• Nenhum resultado encontrado

2 A QUESTÃO SOCIAL E A POBREZA NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES

2.1 DO PAUPERISMO À EMERGÊNCIA DA QUESTÃO SOCIAL

Considerando pobreza10 e desigualdade inerentes a constituição da questão social, tomamos essa última como categoria de análise na perspectiva de desvendar sua particularidade na realidade social brasileira. Compreender o modo como a sociedade (re)produz a vida e as relações sociais de produção é condição fundamental para o desvelamento da (re)produção da pobreza e desigualdade social na contemporaneidade.

Ao analisar o surgimento da expressão “questão social”, Netto (2001a) afirma que esse termo existe há cerca de 170 anos, e começa a ser utilizado, por

10 Para Martins (1991), a pobreza excede as carências de bens materiais. É, portanto, uma categoria

política que se revela pela carência de direitos, possibilidades e de esperança. O Relatório do Programa das Nações Unidas (PNUD), divulgado em 2010 sobre a medição da pobreza expressa que “as medidas relativas ao dinheiro são obviamente importantes, mas é necessário considerar as privações noutras dimensões e respectivas sobreposições, em especial porque as famílias com várias privações se encontram provavelmente em piores situações do que as medidas de pobreza de rendimento sugerem” (PNUD, 2010, p. 99).

volta da terceira década do século XIX. Eclode, para dar conta do fenômeno do Pauperismo, considerado como o fator mais evidente da história da Europa Ocidental, no momento em que se experimentavam os primeiros impactos da industrialização, mais precisamente na Inglaterra, em meados do século XVIII.

O fenômeno do pauperismo refere-se à situação de empobrecimento em que se encontrava grande parte da população trabalhadora, no contexto da industrialização, na mesma proporção em se dava o aumento descomunal da riqueza. Assim, “a pauperização massiva da população trabalhadora constitui o aspecto mais imediato do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial” (NETTO, 2001a, p. 42).

Com o capitalismo e o desenvolvimento da indústria, se acirra a exploração no mundo do trabalho. Mudam-se as relações de trabalho e as formas de sociabilidade. Sobre essa questão Netto (2001a, p. 42) vai dizer:

[...] se não eram explícitas as desigualdades entre as várias camadas sociais, se vinha de muito longe a polarização entre ricos e pobres, se era antiquíssima a diferente apropriação e fruição dos bens sociais, era radicalmente nova, a dinâmica da pobreza que então se generalizava.

Isso nos esclarece que no contexto da industrialização, a pobreza crescia em uma razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. De modo que quanto mais a sociedade se mostrava capaz de produzir bens e serviços, mais crescia o contingente de “despossuídos” das condições materiais de vida (NETTO, 2001a). Portanto, quanto mais a sociedade do capital se desenvolve, ou seja, produz bens e riquezas, em maior quantidade e diversidade, mais se intensifica a pobreza.

Ainda no âmbito dessa questão, nos amparamos em Marx (1985, p. 209)

para demonstrar que o pauperismo expressa:

[...] o asilo dos inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída na produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, e ambos constituem uma condição da existência da condição capitalista e o desenvolvimento da riqueza.

Conforme sinaliza Marx (1985), sendo o pauperismo visto como resultado do desenvolvimento das forças produtivas é, pois, uma especificidade da produção

fundada nos interesses do capital. Dito isso, o estudo da pobreza não deve ser reduzida ao resultado da distribuição de renda, antes, deve ser associada diretamente ao processo produtivo que se instituiu na dinâmica do capitalismo.

Em face da consolidação do modo de produção capitalista, a luta de classes representava uma ameaça à ordem instituída, quando os trabalhadores começaram a se organizar e reivindicar melhores condições de vida e salário. O protesto dos pauperizados também explicitava a indignação com as múltiplas formas de exploração no mundo do trabalho. A fase de mobilizações e protestos contrariava os interesses da ordem burguesa que se consolidava desde o início do século XIX, configurando-se, desta forma, como “uma ameaça real às instituições sociais existentes” (NETTO, 2001a, p. 43).

Assim, o cerne da questão que designa a passagem do termo pauperismo para questão social, se dá a partir do inconformismo de exploração e dominação, instituída pelos pauperizados à ordem burguesa, somado a preocupação dos conservadores com a repercussão das reivindicações da classe trabalhadora. Sob essa ameaça, a ala conservadora-burguesa, logo procurou um termo que suavizasse a questão da pobreza, a fim de amenizar ou obscurecer os efeitos dela. A partir disso, é que o termo questão social passa a ser usado, inicialmente, pelo pensamento conservador, tornando-se conhecido também pelos pensadores de esquerda.

Ainda sob essa perspectiva, o processo de acumulação capitalista, o aumento da produtividade operado, em parte, pela incorporação de aparatos tecnológicos tem engendrado mudanças na composição técnica e de valor do capital, haja vista, que reduz, proporcionalmente, o emprego da força viva do trabalho (IAMAMOTO, 2004). Essa incorporação técnico-científica, ao processo produtivo, contribui para automatizar a produção do trabalho e a rotação do capital, permitindo assim, uma ampliação na taxa de lucratividade, e desse modo, há concentração e centralização de capitais, impulsionados pelo crédito e pela concorrência. E nessa direção, se amplia a escala da produção, “reduz-se o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de mercadorias” (IAMAMOTO, 2004, p. 14), ampliando simultaneamente, o tempo de trabalho excedente ou mais-valia11.

11

Segundo Bottomore (1988, p. 227) “a extração da mais-valia é a forma específica que assume a exploração sob o capitalismo [...] em que o excedente toma a forma de lucro e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ela

Nessa envergadura, a pobreza e miséria são fenômenos complexos e multifacetados, que dizem respeito a situações em que, em determinados contextos socio-históricos, as necessidades básicas não são atendidas de forma adequada.

Segundo Mendonça (2003) são duas as linhas com as quais podemos conceituar a pobreza e a miséria. No que concerne à primeira, seria a condição na qual o indivíduo não detém a renda mensal necessária para arcar com os custos considerados mínimos à sua sobrevivência, como alimentação, moradia, transporte e vestuário. Estariam no patamar da miséria ou indigência, as pessoas cujo rendimento não supre nem a necessidade primária da alimentação. Cabe ratificar que as necessidades anteriormente indicadas são determinadas histórica e socialmente. Já a desigualdade social diz respeito não apenas a distribuição de produtos - embora tenha a “malha” da renda como a variante mais importante - remete ao lugar que os indivíduos ocupam na sociedade regida pela exploração do trabalho (KRAYCHETE, 2005).

Assim, tais noções permitem explicitar as condições de vida de uma parcela significativa da população brasileira que, por meio da venda de sua força de trabalho, não tem suas necessidades básicas atendidas. São fenômenos intrínsecos, portanto, à denominada questão social que:

[...] diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho [...]. É indissociável da emergência do „trabalhador livre‟ que depende da força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais (IAMAMOTO, 2004, p. 17).

É, pois, no contexto da Revolução de 1848, que a discussão sobre questão social, paulatinamente, perde força, tanto do ponto de vista do pensamento laico como das bases mais tradicionais da sociedade, e aos poucos foi sendo naturalizada. Netto (2001a), afirma que a explosão de 1848 não afetou somente as expressões ideais (culturais, teóricas, ideológicas) do campo burguês, mas feriu as bases da cultura política que norteava até então, o movimento dos trabalhadores. Um dos resultados dessa Revolução foi à “passagem em nível histórico-universal do

recebe como salário”. Mais-valia é, portanto, o trabalho excedente realizado pelo trabalhador, sem que seja repassada pelo empregador remuneração equivalente ao que é produzido.

proletariado, da condição de classe em si à classe para si” (NETTO, 2001a, p. 44). A partir daí, os trabalhadores ascenderam no seu processo de luta à consciência política, percebendo então, que a questão social está diretamente relacionada à organização da sociedade burguesa. Cabe-nos afirmar, portanto, que os trabalhadores entenderam que somente a supressão dessa última conduz a supressão da questão social (NETTO, 2001a).

Assim, o entendimento dos fundamentos da questão social, sua complexidade, seu caráter intrínseco ao desenvolvimento capitalista em todos os seus estágios, pressupõe a análise da “lei geral de acumulação”. Para tanto, reportando-nos a NETTO (2001a, p. 45), é preciso considerar que:

O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a „questão social‟ – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da „questão social‟; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. A „questão social‟ é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo

Essa análise mostra-nos a estreita relação da questão social com a organização da produção capitalista, que gera exploração, competição e acentua a desigualdade na apropriação da riqueza socialmente produzida. Além disso, Netto (2001a) destaca que a questão social é continuamente gerada na relação capital- trabalho, ou seja, sob o prisma da exploração.

A partir dessas considerações, inferimos que, historicamente, a questão social relaciona-se à emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político por meio das lutas sociais, em defesa dos direitos trabalhistas, exigindo o seu reconhecimento como classe pelo bloco no poder, principalmente, pelo Estado. De fato, as lutas sociais contribuíram para o rompimento do domínio privado das relações entre o capital e o trabalho, expandindo a questão social para a área pública. Isso significou que os trabalhadores passaram a exigir a interferência do Estado no reconhecimento e legalização dos seus direitos como sujeitos sociais.

Assim, as políticas sociais se desenvolvem, inicialmente, para dar respostas à questão social, mais especificamente, à mobilização da classe operária do século XIX em resistência à exploração do capital, como afirmam Boschetti e Behring (2006, p. 64):

O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Os autores são unânimes em situar o final do século XIX como o período em que o Estado Capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade.

Nesse contexto histórico, as políticas sociais se multiplicaram lentamente e se generalizaram no início do período da expansão do capitalismo, após a Segunda Guerra Mundial, o qual teve como substrato a própria guerra e o fascismo (BOSCHETTI E BEHRING, 2006, p. 69). As classes dominantes percebem também que as ações sociais do Estado poderiam dinamizar a economia. Assim, na tentativa de encontrar formas para incrementar a rotação e manutenção do capital e, ao mesmo tempo, responder às reivindicações das classes trabalhadoras é desenvolvido os modelos de proteção social.

Aqui é pertinente retornarmos ao receituário Keynesiano, cujo mentor Jonh Maynard Keynes, defendia que o equilíbrio entre oferta e demanda só seria assegurada se o Estado pudesse intervir ou regular a economia, a fim de garantir os gastos dos consumidores, investidores e do poder público. Para Keynes não era a liberdade do mercado que faria com que a oferta criasse a sua própria demanda, mas somente, as condições peculiares do “pleno emprego”, movido pelo mercado. Segundo Brandão (1991), isso significava que se uma dada economia se encontrasse com a produtividade inferior a capacidade de gerar trabalho na sociedade, o Estado, por meio de uma política econômica poderia elevar as taxas de produtividade. Essa política visava, então, o aumento de consumo, haja vista que a alta taxa de consumo, implicaria em incentivos de investimentos no âmbito da produção.

Keynes, portanto, defendia a intervenção do Estado objetivando reativar a produção. Nisto, observamos que a defesa, por uma maior intervenção estatal na economia, exercia uma sincronia apenas do ponto de vista econômico. Assim, entendemos que o Estado com o Keynesianismo tornou-se produtor e regulador da economia, o que não significou o abandono do capitalismo, antes defendeu a liberdade individual (para o consumo) e a livre economia (para o mercado).

No entendimento de Keynes, o Estado, atuando como um agente externo em nome do bem-comum teria legitimidade para intervir por meio de um conjunto de medidas econômicas e sociais, visando disponibilizar meios de pagamentos e dar garantias aos investimentos, até mesmo, contraindo déficit público, para controlar o volume de moeda disponível e as flutuações econômicas. Sobre isso BEHRING e BOSCHETTI (2006, p. 8), ainda acrescentam:

[...] cabe, portanto, ao Estado, a partir de sua visão de conjunto, o papel de restabelecer o equilíbrio econômico por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem nos períodos de depressão como estímulo à economia.

O Estado, portanto, na perspectiva Keynesiana passa a ter um papel ativo na administração macroeconômica, ou seja, na produção e regulação das relações econômicas e sociais. Isso significa que, o “bem-estar” deveria ser buscado, individualmente, no mercado. Embora continue sendo legítima a intervenção do Estado na área econômica, a fim de garantir a produção, e no âmbito social, sobretudo, no atendimento das pessoas consideradas incapazes para o trabalho. Fruto dessa intervenção global permite-se e incentiva-se o incremento das políticas sociais.

Assim, na busca pela otimização da produção, o Fordismo tinha como perspectiva combinar produção em massa com consumo de massa. Isso suscitava um novo sistema de reprodução da força de trabalho, aliada “a uma política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia”, ou seja, um novo tipo de sociedade, racionalizada e moderna (HARVEY, 1993, p. 212). Já Gramsci (2001), percebe o Fordismo para além da dimensão econômica, com seu impulso voltado ao processo de extração da mais-valia-relativa12.

Para Behring e Boschetti (2006), a articulação existente entre o consumo de massa e produção em massa, incidiu no controle sobre a vida de consumo dos trabalhadores. De maneira que, em 1916, Heuri Ford contratou assistentes sociais para garantir esse controle objetivando “gerar entre os trabalhadores padrões de

12 É o que fez do capitalismo o modo de produção mais dinâmico de todos os tempos, transformando

continuamente seus métodos de produção e introduzindo, incessantemente, inovações tecnológicas no processo produtivo. Deste modo, aumentos na produtividade e novos métodos de produção, nos quais o trabalho morto sob a forma de máquinas, assume o lugar do trabalho vivo e, reduzem o valor dos bens individuais produzidos.

consumo compatível com interesses da empresa” (HARVEY, 1993, p. 122). Isso, revela-nos que os métodos fordistas serão de fato adotados, no segundo Pós- Guerra, cujo objetivo principal era diminuir o tempo no âmbito da jornada do trabalho, otimizando assim, a valorização do capital.

O Keynesianismo e o Fordismo constituem, portanto, os processos do capitalismo que dão fôlego ao chamado “anos de ouro” do capital. Porém, essa face de “prosperidade”, teve duração limitada e seu esgotamento se deu a partir da segunda metade dos anos 1960. Assim, o resultado de um conjunto de determinações, possibilidade políticas, econômicas e históricas dariam formato e vida ao Welfare State (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

No contexto Europeu, segundo Behring (2004), o Welfare State (Estado de Bem Estar-Social) significou o resultado da reconstrução para uma população dilacerada, inicialmente pela 2ª Guerra Mundial e, posteriormente, pela Guerra Fria13, sendo tencionada pelas lutas de classes, além da busca da consolidação do capitalismo. Nesse sentido, o esforço do Plano Marshall14 para que tal reconstrução tivesse êxito, combinou a acumulação do capital com os agravos da desigualdade social. Deste modo, os sistemas europeus de proteção, apenas refletem o caráter desigual do capital, mantendo as pessoas nas mesmas condições de miséria (ABRAHAMSON, 1995 apud BEHRING, 2004). Isso reitera o entendimento que não podemos analisar as políticas sociais, sem considerar sua dimensão econômica, política e social, ou seja, a partir de uma perspectiva de totalidade.

À luz do pensamento de Pereira (2008), o Welfare State foi um fenômeno que se firmou em meados do século XX, como a instituição que daria resposta às necessidades sociais, agravados pela expansão do desenvolvimento capitalista. Tal fato foi impulsionado pela Revolução Industrial, haja vista a sua capacidade de

13 Esta designação refere-se ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre

os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mais precisamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1945) até a extinção da União Soviética (1991). Trata-se, portanto, de um período histórico de ordem política, social, econômica, militar, tecnológica e ideológica entre estas duas nações e suas zonas de influências. A disputa pelo controle das nações do mundo dava-se a partir da oposição de dois modelos de sociedade e de organização da produção: o capitalismo (EUA) e o socialismo (URSS). Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria.

14 Foi criado nos EUA em 1947, através de programas de ajuda econômica aos países europeus,

logo após a Segunda Guerra Mundial, da qual resultou a destruição de muitos países da Europa, os quais precisariam de investimentos financeiros para se erguer economicamente. O Plano Marshall oferecerá investimentos financeiros para a reconstrução destes países, em contrapartida, será uma forma de fortalecer os interesses do capitalismo e a hegemonia dos Estados Unidos no continente europeu, evitando a expansão do Socialismo. A este respeito ver nota em: http://www.suapesquisa.com/guerrafria/plano_marshall.htm.

produzir bens materiais e atrair consumidores, além das mobilizações sociais pela conquista dos direitos (civis, políticos e sociais), os quais iam de encontro aos interesses da burguesia, que naquele momento, enfrentava uma fase de transição da antiga ordem feudal para o comando de ordem capitalista, o qual era regido pela produção mercantil e pela ideologia liberal.

Corroboramos com a referida autora, ao dizer que “o Welfare State com suas políticas, seu aparato institucional, suas justificações teóricas e ideológicas e seu acervo técnico profissional é parte integral do sistema capitalista” (PEREIRA, 2008, p. 87). De maneira que, o modelo de proteção social, ancorado nos conceitos de seguridade social e cidadania estiveram arraigados nos rumos adotados pelo sistema capitalista, fundamentado nos princípios de acumulação, exploração e dominação. Seu surgimento está relacionado a diferentes estágios da produção, distribuição e consumo, além de diferentes e contraditórios interesses, os quais incluem o mercado, o Estado, o interesse dos trabalhadores e cidadãos em geral.

Quanto ao conceito de cidadania, coadunamos com Oliveira (2002) a qual discute a cidadania no contexto da sociedade capitalista. Expõe que esta “diz respeito às formas de compreender a questão da desigualdade nesta sociedade e a luta de grupos e classes por participação no poder político e na riqueza social” (OLIVEIRA, 2002, p. 106). Assim, a referida concepção de cidadania torna a condição de cidadão compatível à desigualdade presente e inerente ao sistema capitalista vigente.

Ainda no tocante ao Estado de Bem-Estar, entendemo-nos como um fenômeno fundamentado em interesses eivados de contradições, pois, ao mesmo tempo em que atende as demandas sociais, regula as forças do mercado, preservando os interesses da dinâmica da produção capitalista.

Para Oliveira (1998, p. 19), o Welfare State “[...] constituiu-se no padrão de financiamento público da economia capitalista. O referido modelo pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde a partir de regras universais e pactuadas, o fundo público em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação do capital de um lado, e de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente a população por meio de gastos sociais”.

De igual modo, no campo social, a consequência mais emblemática da fase da organização capitalista foi à prevalência de uma economia em que o Estado

e mercado se articulariam e se co-responsabilizavam para fomentar e gerenciar as políticas do “Pleno emprego”, além de oferecer benefícios e serviços na perspectiva de assegurar melhorias nas condições de vida dos cidadãos. Para Offe (1991 apud PEREIRA, 2008), estes benefícios e serviços asseguravam: seguro social obrigatório, leis de proteção do trabalho, instituição do salário mínimo, serviços de saúde, educação e programas de habitação. Entretanto, tais iniciativas estatais, nem de longe alteraram a estrutura da organização burguesa e tão pouco, as relações de interesses do modo de produção capitalista.

Registramos aqui que, dentre os ganhos e perdas oportunizadas à classe trabalhadora na vigência do Welfare State, essas se deram em um cenário de