criação de instituições para a proteção ambiental, bem como de construção de parcerias com a sociedade civil, o que já acontece em vários países através das ONGs (Organizações Não- Governamentais). Apesar de a Agenda 21 não ter a força jurídica de um tratado ou convenção, regidos pelo Direito Internacional, ela foi um compromisso político assumido pelos países no sentido da adoção de mecanismos de fomento ao desenvolvimento sustentável, ou seja, do uso racional e moderado dos recursos naturais junto às atividades industriais.

Após essas conferências aconteceram outras, sendo importante destacar a realizada no Japão no ano de 1997, na cidade de Kyoto, cujo desdobramento foi o Protocolo de Kyoto, que estabelecia a redução das emissões de gases tóxicos que provocam o efeito estufa. Em cada uma das

conferências sobre o meio ambiente os países que delas participam reafirmam o compromisso político de preservarem o meio ambiente, o que necessita da implementação administrativa por parte de cada Estado, e que acontece no Brasil desde o ano de 1981, ocasião em que foi promulgado o Plano Nacional de Meio Ambiente (PNMA).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, novamente veio à tona a questão ambiental, com uma proteção mais expressiva, uma vez que o meio ambiente foi previsto nos capítulos referentes aos direitos fundamentais e da ordem econômica, sendo certo que, por ter sido consagrado como direito fundamental, sua amplitude acaba ultrapassando a de outros direitos, o que será tratado com maior vagar no próximo capítulo. Uma das formas de a proteção ambiental se efetivar é através do licenciamento ambiental, necessário para a implementação de atividades potencial ou efetivamente poluidoras, que exigem atualmente a chancela do Estado através das licenças ambientais, o que também será analisado de forma adequada no capítulo 3.