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Esquema 3: A ação didática

3 O QUADRO TEÓRICO DO ISD E SUAS INTERFACES PARA A

3.2 O QUADRO GERAL DE ANÁLISE

O método de pesquisa do ISD apoia-se numa abordagem descendente, composta por três níveis de análise. O primeiro nível contempla os pré-construídos, ou seja, o conjunto do que foi produzido socio-historicamente pela humanidade. Incluem-se, nessa dimensão, as atividades coletivas, as formações sociais, os textos e os mundos formais de conhecimento (BRONCKART, 2008).

Antes de esclarecermos cada um desses termos, faz-se necessário destacarmos aqui que a opção metodológica do ISD por uma abordagem descendente em nada tem a ver com uma visão determinista (na acepção filosófica do termo) do desenvolvimento humano. “Ao contrário, concebemos a relação entre os três níveis apontados como inseridos em um movimento dialético permanente”

(BRONCKART, 2008, p.112). Desse modo, a explicação para a escolha desse método está no papel que o ISD atribui aos pré-construídos no processo de formação do pensamento consciente dos indivíduos, na medida em que, ao se desenvolverem de forma ativa, esses indivíduos retroalimentam os pré-construídos coletivos, ressignificando-os ou modificando-os.

Nos pré-construídos, as atividades coletivas compreendem, grosso modo, construtos históricos que organizam a relação entre os indivíduos e os ambientes físico e social. Associadas a essas atividades mais gerais, estão as atividades linguageiras, que cumprem a função de mediar as relações conflituosas entre os indivíduos, com o objetivo de estabelecer um consenso acerca do que é aceitável ou não no âmbito de determinadas atividades.

As formações sociais, por sua vez, apresentam-se basicamente em forma de instituições e classes, cujos padrões, bastante heterogêneos, são construídos em função de valores e normas preestabelecidos. Essa diversificação nos modos de organização das formações sociais torna a relação entre elas bastante tensa, uma vez que os interesses dos segmentos e membros nelas envolvidos são motivados por orientações e interesses distintos e envolvem questões bastante complexas, de natureza social, política, econômica, cultural, histórica e ideológica.

Já os textos se constituem como unidades comunicativas empíricas que materializam as atividades de linguagem e organizam o modo de vida em sociedade. Em outros termos, esses textos materializam os gêneros que, por sua vez, respondem a demandas oriundas das atividades sociais, assumindo formas e finalidades comunicativas diversas, ao mesmo tempo em que regulam as ações dos indivíduos.

Por fim, os mundos representados ou mundos formais são constitutivos dos fatos sociais, os quais são “abstraídos dos contextos socioculturais e semióticos locais e se organizam em sistema de representações coletivas que tendem à universalidade” (BRONCKART, 2008, p.113). Nesse sentido, não se refere a uma verdade propriamente dita, mas construída a partir das experiências e do imaginário coletivo, numa estreita relação de verossimilhança com fatos do mundo objetivo. Sobre esse último aspecto, é clara a influência que os estudos de Habermas exercem na divisão dos mundos formais proposta por Bronckart (1999/2008), a saber: o mundo objetivo, o social e o subjetivo.

O segundo nível de análise envolve os processos de mediação e de

formação. Nesse nível, são considerados, portanto, os processos de apropriação,

transmissão e (re) produção dos conhecimentos culturais e científicos da humanidade, ou seja, dos pré-construídos. De acordo com Bronckart (2008), esses processos ocorrem de três modos: a educação informal, a educação formal e

transação social.

Na educação informal, esse processo acontece de forma assistemática, no âmbito do coletivo. Ou seja, ao integrar um determinado grupo social, os indivíduos, inevitavelmente, passam a interagir verbalmente uns com os outros, compartilhando entre si valores, normas e conhecimentos relacionados ao mundo formal. Já os processos de educação formal são institucionalizados e ocorrem de forma sistemática, pois envolvem a utilização de métodos científicos e conhecimentos pedagógicos para mobilizar e transmitir um conjunto de informações necessárias à formação intelectual do indivíduo.

Por fim, os processos de transação social implicam em um nível de consciência dos indivíduos envolvidos na interação, possibilitando julgamentos, avaliações e concessões recíprocas, que possam “fazer evoluir as práticas e os conhecimentos de cada indivíduo a respeito dos pré-construídos coletivos” (BRONCKART, 2008, p.114).

O terceiro e último nível é a análise dos processos de desenvolvimento, procedimento que consiste na verificação dos efeitos dos pré-construídos no desenvolvimento dos indivíduos. Bronckart (2008) acredita que esses efeitos podem ser observados por três lentes: a) condições de emergência do pensamento

consciente que, em termos vygotskyanos, seria o resultado ou os efeitos do

processo de interiorização dos signos linguísticos; b) as condições do

desenvolvimento posterior das pessoas, ou seja, a análise do pensamento e,

consequentemente, do agir humano e c) os mecanismos por meio dos quais cada pessoa contribui para a transformação contínua dos pré-construídos.

Ressaltamos, aqui, a relevância dessa discussão sobre os níveis de análise do ISD para a nossa pesquisa, uma vez que analisaremos o agir didático e as reflexões de duas professoras sobre esse agir no que concerne ao ensino de gêneros, observando a relação desse agir com os pré-construídos institucionais (o currículo).

Na próxima seção, apresentaremos, em detalhes, alguns procedimentos teórico-metodológicos do ISD que, conjuntamente com os fundamentos das disciplinas do trabalho e da didática das línguas, fundamentaram a análise das reflexões das professoras sobre o que planejaram e efetivamente realizaram na sala de aula.