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Dos elementos facilitadores às resistências, dificuldades e estranhezas

III. CIGANOS E DINÂMICAS DE MOBILIDADE: DESAFIOS AOS PROCESSOS

3. O trabalho de terreno

3.2. Dos elementos facilitadores às resistências, dificuldades e estranhezas

Um dos aspectos que era impossível prever antes da entrada no campo relacionava-se com os possíveis papéis a desempenhar pelos investigadores, independentemente de serem homens ou mulheres. A identificação dos domínios onde os observadores poderiam ter um papel mais participativo e a percepção de como ir ajustando esta participação só foi possível após os primeiros contactos com as diferentes unidades de observação. Esta participação assumia um papel central no estreitar das relações de confiança, mas também permitia diminuir a distância social do investigador, minimizando os efeitos do investigador nos dados recolhidos (Hammersley e Atkinson, 1995 [1983]: 109).

Como salienta Guash, nos processos de interacção existe sempre um “duelo pela informação”, onde o acesso aos dados fica sempre condicionado em função da disponibilidade das partes em fornecê-la, do contexto espacial e temporal da interacção, da imagem que cada interveniente no processo pretende apresentar de si e pelo conjunto de condutas associado a certos contextos. Este autor conclui, então, que o êxito da investigação dependerá da habilidade do observador em correlacionar todos estes factores na análise das situações (Guash, 1997). No fundo, trata- se da capacidade dos investigadores se colocarem no lugar do Outro ou, como refere Cefaï, se instalarem entre dois para tornar possível uma tradução recíproca. Seguindo J. Dewey, o autor refere que o investigador deve ter a criatividade do artista, a sua imaginação produtiva e a sua intuição empática (Cefaï, 2003: 517-518).

Independentemente dos diferentes papéis que poderiam ser assumidos em cada contexto, um aspecto transversal a ter em conta no registo e análise da informação prendia-se com as condicionantes da interacção, nomeadamente as características objectivas dos investigadores e as formas como estas seriam percebidas pelos outros. Para além dos comportamentos e atitudes dos investigadores não serem estáveis ao longo do percurso de pesquisa, a sua presença, por mais naturalizada que estivesse, tornava inevitável uma interferência na forma como eram estabelecidas as interacções, inclusive no decurso das acções da vida quotidiana. Estar alerta a estas interferências e saber interpretá-las constituíam dois aspectos que estavam presentes entre todos os investigadores.

Com o desenrolar do trabalho de terreno algumas resistências emergiram, dificultando o acesso à informação e exigindo, por parte dos investigadores, uma gestão criteriosa das interacções no sentido de as ultrapassarem.

Tirando partido da bagagem conceptual e de experiência de campo da equipa, não encetámos o trabalho de terreno fazendo tábua rasados conhecimentos adquiridos, antes aproveitando-os de modo a alcançar outros níveis de análise mais complexos. Inicialmente, revelávamos ter conhecimento que se organizavam num sistema a que chamam de “raças”; que a existência de conflitos (os designados “contrários) reconfigurava a utilização dos territórios; que gostavam de cozinhar com funcho; que existiam interdições sociais associadas do luto, etc. Este tipo de manifestações gerou surpresa e comentários entre eles acerca do conhecimento que detínhamos, assim como suscitou a percepção de que já teríamos tido contacto com outros ciganos, contribuindo, indubitavelmente, para uma aproximação recíproca. Nestas ocasiões acabavam por relatar outros aspectos como se fossem ao encontro das nossas expectativas. Mas, por vezes, recebíamos informações discrepantes sobre um assunto que já havia sido abordado. Noutras situações ter-nos-ão contado apenas parcialmente ou ocultado o que não queriam que soubéssemos, noutras terão existido equívocos de ambas as partes.

No Estudo de Caso A, por exemplo, quando inicialmente perguntámos sobre familiares seus que sabíamos andarem noutras zonas do país – nomeadamente no Algarve e em Porto Alto – diziam-nos que tinham ido “dar uma volta para não estar no mesmo sítio”, para logo de seguida nos contarem que tinham ido procurar novos negócios. Noutro caso, contaram-nos que se dirigiam a Espanha, Badajoz, porque lá recebiam melhor atendimento médico no hospital, para mais tarde percebemos que essa ida para Espanha significava uma passagem para Zafra, localidade onde trabalhariam na vindima. Noutros casos – embora num patamar diferente – mostravam não saber falar de um assunto ou responder a uma pergunta. Esta postura, que era muito variável entre as várias pessoas da família alargada, pode ilustrar-se com o momento em que nos quiseram baralhar deliberadamente com os valores que diziam auferir por trabalhar nas vindimas em Espanha, com o receio de virem a perder o direito à prestação do Rendimento Social de Inserção.

Também no Estudo de Caso B, ao longo das conversas que fomos mantendo com os diferentes elementos dos dois acampamentos, o uso de mentiras era recorrente, mas raramente ocorria quando a interacção era estabelecida entre um dos investigadores e um indivíduo. As crianças recorriam a mentiras, principalmente se questionadas acerca dos familiares mais velhos. Nos

adultos, o recurso a mentiras ocorria geralmente em situações de conversa em grupo para explicarem ou enaltecerem certas situações, para contextualizar acontecimentos ou para tornearem algumas questões que lhes eram feitas. As mentiras apareciam, assim, como estratégias de reconhecimento e valorização perante os investigadores ou de preenchimento de falhas nas histórias que nos contavam ou também para não se comprometerem perante os outros ciganos presentes face à revelação de determinado tipo de informações. A título de exemplo, refira-se a evolução do conteúdo dos motivos das deslocações geográficas: no primeiro mês de trabalho de terreno estas eram justificadas por visita a familiares, e gradualmente foram surgindo outras razões. Também no primeiro contacto com uma das famílias, um dos presentes diz ter nascido numa determinada localidade para justificar a sua ligação à terra, mas mais tarde ficámos a saber que não era verdade. Leila, por seu lado, recorria frequentemente à efabulação de acontecimentos que marcaram o seu percurso de vida, não só por pura satisfação em ocupar o seu tempo connosco, mas também como uma estratégia que visava transmitir uma imagem positiva de si própria como “mulher de armas”, capaz de enfrentar os “guardas” e todos os “malandros”, e mesmo em situações de alguma ilegalidade relatava ter recebido a condescendência das autoridades.

Todas estas situações exigiam uma necessidade constante de, por um lado, se confrontar os depoimentos recolhidos com a observação realizada em determinadas circunstâncias e lugares, distinguindo-se as perspectivas enunciadas pelos interlocutores em função das situações em que foram produzidas e, por outro lado, de cruzar aquilo que era dito por alguns com o questionamento de outras pessoas que pudessem ter conhecimento dos factos relatados. Em todas as dimensões da observação centrais para o objecto da investigação assumíamos, assim, o papel de “realizadores de filmes sociais de veracidade”. (Bizeul, 2007: 79), tendo consciência que a fidelidade dos dados dependeria do aprofundamento das relações que mantivéssemos com os nossos interlocutores.

Cedo nos apercebemos de que determinados apoios que prestávamos não surtiam o mesmo tipo de efeitos no estreitar das relações, indo, assim, ao encontro daquilo que Mauss (1988 [1950]) referia relativamente ao valor da coisa dada a partir da qual se estabelece a relação. A reciprocidade, ou seja, o modo de trocar bens e serviços de forma aparentemente desinteressada parecia, sobretudo, acontecer quando colocávamos o nosso carro à disposição para deslocações várias ou quando intercedíamos por eles junto de algumas entidades. Fornecer roupa, calçado, alimentação, televisões, leitores de DVD ou CD, telemóveis e rádios que recolhíamos junto dos nossos conhecidos e que desde as primeiras deslocações marcavam

as nossas entradas nos “acampamentos”, não produzia o mesmo efeito, pois tratava-se de ofertas a que estavam mais acostumados. Uma passagem do meu diário de campo, passados quatro meses de trabalho de terreno, evidenciava esta constatação:

“Leila parece ter começado a ganhar mais à vontade para falar comigo, percebendo que as histórias que me interessam são sobre a sua trajectória de vida. Não sei se terá sido o facto de me ter oferecido para a levar a S. João do Estoril no dia de Todos os Santos e ao Bombarral para tratar de uns assuntos com a filha que lá vive que lhe fez perceber que eu poderia ser uma “aliada” nas suas deslocações ou se simplesmente começou a ganhar confiança. Era bom, mas tenho dúvidas. De qualquer maneira conseguimos começar a escrever notas no bloco sem que levantasse suspeitas, embora Leila quisesse que eu olhasse para ela enquanto falava.” (Diário de Campo, 8.11.2006)

A relação de reciprocidade no processo de investigação parecia ser assumida tanto pelos ciganos como pelos investigadores, pois sempre que íamos ao encontro das suas expectativas face à mais-valia da nossa presença, era notório como nos procuravam compensar fosse através de bens materiais126 ou através da manifestação de maior disponibilidade, abertura e

sinceridade em relatarem acontecimentos da história familiar ou pessoal.

Ao longo do trabalho de terreno fomos alvo de várias solicitações que visavam desbloquear impasses existentes entre alguns dos elementos dos acampamentos e determinadas instituições (Segurança Social e Câmara Municipal) ou tão simplesmente descodificar alguns discursos e práticas de alguns dos organismos estatais com os quais tinham encetado contacto (Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, Segurança Social, Instituto de Reinserção Social…). No Estudo de Caso B, após três meses de trabalho de terreno junto da família Ramalho Matias, foi-nos pedido para testemunhar em tribunal, já que um dos homens estava indiciado por tráfico de droga num anterior local de residência. Acedemos em testemunhar, revelando aquilo que conhecíamos da pessoa em causa.

Após duas deslocações ao tribunal acabámos por ser ouvidos. Este “grande favor”, como foi referido pelo cigano que acabou por ser considerado inocente, marcou positivamente a relação que os vários elementos adultos das duas famílias presentes neste concelho estabeleceram com os investigadores. Numa das deslocações ao Tribunal em que nos acompanhava o cigano alvo de acusação, e sem abordarmos qualquer tipo de assunto, este inicia o relato dos vários lugares onde viveu na sua infância e juventude, bem como alguns elementos marcantes do seu percurso de vida. Já o tínhamos abordado várias vezes nesse sentido e as respostas à pergunta sobre os locais onde tinha estado eram sempre evasivas: “por aí”, “hoje aqui, amanhã ali”. Estes momentos permitiram, assim, responder às interrogações que em determinado momento

126 Foram várias as ofertas que recebemos: uma ovelha, duas mantas “espanholas”, cestos de vime e vários objectos

que recolhiam do lixo ou dos apoios solicitados e que consideravam que em nossa casa ficavam melhor (cadeira de bebé, tapete em pele, utensílios de cozinha, naperons… ).

do trabalho de terreno colocávamos sobre a dificuldade de recolha de informação. Chegámos mesmo a estabelecer a hipótese de que as dificuldades de expressão comunicativa dos nossos interlocutores ou a não compreensão dos objectivos do trabalho poderiam estar a constituir-se como obstáculos no desenrolar da investigação. No entanto, as respostas que íamos gradualmente dando às suas solicitações e a informação que íamos obtendo com estas “ocasiões especiais”, vieram revelar que os objectivos da nossa presença tinham ficado claros e que a abertura do campo de investigação só era possível através do aprofundamento destas relações de reciprocidade.

O facto de termos carro aparecia, assim, como um elemento facilitador destas relações de reciprocidade, pois raramente estas famílias dispunham deste recurso, e a nossa disponibilidade para efectuarmos várias deslocações era vista como um auxílio precioso em termos económicos e de comodidade. Por outro lado, era crucial para a investigação conseguir captar, através da observação em directo e participante, como se processavam as dinâmicas de mobilidade e a presença noutros pólos geográficos e como estes trajectos revelavam as suas percepções do espaço. Foi, assim, possível alargar o campo de análise, através de diferentes lugares que iam sendo visitados ao longo do tempo, e o contacto com outras famílias nesses territórios. Assumir o papel de motorista trouxe enormes vantagens conviviais e etnográficas, em diferentes momentos e situações (“fugimentos”, casamentos, audições em tribunal, visitas a familiares e curandeiras…), o que os levou a aproximarem-se de nós e a falarem-nos também dos seus problemas e das suas angústias.

Mas esta deslocação a diferentes lugares era também exigente do ponto de vista metodológico. Por um lado, a nossa presença em diferentes contextos e com novas pessoas exigia uma renegociação da posição dos investigadores, ou seja, tínhamos de explicitar o sentido do nosso trabalho. Em alguns destes momentos eram os nossos interlocutores que assumiam essa tarefa, tornando visível a imagem que tinham construído de nós e do nosso trabalho. Por outro lado, ao mudarmos o foco da pesquisa para as pessoas em mobilidade, exigia voltar a mapear o objecto captando-se como se articulavam os diferentes lugares e espaços percorridos, bem como as práticas e representações sociais operadas em contextos diversos e por referência a escalas territoriais diferenciadas. Assim, cada lugar exigia uma intensidade variável na sua abordagem em função da importância assumida para os sujeitos em observação.

Um outro elemento facilitador das relações que se estabeleciam no terreno com homens e mulheres prendia-se com a presença de dois investigadores de sexos diferentes durante uma

parte do tempo em que o trabalho de campo decorreu. À excepção das crianças e dos poucos elementos mais velhos, todas as restantes pessoas do acampamento encontravam-se na faixa etária dos investigadores, constituindo uma aparentemente ameaça às relações que se poderiam estabelecer entre os investigadores e os adultos de sexo oposto. Assim, as investigadoras procuraram, sobretudo, aprofundar o relacionamento com as mulheres, estando em contacto com os homens apenas na presença das suas mulheres, ao passo que os investigadores poderiam acompanhar os homens nos seus negócios de cavalos ou noutras deslocações e estar a sós com eles em diversas circunstâncias e lugares.

A minha presença junto das famílias Matias da Silva nos dois primeiros meses gerou curiosidade junto das mulheres, mas também perplexidade. Por um lado, queriam saber com mais detalhe o que fazia, se era casada, se tinha filhos, onde morava, como era a minha casa. Por outro lado, mostravam alguma perplexidade por o meu marido nunca me ter acompanhado e por consentir que fizesse este tipo de trabalho. A existência de códigos culturais diferenciados não foi, no entanto, um obstáculo ao aprofundamento de relações de confiança e empatia com as mulheres, pois a postura dos investigadores procurava adequar-se ao socialmente previsto, segundo as normas de interacção vigentes. Ao longo da presença no terreno esta população foi-se apercebendo que estas diferenças não eram muito relevantes, pois apesar de não ter o marido por perto, também não se adoptavam comportamentos que pudessem ser por eles e por elas vistos e sentidos como provocatórios dos homens do acampamento, nomeadamente na forma de vestir e no cuidado que se tinha em compor o vestuário em determinadas circunstâncias.

A presença de dois investigadores possibilitava ainda observar e participar em situações que ocorriam simultaneamente no tempo, mas em diferentes lugares do acampamento. Contudo, ia sendo estrategicamente gerida. Houve momentos em que intencionalmente se optou pela presença dos dois investigadores como um elemento facilitador das conversas em grupo, ou para um maior aprofundamento de determinados contextos. E houve ocasiões em que se optou pela não participação dos investigadores. Duas ordens de factores levavam a esta decisão: i) a interferência do género dos investigadores em situações que poderiam comprometer a sua imagem perante alguns dos elementos do acampamento (ex.: a investigadora permanecer junto de homens que bebiam e dançavam ou o investigador encontrar-se no acampamento sem a presença de qualquer homem)127; ii) a vontade expressa por parte dos investigadores em não

127 Outros investigadores que fizeram trabalho de terreno com ciganos também revelaram que as tensões em torno

participar em determinadas situações ao discordarem da forma como eram envolvidas as crianças em alguns momentos festivos.

Nas três unidades de observação eram as mulheres, sobretudo as mais velhas, que revelavam maior abertura no relacionamento com os investigadores, indo assim ao encontro daquilo que também Bizeul constatou com a sua experiência de terreno junto de ciganos presentes em áreas de acolhimento em França (Bizeul, 1999: 125-132). De facto, nos primeiros tempos, os homens revelavam uma atitude de maior fechamento, raramente se aproximando perante a nossa chegada. Se alguns deles foram progressivamente revelando-se mais cooperantes, outros procuraram sempre manter uma distância que sentíamos ser de segurança da sua situação pessoal, ainda que outros nos dissessem que era por timidez.

Contrariamente, a maioria das mulheres perante a nossa chegada deixavam o que estavam a fazer para se juntarem a nós e conversar, e eram também elas que nos procuravam sempre que havia necessidade de tratar de algum assunto institucional, mesmo que este se reportasse aos seus maridos. Esta disponibilidade e à vontade das mulheres têm de ser enquadrados nas formas de ocupação do tempo em função do género e da faixa etária dos diferentes elementos presentes, mas também no papel exercido pela mulher no relacionamento com as instituições, o que lhe parece fornecer outros recursos linguísticos nos processos de interacção e outra capacidade reflexiva. Assim, a maioria da informação que foi recolhida teve como interlocutores privilegiados as mulheres, ainda que se procurasse cruzar sempre os factos e as perspectivas enunciados por estas com as dos homens.

Se a proximidade facilitava o acesso aos diferentes cenários onde decorria a observação e ao estreitar das relações, também dificultava o desenvolvimento de uma perspectiva crítica e uma tendência por se enveredar num militantismo assente numa luta por causas sociais. Apesar das respostas que demos às solicitações das várias famílias (entrar em contacto com instituições, ajudar a ter uma conta bancária, pôr o nosso carro à sua disposição, emprestar dinheiro…), foi mais valorizado termos tomado sempre o seu lado nas tensões e nos conflitos, o que nos permitia uma maior aproximação e cumplicidade, ambas geradoras de novas situações e de discursos reveladores de dimensões mais complexas sobre as suas vidas. Mas como referia Bizeul (1999), existe a tentação de tornar públicos certos factos com o único objectivo de interpelar as autoridades, passando-se para um plano secundário a autenticidade das experiências do investigador enquanto critério de qualidade de um estudo: ou seja, aprofundar

o que efectivamente se passou, aquilo que era retido e quem eram os protagonistas dos acontecimentos colocava exigências de neutralidade nem sempre fáceis de controlar em função do perfil dos investigadores.

A gestão em torno do binómio proximidade-distância não foi fácil e implicou uma constante vigilância epistemológica em torno dos procedimentos metodológicos e dos conceitos que emergiam do terreno, no sentido de controlar a normatividade do que era dito e feito. Como diria Cefaï “Le sociologue qui déconstrui des problèmes publics ‘supend son jugement’ quant à la pertinence des propositions sur ce que le monde est et devrait être" (Cefaï, 1996: 47). Também como relembra Pina Cabral, dever-se-ia tomar atenção para não cair no perigo quer de uma “observação inobservente”, com uma total interiorização dos interesses e ideais do grupo a estudar, quer de uma observação distante e fria que impedisse uma visão "em profundidade" do grupo social em estudo e que pudesse ter como consequência a recusa dos seus membros em serem estudados por alguém que não demonstrasse simpatia pelos seus ideais e interesses (Pina Cabral, 1983: 332).

A discussão em torno destas questões da proximidade e da distância social entre observadores e observados assumia no contexto desta pesquisa uma importância central, dada a situação de grande vulnerabilidade social das famílias que integravam a pesquisa e os apelos constantes de apoio que endereçavam aos investigadores. A observação assumiu-se como aberta, flexível e