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2.3. A atuação dos movimentos sociais na luta pela reforma agrária

2.3.1. A ULTAB, a CONTAG e a FETAEMG

A luta pelo acesso à terra foi acompanhada pela atuação dos sindicatos de trabalhadores rurais, não só no Estado de Minas Gerais como em todo o país. Em Minas Gerais, de forma específica, Sgrecia e Gadelha (1987) afirmam que até a década de 1970 os conflitos pela posse e uso da terra não foram acompanhados pela ação do MSTR (Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais). Esse posicionamento reflete a característica do sindicalismo rural do país, que, embora possa ser percebido desde o início do século XX, apenas após a década de 1950 se mostrou mais atuante, principalmente após a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, Lei 4.214, de 1963. Deve-se advertir, entretanto, que em 1963 já existiam, segundo a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais), 475 sindicatos fundados e 220 sindicatos reconhecidos.

Acontecia que, embora os sindicatos de trabalhadores rurais já existissem, na década de 1950, o governo federal não reconhecia todos eles, motivo pelo qual foi criada a ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), resultado da II Conferência Nacional de Camponeses, no ano de 1954.

Posteriormente a esse fato, veio a criação da CONTAG, em dezembro de 1963, que foi a primeira organização sindical, em nível nacional, dos trabalhadores rurais do Brasil, reconhecida pelo governo federal através do Decreto presidencial de n.° 53.517. Quando da criação da CONTAG, esta contava com 14 federações e 475 sindicatos, exercendo o papel de agente de conscientização nos trabalhadores rurais através das federações, presentes nos Estados do país.

Sgrecia e Gadelha (1987, p. 26) também afirmam que, na concepção do movimento sindical, a reforma agrária sempre foi percebida como sendo a solução definitiva para os conflitos de terra, de forma que a CONTAG instituiu a reforma agrária como “bandeira unificadora das lutas travadas no campo”.

Em Minas Gerais, seguindo a trajetória sindical rural do país, em 1963, foram criadas três federações: Federação dos Trabalhadores Autônomos da Lavoura, Federação dos Assalariados Rurais e Federação dos Assalariados na Extrativa Rural. Apenas no ano de 1968 foi criada a FETAEMG (Federação dos Trabalhadores Rurais de Minas Gerais). É importante ressaltar que o governo federal, embora soubesse da existência de inúmeros sindicatos de trabalhadores rurais, não reconhecia todos os existentes, mesmo depois da aprovação da Lei dos sindicatos rurais.

Após o golpe militar de 64, muitos sindicatos foram fechados e o governo se negou a conferir a eles capacidade para representação dos trabalhadores rurais, cabendo exclusivamente à FETAEMG o papel de “interlocutora legalmente reconhecida como representante dos trabalhadores rurais” (FERREIRA NETO; DOULA, 2003, p. 7). Inclusive, conforme consta no histórico da FETAEMG:

Com o golpe de 64, as três Federações de Minas e outras do país foram fechadas. Dos cerca de 50 STRs mineiros existentes até essa época, apenas quatro sobreviveram: Centralina, Poté, Santana do Deserto e Araçuaí. As seqüelas do golpe foram tão negativas que há sindicatos que só voltaram a se organizar recentemente e outros que nunca mais conseguiram se organizar. A violência se abateu sobre líderes sindicais rurais, diretores das Federações e sindicatos foram perseguidos, sendo muitos presos, torturados, exilados e até mesmo assassinados (www.fetaemg.org.br).

Paralelamente ao cerceamento político feito pelo Estado nos sindicatos durante a década de 1970, houve incremento econômico nesse segmento, uma vez que o governo passou a transmitir à Federação o repasse das verbas públicas destinadas aos trabalhadores rurais, transmitindo também a ela a competência para atuar na saúde, assistência social e previdência. Essa acumulação de recursos possibilitou, posteriormente, a atuação da FETAEMG na luta pelo acesso à terra em Minas Gerais. Nas palavras de Ferreira Neto e Doula (2003, p. 9):

A promulgação em março de 1971 da Lei Complementar n.º 11, que instituía o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), como executor do Programa, garantia ao MSTR grande presença junto a sua base, à medida que respondia a questões emergenciais de saúde, assistência social e

previdência, bem como proporcionava grande estabilidade financeira ao movimento. Dessa forma, o avanço no processo de sindicalização, juntamente com o grande volume de recursos financeiros, provenientes principalmente do imposto sindical recolhido diretamente pelo governo federal, iria possibilitar ao sindicalismo mineiro se apresentar, após a abertura política nos anos 80, como o principal mediador da luta pela terra em Minas Gerais.

Ainda sobre a FETAEMG, afirma Pompermayer (1987) que:

A FETAEMG é levada a desempenhar, face à sua composição institucional como mediadora entre as propostas do governo e a mobilização dos trabalhadores, procurando manter, dentro de limites aceitáveis pelo primeiro, as pressões originárias dos segundos, e acabando por fortalecer, por isso mesmo, as funções mais propriamente burocráticas e desmobilizadoras da Federação.

Decorrência também do golpe foi a atuação dos STRs como agente assistencialista e não com um engajamento mais prático em relação à reforma agrária do país. Correlatamente, nas décadas de 1960 e 1970, o país vivencia a modernização da agricultura e a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, já mencionado, que, aliado à nova tecnologia incrementada à agricultura, provoca uma sazonalidade no setor rural, refletindo nos trabalhadores rurais, que se vêem afastados, forçadamente, do sindicalismo da época.

Em 1979 acontece o III Congresso da CONTAG, em que esta se propõe a acompanhar a luta pela reforma agrária e pelos melhores salários no meio rural; contudo, novamente a CONTAG não usa de instrumentos efetivos destinados a alcançar seu objetivo.

A FETAEMG, ao voltar deste congresso, também modificou sua postura de atuação no Estado de Minas Gerais, principalmente por meio da descentralização política, com a criação de delegacias e pólos regionais.

Ferreira Neto e Doula (2003, p. 23), ao analisarem a luta pela terra em Minas Gerais, asseveram que:

Até meados da década de 80, a luta pela terra em Minas Gerais, apesar de estar oficialmente presente na agenda de lutas da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, era, na verdade, produto de uma articulação entre as ações e as demandas da base sindical, um enorme contingente de trabalhadores rurais sem terra e, ironicamente, sem trabalho, e a intervenção pessoal de determinadas lideranças que, estrategicamente, ocupavam certos espaços na estrutura do MSTR e de outras vinculadas à Comissão Pastoral da Terra, e a partir de ações pontuais de alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais, organizavam e conduziam a luta pela terra no estado.

Consideração importante a ser feita se refere ao fato de que, logo após o Golpe Militar, as manifestações populares, bem como o movimento dos trabalhadores rurais, foram cerceados, sendo algumas organizações de

trabalhadores rurais perseguidas (MEDEIROS, 2004), situação que também aconteceu em outros sindicatos de classes diferentes. A finalidade dessa atitude perpetrada pelos militares, no caso específico dos trabalhadores rurais, era a de silenciar as reivindicações pela reforma agrária.

Ainda hoje os sindicatos tomam frente das reivindicações pela terra, existindo no Estado cerca de 20 movimentos, entre eles alguns sindicatos de trabalhadores rurais, estando a CONTAG, por assim dizer, afastada da frente de batalha.