• Nenhum resultado encontrado

O modelo de desenvolvimento e a modernização da agricultura

A noção de “subdesenvolvimento” surgiu no contexto mundial a partir do discurso do presidente Truman em 1949, quando este propôs ajudar os países “subdesenvolvidos” a se desenvolverem. Com essas palavras, inseriu- se no contexto mundial a noção de subdesenvolvimento e a promessa do desenvolvimento para aqueles países que não apresentavam o progresso econômico equiparado aos ditos desenvolvidos4, seguindo-se sempre os padrões ocidentais para conceituar o desenvolvimento (McMICHAEL, 2000).

Diante dessas concepções acerca do que seria o desenvolvimento, a agricultura era percebida, desde os tempos de Adams Smith e seus estudos sobre a divisão social do trabalho, com um papel secundário ao desenvolvimento econômico que gerava riquezas. Nesse sentido, alguns autores a percebem como um obstáculo ao desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2004). Esse pensamento ficou conhecido como tese feudal, e pode ser sintetizado pela passagem de Abramovay:

Dominada pelo latifúndio, a agricultura é incapaz de se desenvolver tecnicamente e de contribuir para a elevação permanente da produção. Tanto mais que a maior parte dos trabalhadores rurais, não tendo acesso à terra, não pode participar do processo social de progresso técnico. Assim, estes trabalhadores se encontram à margem do mercado: pouco produzem e pouco consomem. Isto é um obstáculo ao desenvolvimento econômico como um todo, pois, se os trabalhadores rurais tivessem acesso à terra, passariam a gerar renda através da qual poderiam incorporar-se ao mercado interno nacional e contribuir, assim, ao próprio desenvolvimento capitalista do país (ABRAMOVAY, 2004, p. 96).

Ainda de acordo com Abramovay (2004) e a abordagem sobre o papel empírico da agricultura no processo de desenvolvimento econômico, surgem discussões em torno principalmente de duas dimensões: a primeira dizia respeito à ligação do homem à terra, por alguns sociólogos denominada de imobilização do trabalho, que os unia em algumas relações clientelísticas, marcadas por exemplo pela presença do barracão, cambão, colonato, entre

4

outras. Já a segunda dizia respeito à falta de integração desses trabalhadores rurais ao mercado capitalista. Assim, percebe-se que, nessas duas dimensões, o trabalhador rural não se via em condições de promover o desenvolvimento econômico do país.

Nesse contexto, tanto a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) quanto o PCB (Partido Comunista do Brasil) lutavam pelo fim dessas relações denominadas de feudais, o que ocorreria, na visão dessas instituições, quando houvesse o incremento de uma classe de produtores próspera, que traria o desenvolvimento para o país via agricultura. Assim, o PCB pregava a reforma agrária, tendo como um dos pontos-chave o desenvolvimento da própria agricultura do país, o que daria ensejo ao desenvolvimento capitalista de cunho nacionalista.

Nessa época também se trabalhou com a teoria da funcionalidade da pequena produção, que apregoava a importância da agricultura familiar no contexto do desenvolvimento, onde se argumentava que:

O pequeno produtor contribuía para a acumulação de capital, à medida que, oferecendo produtos a preços relativamente baixos, possibilitava um rebaixamento do custo da força de trabalho, portanto dos salários, e, ainda, o aumento da taxa de lucros (ABRAMOVAY, 2004, p. 98).

As teses da funcionalidade também não perduraram por longo tempo, sendo rebatidas por sérias críticas, que se alicerçavam no fato de que seria improvável que o valor dos salários do país pudesse ser determinado por um segmento como o da agricultura, bastante fraco na época. Nesse ambiente de disputa ideológica sobre a importância da produção familiar, a principal bandeira pró-reforma agrária se embasava na importância dos produtos agrícolas dela oriundos. Nas décadas de 1970 e 1980, entretanto, a defesa da reforma agrária passou por um momento de redefinições, porque trabalhos de autores como Graziano da Silva e também de Abramovay demonstravam que:

À medida que a pequena produção perdia importância na oferta agrícola, a própria justificativa econômica da reforma agrária perdia o sentido: não era preciso reforma agrária para elevar a produção de alimentos. O problema alimentar brasileiro perdia toda relação com a questão agrária para se transformar exclusivamente numa questão de renda (ABRAMOVAY, 2004, p. 99).

Ao lado das mudanças de perspectivas anteriormente apontadas, é preciso realçar o papel do desenvolvimento da agricultura e seu impacto nos

caminhos ideológicos e fáticos pelos quais se delineou a questão da reforma agrária do país. Não se pode perder de vista que, ao lado do descrédito por setores da elite política econômica no papel da pequena produção no país, houve a valorização do setor industrial e agroindustrial e, junto a eles, a importância do trabalho assalariado. Também se deve considerar que houve nesse período uma espécie de simbiose entre a agricultura e a indústria, possibilitada pela modernização da agricultura com a incorporação de inovações tecnológicas, o que evidencia que os setores agrícolas patronais eram capazes de abastecer o mercado consumidor interno e de gerar excessos para a exportação, não dependendo da produção familiar para a geração dos gêneros alimentícios ou de matéria prima.

A modernização da agricultura foi um fenômeno que ocorreu desde o princípio da década de 1950, prolongando-se pelas décadas de 1960, 1970 e 1980. Durante esse período houve incremento na política tecnológica do setor rural, que pôde ser sentida de forma mais efetiva após a década de 1970, momento em que já se encontravam em funcionamento as agências de geração e difusão de tecnologia para o setor rural, juntamente com uma série de créditos rurais sistematizados no Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), destinados à propagação das inovações tecnológicas no setor, a taxas de juros muitas vezes negativas.

Delgado (1985), na esteira de Graziano da Silva, divide as inovações que impulsionaram o desenvolvimento rural em mecânicas, físico-químicas e biológicas. As mecânicas relacionam-se à forma de organização do trabalho e, principalmente, ao ritmo da jornada de trabalho, que foi dominada tanto por empreendimentos nacionais como multinacionais e se encarregou de inovações como tratores, implementos, máquinas, colhedeiras, etc. As inovações físico-químicas se encarregaram da melhoria das condições naturais do solo, o que aumentou a produtividade do trabalho, que tem como exemplo o grande desenvolvimento dos adubos e fertilizantes químicos. Por fim, as inovações biológicas se encarregaram da alteração da “rotação do capital adiantado no processo produtivo, através da redução do período de trabalho e da potencialização das inovações mecânicas e físico-químicas” (DELGADO, 1985, p. 92).

A modernização da agricultura, como se percebe, ocorreu devido ao desenvolvimento da indústria relacionada à agricultura brasileira e envolveu todas as inovações supracitadas, possibilitando a incorporação dos princípios da Revolução Verde, que “combina as inovações físico-químicas e mecânicas com a criação de variedades vegetais altamente exigentes em adubação química e irrigação” (DELGADO, 1985, p. 96). Diante desses progressos técnicos, segundo esse autor, a difusão de tecnologia ocorrida no Brasil se apoiou na adaptação das inovações biológicas às inovações físico-químicas, à vinculação da adoção de tecnologia ao crédito rural e às inovações em geral apoiadas na energia derivada do petróleo.

Conseqüência desse progresso técnico, bem como das políticas de crédito rural fundamentadas na adoção das novas tecnologias, foi que a agricultura familiar, mais uma vez, deixou de ser visualizada como a solução para os problemas de produtividade.

Também é importante mencionar que a modernização da agricultura modificou todo o mecanismo produtivo, o que inclui a forma de organização do trabalho, bem como as condições de vida do meio rural. Nas palavras de Navarro (2001):

Com a disseminação de tal padrão na agricultura, desde então chamado de “moderno”, o mundo rural (e as atividades agrícolas, em particular) passou a subordinar-se, como mera peça dependente, aos novos interesses, classes e formas de vida e de consumo, majoritariamente urbanas, que a expansão econômica do período ensejou, em graus variados, nos diferentes países. Esse período, que coincide com a impressionante expansão capitalista dos “anos dourados” (1950-1975), é assim um divisor de águas também para as atividades agrícolas e o mundo rural (re)nasceria fortemente transformado, tão logo os efeitos desta época de transformações tornaram-se completos.

Junto à promessa de desenvolvimento que estava atrelada à modernização da agricultura havia a expectativa de melhoria das condições de vida do meio rural; afinal, a industrialização tinha como pressuposto a idéia de progresso, que inclui um significado de melhoria generalizada. Entretanto, o resultado da modernização da agricultura no meio rural brasileiro não foi animador, trazendo uma série de problemas sociais em seu bojo, como o êxodo rural, o aumento da pobreza dos trabalhadores rurais, a violência e a criminalidade no meio agrário do Brasil, uma vez que, com a utilização de maquinaria na agricultura, houve grande número de trabalhadores rurais que perderam seu emprego, abandonando o campo rumo às cidades, ou se

aglomerando em torno de movimentos sociais que lutavam em prol do acesso à terra para os trabalhadores rurais sem terra.