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Esquema 3: A ação didática

4 OS GÊNEROS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

4.2 A ESCOLA DE GENEBRA

4.2.1 Os modelos didáticos de gênero

4.2.1.1 O modelo didático do debate regrado

O papel desempenhado pelo debate no contexto suíço-francófono levou os pesquisadores genebrinos Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004) a desenvolverem um MDG que possibilitasse uma abordagem sistemática desse gênero na escola. Os autores explicam que, por se tratar de um gênero oral da esfera pública formal bem delineado do ponto de vista de sua composição, o debate favorece o desenvolvimento de algumas capacidades fundamentais (defender, refutar e retomar um ponto de vista) para que os alunos saibam como se posicionar discursivamente frente a temas controversos no meio social.

O próximo passo então foi definir qual seria o tipo de debate a ser focalizado e, para ajudar nessa decisão, os pesquisadores recorreram à literatura disponível sobre o gênero. O levantamento realizado apontou para três tipos possíveis: a) o

debate de opinião de fundo controverso, cuja finalidade é formar ou modificar um

ponto de vista acerca de temas socialmente polêmicos, como por exemplo, a legalização do aborto ou a descriminalização do uso de algumas drogas; b) o debate

deliberativo, com ênfase na necessidade de uma tomada de posição diante de

opiniões em conflito ou de situações de ordem prática, como em: “onde aplicar os

recursos financeiros da escola?”; e c) o debate para resolução de problemas,

voltado exclusivamente para a busca coletiva de uma solução para um problema ainda pouco conhecido ou explorado, como, por exemplo, as dificuldades de aprendizagem dos alunos de uma determinada turma.

Para efeito de didatização, Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004) selecionaram o debate de opinião. Para tal, valeram-se de critérios como a pouca recorrência desse gênero nas situações de aprendizagem na escola e nos programas de ensino; e sua adequação e aplicabilidade aos objetivos de ensino.

A etapa seguinte consistiu na definição das dimensões ensináveis do gênero debate, as quais, segundo os autores, foram sendo delineadas a partir de uma “triagem de textos, a fim de referenciar e caracterizar o debate de opinião” (p.252). A análise inicial desses textos contemplou exemplares autênticos de debates, o que possibilitou aos pesquisadores uma melhor compreensão acerca da caracterização e do funcionamento desse gênero nas práticas sociais de referência, como, por exemplo, os papéis assumidos pelos participantes. No tocante a esse aspecto, a análise revelou que os debatedores iniciavam seu turno de fala de duas formas: já

manifestando seu posicionamento contrário ou estabelecendo uma aparente identificação com alguns pontos de vista do seu interlocutor para, só em seguida, manifestarem uma posição contrária.

No entanto, faltava ainda identificar as capacidades e as lacunas de aprendizagem dos alunos, o que só foi possível mediante nova coleta e análise. Dessa vez, o corpus foi formado por debates realizados por alunos. Em linhas gerais, os resultados indicaram como as crianças, desde muito pequenas, já eram capazes de argumentar oralmente em defesa de um ponto de vista. Sobre esse aspecto, é importante destacarmos que algumas pesquisas recentes, em âmbito nacional, têm corroborado com essa constatação. É o caso, por exemplo, dos estudos realizados por Leal e Morais (2006), Ribeiro (2009) e Leal e Brandão (2013), sobre os quais não iremos nos aprofundar aqui em função dos objetivos estabelecidos para este estudo.

Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004) também constataram a existência de uma

regulação interativa entre as crianças participantes, a qual se manifestou através da

escuta atenta e do uso de mecanismos enunciativos para retomar o posicionamento dos colegas. Por outro lado, as crianças ainda não eram capazes de identificar algum ponto de controvérsia, fazer reformulações (sintetizar/resumir, precisar) ou utilizar expressões modalizadoras para demarcar uma tomada de posição. Além disso, não havia evidências linguísticas que apontassem para uma efetiva defesa de ponto de vista.

Munidos desses dados, os pesquisadores propuseram a implementação de um dispositivo didático composto por um conjunto de atividades sistemáticas (sequências didáticas), que possibilitasse o desenvolvimento da capacidade argumentativa dos alunos, fazendo com que eles soubessem se posicionar e confrontar, oralmente, opiniões em situações de interlocução formais nas quais essas habilidades fossem requeridas.

Outra questão a decidir era a escolha do tema, a qual, segundo os pesquisadores, não deve levar em consideração apenas o critério de interesse ou afinidade dos alunos, mas, sobretudo, “permitir um progresso real aos alunos” (DOLZ, SCHNEUWLY e DE PIETRO, 2004, p.261). Dito de outro modo, o tema escolhido não deve ser demasiadamente complexo ou muito superficial, ele precisa ter uma espessura cognitiva que potencialize o desenvolvimento de um trabalho sistemático com a argumentação na sala de aula.

Em razão disso, Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004, p.262), propõem quatro dimensões a serem consideradas na escolha do tema:

 uma dimensão psicológica, que inclui as motivações, os afetos e os interesses dos alunos;

 uma dimensão cognitiva, que diz respeito à complexidade do tema e ao repertório dos alunos;

 uma dimensão social, que concerne à espessura social do tema, suas potencialidades polêmicas, seus contextos, seus aspectos éticos, sua presença real no interior ou no exterior da escola, e ao fato de que possa dar lugar a um projeto de classe que faça sentido para os alunos;

 uma dimensão didática, que demanda que o tema não seja muito cotidiano e que comporte aprendizagens.

No que concerne aos materiais didáticos a serem utilizados, os autores sugerem que grande parte desse material seja oral para que os alunos tenham contato com exemplares autênticos do gênero e reconheçam aspectos relacionados ao seu funcionamento, à sua organização e aos recursos linguísticos utilizados. Contudo, é aconselhável que também sejam consultados materiais escritos como suporte para o trabalho com o gênero debate, dada a relação que se estabelece entre gêneros orais e escritos dentro de um continuum da relação fala e escrita.

Outro aspecto que precisa ser observado são as especificidades dos gêneros orais, uma vez que tais gêneros demandam o suporte de ferramentas de ensino não tão habituais no contexto de sala de aula, como os recursos audiovisuais, e uma gestão de tempo pedagógico na execução das atividades previstas por parte do professor.