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Dois olhares para a economia: índice de Hirschman-Rasmussen e o consumo de

Capítulo 3. Estimativa do uso da água na economia brasileira

3.4 Dois olhares para a economia: índice de Hirschman-Rasmussen e o consumo de

Anteriormente, tratou-se dos efeitos diretos e indiretos como forma de fugir de uma análise simplista do uso da água, ou seja, distribuir seu consumo por toda a cadeia produtiva. Nesta seção avançou-se na análise dos efeitos diretos e indiretos abrangendo seus encadeamentos “para frente” e “para trás” entre os setores, ou seja, faz-se uma análise intersetorial. A proposta desta seção é verificar a importância dos setores na economia em termos de demandar e ser demandado através da análise tradicional - índice de Hirschman-Rasmussen - e, a partir disto, enxergá-los sob a ótica do consumo de água para verificar como estes setores se classificariam caso o aspecto ecológico, aqui representado pelo consumo de água, estivessem acima do econômico.

Uma medida tradicional utilizada para verificar a importância de um setor para o crescimento da economia são os índices de ligações intersetoriais. O índice de Hirschman-Rasmussen é comumente utilizado para identificar estas ligações ou encadeamentos “para frente” e “para trás” entre os setores. Por um lado, os encadeamentos para trás mostram o quanto o setor demanda de outros setores, ou seja, trata-se do poder de dispersão de um setor na economia. Por outro lado, quando um setor possui fortes encadeamentos para frente, significa que este é muito demandado pelos demais setores, ou seja, mensura-se a sensibilidade da dispersão deste setor em relação aos demais (GUILHOTO; SESSO-FILHO, 2005).

Baseando-se na equação do modelo aberto de Leontief (𝑋 = (𝐼 − 𝐴) −1. 𝑌), pode-se obter L*, que é a média de todos os elementos da matriz inversa (L) de Leontief (Lembrando que 𝐿 = (𝐼 − 𝐴) −1). Para obter o índice de ligações para trás, inicialmente calcula-se a soma dos elementos da coluna da matriz L (equação 37). O cálculo dos encadeamentos para frente leva em consideração a soma dos elementos da linha da matriz de Leontief (equação 38).

𝐿𝑗 = ∑ 𝑙𝑖𝑗 𝑛 𝑗=1 (37) 𝐿𝑖 = ∑ 𝑙𝑖𝑗 (38) 𝑛 𝑗=1

Assim pode-se determinar:

𝑈𝑗 = [𝐿𝑗

𝑈𝑖 = [𝐿𝑖

𝑛] /𝐿 ∗ (40)

Em que n corresponde ao número de setores da economia; Uj são os índices de ligações para trás e Ui são os índices de ligações para frente.

Os setores que apresentam índices de ligação acima de 1 correspondem àqueles que estão acima da média, ou seja, são considerados setores-chave para o crescimento da economia.

Os resultados apresentados na Tabela 17 mostram que o setor de Fabricação de óleos vegetais, Beneficiamento de produtos vegetais, Abate e Indústria de laticínios são setores-chave como demandantes de insumos no processo produtivo, ou seja, possuem fortes encadeamentos para trás. O setor de Fabricação de óleos vegetais aparece em primeiro lugar em termos de ligações intersetorias para trás; já em termos de uso incorporado da água total (azul e verde), este setor aparece como o quarto mais relevante, apresentando uma pegada hídrica total considerável. Embora a Fabricação de açúcar se posicione em 15º em termos de encadeamentos para trás, quando observado sob a ótica do consumo de água, este setor é o quinto mais relevante no uso incorporado de água e quando se considera somente a pegada hídrica azul, o setor ganha ainda mais destaque, aparecendo na segunda posição. Se a ótica do consumo de água incorporada fosse utilizada para verificar a importância dos setores, a classificação se daria de acordo com a segunda e terceira colunas da Tabela 17.

Tabela 17 - Classificação dos setores segundo o poder de dispersão (“para trás”) e sua posição em termos de Pegada Hídrica total e azul

Setor Índice de Hirschman- Rasmussen para trás Classificação em relação à Pegada Hídrica total Classificação em relação à Pegada Hídrica azul

Fabricação de Óleos Vegetais 1,43 4º 24º

Beneficiamento de Outros Produtos Vegetais 1,35 2º 14º

Abate 1,29 3º 12º

Indústria de Laticínios 1,29 12º 29º

Automóveis, camionetas e utilitários 1,25 38º 10º

Caminhões e ônibus 1,24 58º 46º

Indústria do Café 1,23 16º 63º

Bebidas Não-alcoólicas 1,22 25º 30º

Outros produtos alimentares 1,19 13º 20º

Defensivos agrícolas 1,18 48º 59º

Fabricação de resina e elastômeros 1,15 59º 26º

Refino de petróleo e coque 1,14 20º 31º

Produtos do fumo 1,14 22º 39º

Produtos químicos 1,13 46º 5º

Fabricação de Açúcar 1,13 5º 2º

Peças e acessórios para veículos automotores 1,12 68º 60º Fonte: Elaboração própria com base nos resultados obtidos na pesquisa.

Em comparação às tabelas dos resultados de pegada hídrica (8 e 10), pode- se verificar que estes mesmos setores apresentam uso da água que resulta de efeitos indiretos, ou seja, 100% da água foi incorporada, indiretamente pelo setor. Embora se possa, a princípio, estabelecer uma relação de causa e efeito, faz sentido pensar que uma vez que um setor é um grande demandante de outros setores, este incorpora água que é usada em seus insumos ao longo da cadeia produtiva, como bens e serviços utilizados em sua produção e que o cálculo final considera estas informações. Por exemplo, na fabricação de açúcar, utiliza-se como base o insumo cana-de-açúcar, que emprega diretamente um volume expressivo de água em sua produção. Quando se analisa a posição que a Fabricação de açúcar ocupa em termos de consumo de água incorporada, mesmo quando se trata apenas do consumo de água azul, verifica-se que os efeitos indiretos exercem forte influência para que o setor figure entre os maiores consumidores de água.

Os setores de comércio, transporte e armazenamento e correio, intermediação financeira, serviços prestados às empresas e produtos químicos apresentam fortes encadeamentos para frente, logo, são muito demandados na economia (Tabela 18). Nota-se que o comércio e os produtos químicos possuem fortes ligações intersetoriais para frente e que possuem cerca de 95% de água incorporada de forma indireta (tabelas 8 e 9).

Ainda que estes setores se apresentem como fundamentais no que diz respeito aos encadeamentos setoriais, quando se considera a pegada hídrica, esta dimensão se altera. O setor de comércio é o 18º setor no ranking de pegada hídrica total e o 19º em relação à pegada hídrica azul. Embora o Transporte, armazenagem e correio possua fortes encadeamentos para frente, em termos de consumo de água incorporada, aparece como vigésimo oitavo.

Tabela 18 - Classificação dos setores à sensibilidade de dispersão (“para frente”) e sua posição em termos de Pegada Hídrica total e azul

Setor Índice de Hirschman- Rasmussen para frente Classificação em relação à Pegada Hídrica total Classificação em relação à Pegada Hídrica azul Comércio 3,60 18º 19º

Transporte, armazenagem e correio 2,97 28° 28º Intermediação financeira, seguros e previdência 2,79 43º 48º

Serviços prestados às empresas 2,45 50º 54º

Produtos químicos 2,35 46º 5º

Refino de petróleo e coque 2,33 20º 31º

Produção e distrib. de eletricidade, gás, água, etc. 2,14 41º 42º

Serviços de informação 1,78 47º 43º

Outros da agricultura 1,52 9º 17º

Fabricação de aço e derivados 1,49 63º 36º

Petróleo e gás natural 1,47 60º 56º

Artigos de borracha e plástico 1,36 57º 40º

Produtos de metal - exclusive máq. e equipamentos 1,31 54º 33º Peças e acessórios para veículos automotores 1,31 68º 60º

Pecuária e pesca 1,28 6º 25º

Cana-de-açúcar 1,13 19º 68º

3.5 Conclusões do capítulo

O modelo de insumo-produto permite mapear o percurso da água em toda a cadeia produtiva; deste modo, é possível caracterizar o uso deste recurso natural de acordo com cada atividade produtiva. Os resultados apresentados neste capítulo fornecem estas informações para a economia brasileira no ano 2009 para todas as atividades da economia.

A agricultura é responsável pelo uso de grande parte da água verde na economia e esta é vista, tradicionalmente, como uma água gratuita; os setores industriais apresentam um consumo comparado bem menor (em termos de volume), pois trata-se de água azul, que para ser ofertada, resulta de atividade econômica, ou seja, em seu processo de captação são utilizados máquinas, equipamentos, serviços e mão de obra.

Os produtos agrícolas são utilizados, em boa parte, como insumos diretos e indiretos para os setores da transformação (principalmente os setores de alimentos e bebidas) e de serviços; assim, todos os bens e serviços consumidos na demanda final, de alguma forma, terão água verde incorporada (usada diretamente na atividade agrícola). Mesmo que o setor de beneficiamento de produtos vegetais não utilize água verde diretamente em sua produção, de alguma forma são utilizados insumos agrícolas no processo produtivo que conterão água verde, evidenciando-se a existência e importância dos efeitos diretos e indiretos na cadeia produtiva.

Este processo possibilita enxergar de maneira mais ampla o consumo de água na economia, pois se considera o uso direto e indireto no processo produtivo. Embora existam setores que diretamente apresentam baixo consumo de água, quando se observa a cadeia produtiva, é possível identificar a influência dos efeitos indiretos no consumo de água para cada setor da economia. Este é o caso, por exemplo, dos setores Beneficiamento de produtos vegetais e Pecuária e pesca, que utilizam 100% e 46% de água verde de forma indireta, respectivamente. Os setores de Artigos do

vestuário e acessórios e Fabricação de açúcar apresentam, respectivamente, 4% e 8% de uso de água azul de maneira indireta.

É possível quantificar a pegada hídrica de cada um dos componentes da demanda final, distinguindo-se a quantidade incorporada nas exportações, Consumo das famílias, Consumo da administração pública e Formação bruta de capital. De toda água utilizada na cadeia produtiva, 58% está incorporada no Consumo das famílias, sobretudo, através do consumo de bens e serviços. Cerca de 38% de toda a água ofertada na economia está incorporada nas Exportações e, com isso, já se pode perceber a importância de identificar os setores-chave na utilização deste recurso natural como forma de auxiliar na elaboração de políticas públicas relacionadas ao seu uso.Nesse sentido, para alcançar o objetivo de comparar os resultados obtidos sobre o uso da água, seja através do uso direto ou da água incorporada na demanda final de cada setor, optou-se por utilizar uma análise intersetorial para identificar os setores- chave (no sentido econômico) em termos de encadeamentos “para frente” e “para trás”. A identificação de setores-chave permitiu cruzar informações acerca da importância econômica dos setores e mostrar quais são os setores intensivos no uso da água (azul e verde), fornecendo, assim, informações que possam servir de orientação para a formulação de políticas públicas relacionadas ao uso eficiente (econômico e ecológico) dos recursos hídricos. Por exemplo, em termos de poder de dispersão na economia, o setor de Fabricação de óleos vegetais aparece em primeiro lugar e em termos de consumo de água incorporada é o quarto setor mais importante. Como demandante de insumos de outros setores (encadeamentos para trás), o setor de Fabricação de açúcar ocupa a décima quinta posição, no entanto, quando observado sob a ótica do consumo incorporado de água, é o quinto setor.