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Esquema 3: A ação didática

3 O QUADRO TEÓRICO DO ISD E SUAS INTERFACES PARA A

3.4 AS CONTRIBUIÇÕES DA DIDÁTICA DAS LÍNGUAS

3.4.1 Dos objetos e das ferramentas de ensino

A definição acerca de quais objetos de ensino precisam ser tomados como alvo de reflexão mais sistemática no ensino de língua perpassa, inevitavelmente, por uma discussão mais ampla sobre as finalidades que lhes são estabelecidas. De acordo com Dolz, Gagnon e Decândio (2009), as finalidades de ensino de uma língua são três: “comunicar de maneira adequada, refletir sobre a comunicação e sobre a língua bem como construir referências culturais” (p.28).

A primeira finalidade está relacionada à necessidade de o aluno produzir e compreender textos de diferentes esferas discursivas como forma de inserção nas práticas sociais. A segunda finalidade envolve o desenvolvimento da consciência linguística, ou seja, da capacidade de o aluno refletir sobre o sistema da língua e suas múltiplas formas de manifestação. Por fim, a terceira e última finalidade deve considerar o componente cultural da língua, de forma a garantir o acesso à história, aos valores e aos bens simbólicos de prestígio na sociedade.

Assim, considerando as finalidades acima elencadas, a delimitação do que será tomado como objeto de reflexão sistemática no ensino de língua consiste em uma tarefa árdua, pois envolve não só a natureza multifacetada dos fenômenos linguísticos, mas também questões de ordem social, política e ideológica. Essa

tensão, gerada em função das variáveis envolvidas, leva a questão dos objetos de ensino, os quais devem ser pensados em três dimensões complementares: “ao repertório linguístico de referência estabelecido pelos currículos, às capacidades linguageiras a serem desenvolvidas pelos alunos e aos saberes que devem construir sobre a língua”. (DOLZ, GAGNON e DECÂNDIO, 2009, p.31).

No que concerne à abordagem de ensino de língua pautada na diversidade de gêneros, foco da nossa pesquisa, essa tensão resulta justamente do processo de sedimentação dos saberes escolares nas práticas de ensino (SCHNEUWLY; CORDEIRO e DOLZ, 2005). Ou seja, na dificuldade que o professor ainda possui em articular as três dimensões acima elencadas.

Por essa razão, reiteramos aqui a nossa posição teórica de compreender o objeto ensinado em sala de aula a partir da análise do trabalho do professor, cujo objeto “são os processos psicológicos dos alunos; [...] os modos de pensar, de falar e de agir que ele deverá transformar em função das finalidades definidas pelo sistema escolar30” (SCHNEUWLY, 2009, p.30). Esse objeto diferencia-se do objeto de ensino, que, segundo Schneuwly (2009), deve ser compreendido como o “o resultado – de certa maneira virtual, em constante mutação - do trabalho do professor em função do agir deste sobre as capacidades dos alunos; estes últimos continuam sendo o objeto real e, portanto, inatingível do trabalho docente [...]31” (p.33).

O trabalho de mediação do professor na sala de aula implica, portanto, um processo de semiotização do objeto de ensino por meio de diferentes ferramentas de ensino, as quais incluem não só os artefatos produzidos exclusivamente para a atividade de ensino (livro didático, obras complementares, apostilas, mídias digitais pedagógicas, etc.), como também os de natureza tecnológica (internet, aparelhos de DVD, televisão, computador, projetor multimídia) ou simbólica (jornais, revistas, etc.) produzidos pela humanidade; ou, ainda, os provenientes de fonte natural (água, folhas, pedras, etc.) que, embora não se destinem à atividade de ensino, podem ser direcionados para tal.

30Tradução nossa. No original “L’objet du travail enseignant son les processus psychiques des élèves; ce sur quoi il travaille

sont des modes de penser, de parler et d’agir qu’il doit transformer em fonction de finalités définies par le système scolaire”.

31Tradução nossa. No original “l’objet enseigné comme résultat ´d’une certaine manière virtuelle, sans cesse changeant – du

travail de l’enseignant ayant pour fonction d’agir sur les capacités des élèves, ces dernières constituant l’objet réel et pourtant inatteignable de ce travail.”

Schneuwly (2009) distingue as ferramentas de trabalho do professor em duas macro categorias: as ferramentas institucionais e as ferramentas específicas. Esta última pode ainda ser desdobrada em duas subcategorias: o conjunto dos materiais escolares e o conjunto dos discursos elaborados pela escola sobre o objeto a ensinar.

Segundo o autor, a primeira categoria compreenderia os artefatos disponibilizados pelo meio físico escolar, mas que não estão a serviço de um componente curricular específico. Neste grupo, enquadrar-se-iam, por exemplo, os artefatos tecnológicos, como a lousa, o computador, o projetor multimídia etc.

Já as ferramentas específicas estão intrinsecamente relacionadas ao funcionamento de componentes curriculares específicos, ou seja, configuram-se como “ferramentas que asseguram a apresentação, o encontro e a interação do aluno com o objeto a ser ensinado32 [...] (SCHNEUWLY, 2009, p.33). Enquadram-se nessa categoria, por exemplo, os materiais escolares específicos para o ensino de Língua Portuguesa, tais como o livro didático, vídeos, fichas ou apostilas – e as atividades a eles vinculadas - para que possam ser observados, analisados, manipulados e decompostos pelos alunos. Outra ferramenta específica são os discursos elaborados pelas escolas sobre o objeto a ensinar, “as maneiras de dizê- lo, de falar sobre ele, de lhe apresentar verbalmente através da lição, de lhes traduzir em diálogo do tipo pergunta-resposta, etc33” (SCHNEUWLY, 2009, p.33). Nesta outra subcategoria, estariam incluídos por exemplo, a exposição dialogada, os estudos dirigidos, as atividades em grupo etc.

Sobre os materiais utilizados para apresentar o objeto de ensino, Schneuwly (2009) assinala que eles ainda carecem, do ponto de vista teórico, de uma descrição mais precisa e sistemática. Ainda segundo esse autor, a utilização de ferramentas de ensino possibilita a criação de espaços dentro dos quais os alunos realizam uma determinada atividade escolar que, por sua vez, está vinculada à execução de uma tarefa escolar específica. Para uma melhor caracterização das ferramentas de ensino, Schneuwly (2009) estabelece uma distinção entre três conceitos fortemente inter-relacionados: o de dispositivos didáticos, de atividades escolares e de tarefas.

32 Tradução nossa. No original: “Il s’agit fondamentalement des outils qui assurent la présentation, la reencontre et interaction

de l’élève avc l’objet a enseigner dans la classe [...]”

33 Tradução nossa. No original: “[...] les manières de le dire, d’em parler, de le présenter verbalement à travers la leçon, de le

São designadas como dispositivos didáticos as ferramentas de ensino “utilizadas pelo educador para possibilitar ao aluno o encontro e o estudo do objeto de ensino ou uma de suas dimensões34” (p.34), em diferentes situações didáticas. Esses dispositivos compreendem desde o uso de recursos tecnológicos diversos (Datashow, computador, etc), aos modos de organização do trabalho pedagógico na sala de aula, como as sequências didáticas, as quais serão discutidas, de forma mais aprofundada, na seção 4 deste trabalho.

As atividades escolares, por sua vez, correspondem a “aquilo que o aluno supostamente irá fazer dentro dos dispositivos didáticos35 (p.34)” disponibilizados pelo educador. Assim, as atividades escolares criam situações de aprendizagem diversificadas e, por estarem inseridas em um dispositivo didático, permitem o contato do aluno com o objeto de ensino de forma sistemática.

Por fim, as tarefas apresentam-se como uma “forma particular de desenvolver a atividade, podendo participar da execução de um dispositivo didático36” (p.34). As tarefas possuem um lugar importante na sequência de ensino, pois são elas que dão forma ao objeto, a maneira como ele será apresentado e estudado. De modo geral, essas tarefas são de natureza prescritiva, pois operacionalizam e materializam o objeto de ensino seja pelo engajamento entre professor e aluno em um contrato didático, ou provenientes de orientações do livro didático ou de instâncias superiores, como projetos ou programas governamentais específicos. As tarefas estão circunscritas a um tempo e espaço pedagógicos predefinidos e visam objetivos de aprendizagem específicos.

No nosso estudo, os dispositivos didáticos, as atividades escolares e as tarefas nos ajudaram a delinear melhor as diferentes formas de planificação do agir didático com gênero nas SE ministradas pelas professoras colaboradoras. Verificamos, por exemplo, que as atividades e tarefas realizadas na sala de aula eram quase sempre pré-definidas por um projeto do livro didático, que era principal ferramenta de ensino na exploração sistemática dos gêneros.

34 Tradução nossa. No original: “[...] utilisés par l’enseignant pour permettre à l’èléve de rencontrer et d’étudier l’objet

d’enseignant ou l’une de ses dimensions.

35 Tradução nossa. No original: Par ce terme nous désignons ce que l’élèlve est censé faire dans les dispositifs didactiques. 36 Tradução nossa. No original: forme particulière de mise en activité pouvant participer à la mise em oeuvre d’um dispositif