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1 INTRODUÇÃO

1.4 Dos referenciais teórico-metodológicos

Sabemos que a sociedade é fruto da inter-relação dos atores sociais e que as narrativas são produções de significado ou modos como as pessoas compreendem e expressam suas realidades. As interações sociais - os sujeitos em relação - proporcionam parâmetros de significados comuns aos grupos culturais. No entanto, esses significados podem ser partilhados em parte, modificados, transpostos, adulterados e reinterpretados – o movimento da vida impele as pessoas para conservar e para mudar muito do aprendido socialmente.

Na pesquisa qualitativa pode-se ver esse movimento de produção de significações em contextos bem concretos; pode-se observar que são as condicionantes particulares que vão nos fornecer o nexo explicativo das totalidades concretas. Neste estudo, farei uma abordagem qualitativa, com um olhar transdiscipinar, numa perspectiva multirreferencial, que lida não só com corpos biológicos, que vêem a doença como entidade biológica, apenas, mas pensarei em corpos sociais e, no diálogo entre medicina, antropologia e educação com o pensamento espírita (ciência, filosofia e religião), devo considerar também a idéia de que somos seres espirituais.

Sommerman (2006, p. 50-51) explica a atitude transdisciplinar: rigor, abertura e tolerância.e que dos três pilares metodológicos da pesquisa transdisciplinar emergem a epistemologia e a metodologia da pesquisa transdisciplinar: a complexidade, a lógica do terceiro excluído e os diferentes níveis de realidade. Sommermann (2006) comenta também os sete eixos básicos da evolução transdisciplinar na Educação:

1) educação intercultural e transcultural, 2) o diálogo entre a arte e a ciência, 3) a educação inter-religiosa e transreligiosa, 4) a integração da revolução informática na educação 5) a educação transpolítica, 6) a educação transdisciplinar, 7) a relação transdisciplinar: os educadores e os educandos e as instituições e a sua metodologia subjacente. (SOMMERMAN, 2006, p. 50).

A abordagem transdisciplinar é assim uma nova abordagem do conhecimento.

Sommerman (2006) cita o documento Ciência e Tradição resultante do congresso Ciência e Tradição: Perspectivas Transdisciplinares para o século XXI, organizado pela UNESCO, em Paris, de 2 a 6 de dezembro de 1991. A Carta da Transdisciplinaridade (Anexo 3) e o documento Ciência e Tradição, dão subsídios para definição do conceito e da metodologia. A abordagem transdisciplinar é uma abordagem referencial no paradigma da espiritualidade e para esta tese; assim, apresentarei algumas passagens do documento Ciência e Tradição citadas por Sommerman (2006, p. 47-48):

Uma das revoluções conceituais deste século veio, paradoxalmente, da ciência, mais particularmente da física quântica, que fez com que a antiga visão da realidade, com seus conceitos clássicos de determinismo, que ainda predominam no pensamento político e econômico, fosse explodida. Ela deu à luz a uma nova lógica, correspondente, em muitos aspectos, a antigas lógicas esquecidas. Um diálogo capital, cada vez mais rigoroso e profundo, entre a ciência e a tradição pode então ser estabelecido a fim de construir uma nova abordagem científica e cultural: a transdisciplinaridade. [...] A transdisciplinaridade procura pontos de vista a partir dos quais seja possível torná-las interativas, procura espaços de pensamento que as façam sair de sua unidade, respeitando as diferenças, apoiando-se principalmente numa nova concepção de natureza. [...] Reconhecendo o valor da especialização, a transdisciplinaridade procura ultrapassá-la recompondo a unidade da cultura e encontrando o sentido inerente à vida. [...] Por definição, não pode haver especialistas transdisciplinares, mas apenas pesquisadores animados por uma atitude transdisciplinar. Os pesquisadores transdisciplinares imbuídos desse espírito só podem se apoiar nas diversas atividades da arte, da poesia, da filosofia, do pensamento simbólico, da ciência e da tradição, elas próprias inseridas em sua própria multiplicidade e diversidade. Eles podem desaguar em novas liberdades do espírito graças a estudos trans-históricos ou transreligiosos, graças a novos conceitos de transnacionalidade ou novas práticas transpolíticas, inaugurando uma educação e uma ecologia transdisciplinares. O desafio da transdisciplinaridade é gerar uma civilização, em escala planetária, que, por força do diálogo intercultural, se abra para a singularidade de cada um e para a inteireza do ser.

Numa sociedade capitalista, na qual as relações sociais fazem-se a partir de diferenciações de classe, as concepções sobre saúde e sobre doença acham-se eivadas por contradições também. Assim, o pensamento das agências de formação (como as universidades) encontra-se mediado pela corporação médica; os paradigmas da ciência, pois, são marcados por interesses desta ordem e são frutos, também, das crenças da ambiência científica.

Já se percebe, em saúde coletiva das populações, o seu aspecto social e histórico (CORDEIRO, 1984, p. 90), mas sonega-se uma visão de totalidade destes processos, que comportem outras dimensões do sujeito.

O indivíduo real particular inscreve-se na coletividade que ele constitui – essa dimensão da saúde coletiva já se vê. Falamos que já se está a lidar com as determinantes sociais da saúde e da doença, no que diz respeito à formação em medicina; contudo, ainda o modelo biomédico tem sido o paradigma dominante que alimenta a prática em saúde – e ele tem ficado limitante.

Em meio ao conjunto de lutas sociais, percebe-se que a crise de paradigmas resultou por configurar o paradigma da Integralidade (já posto nas Diretrizes Curriculares), mas se afirma que é uma referência básica, a ser construída com as perspectivas evolutivas urdidas na prática social e formativa que se vai gestando.

Ao percebermos, assim, a perspectiva histórico-cultural da saúde temos mutilado, contudo, a dimensão espiritual inerente ao ser humano. A prática artesanal e cotidiana dos locais da saúde que estudo em meu trabalho junto à Universidade volta-se para o atendimento às populações empobrecidas. Os locais públicos de atendimento às populações pauperizadas costumam ter a hegemonia do modelo biomédico, como norteador das práticas em saúde. Neste modelo, a produção do significado, feita pelas populações, sobre suas doenças e sobre seus processos de cura fica colocada à margem, devido ao modo objetivo, mas redutor, da ação que se erige dentro deste paradigma.

Assim é que buscarei os significados que as pessoas têm produzido sobre seus processos de adoecimento e de cura; tentarei incluir o que está sendo nomeado de dimensão espiritual, nos cenários discursivos: vinculados às mães que têm seus bebês prematuros internados na UTI neonatal e na enfermaria Mãe-canguru, na MEAC/UFC; junto aos sujeitos atendidos no Posto de Saúde Novo Iracema, em Maranguape, que procuram o rezador e ou atendimento médico; também na escuta a sujeitos que vivenciaram a experiência de quase- morte (EQM), e as experiências de quase-morte símile (as experiências de experiências fora do corpo).

Estes três cenários discursivos são lugares nos quais vou buscar as narrativas dos sujeitos mencionados anteriormente, mediante a história oral temática (MEIHY, 2002), em um contexto que nomeio como percurso de construção de significado sobre doença e cura. Procurarei desvendar, por meio de um estudo de narrativas, os modos como cada pessoa vive processos de adoecimento e de cura nestes ambientes.

Diante da multiplicidade de perspectivas, de possibilidades de conhecer a realidade complexa do mundo da vida, principalmente nos momentos de adoecimento e de cura, por que irei utilizar a perspectiva da multirreferencialidade?

O termo multirreferencialidade foi cunhado por Ardoino (desde 1966) e seu grupo de pesquisadores da Universidade de Paris VIII, propondo uma posição epistemológica para abordar os fenômenos complexos: a análise multirreferencial.

Deve-se levar em consideração o fato de que no contexto humano e social, nenhuma redução é legítima. Recortar o real, para análise, decompondo em elementos simples, sem levar em conta as interações entre eles, desconsiderando o imaginário instituído pela ciência, deixando de lado relações, leva a um empobrecimento da compreensão acerca dos fenômenos e dos fatos e a uma grave mutilação na forma de tomar a realidade que se estuda.

Dessa maneira, a análise multirreferencial propicia reflexões mais amplas acerca da inteligibilidade da totalidade do conjunto dos fenômenos sociais e suas possibilidades de análise.

Nous avons, ainsi, dévelopé um modele d’intelligibilité des pratiques éducatives, en distinguant des “regards” centrés sur les individus ou les personnes (perspective psychologique), sur les interacions et sur le groupe (perspective psycho-sociales),sur les organisations et les institutions (perspectives plus sociologiques), assortis de leur système de références propres (ARDOINO, 1995, p. 9).1

A multirreferencialidade, portanto, trata-se de uma leitura plural, sob diferentes ângulos e em função de sistemas de referências distintos, não redutíveis uns aos outros, devendo o pesquisador possuir uma postura aberta e capacidade de realizar leituras múltiplas (MARTINS, 1998). A análise multirreferencial questiona a racionalidade moderna, nos termos:

A racionalidade científica é também totalitária, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios espistemológicos e pelas suas regras metodológicas. [...] Ao partirmos do princípio de que a educação não expressa apenas um projeto científico ou racional, acentuamos o caráter plural da ação educativa, pois esta realiza-se a partir de uma variedade de valores e de crenças, de ideais e de situações, que é ilusório tentar controlar a priori. [...] Tais considerações levam-nos a considerar que o estabelecimento de uma tradição mais promissora das ciências da educação está relacionado ao estímulo de um diálogo que extrapole as dimensões disciplinares instituídas pela ciência moderna – movimento este aqui denominado de multirreferencialidade. [...] O olhar multirreferencial que aqui indicamos para a compreensão dos fenômenos educativos, não significa renúncia das identidades das ciências imbricadas no processo analítico... (...) essas ciências, porém, são conscientes de que cada uma delas, separadamente, não pode explicar e compreender sua totalidade. (MARTINS, 1998, p. 32).

11 Nós temos assim, desenvolvido um modelo de inteligibilidade das práticas educativas, distinguindo os olhares centrados sobre os

indivíduos ou sobre as pessoas (perspectiva psicológica), sobre as interações e sobre o grupo (perspectivas psicossociais), sobre as organizações e as instituições (perspectivas mais sociológicas), mas combinando os seus sistemas de referências próprios (ARDOINO, 1995, p. 9).

Ardoino e Barbier (1993) na introdução da edição francesa da revista Pratiques de Formation-Analyses, número 25-26 de abril de 1993, enfatizam que numa epistemologia da compreensão, a complexidade é a palavra chave; por meio dela se pode fazer falar o objeto para entendimento da realidade. Nem mesmo pela convenção epistêmica, dizem-nos os autores, deve ser negada a realidade de sua situação e sua heterogeneidade intrínseca.

“O processo de conhecimento estabelece-se a partir de vários planos: das motivações mais profundas do pesquisador, de seus desejos, de suas projeções pessoais, de sua trajetória pessoal, etc.”, conforme elucida Martins (1998), propiciando assim a multirreferencialidade, o desvelamento dos sujeitos envolvidos na pesquisa (pesquisados e pesquisador) por meio de um encontro intersubjetivo, que considera vários prismas da realidade.

Jacques Ardoino (1998) em seu texto sobre Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas, comenta sobre a hipercomplexidade da realidade, na qual a abordagem multirreferencial propõe-se a uma leitura plural de seus objetivos (práticos ou teóricos), sob diferentes pontos de vista, que implicam em linguagens diversas e sistemas de referências distintos, incluindo preocupações éticas. As visões de mundo subjacentes coexistem e se justapõem através de tudo que pareça ser o mais banal e a riqueza das práticas sociais não permitem uma análise clássica por meio da decomposição-redução.

Ardoino (1998) compreende que holístico é o que melhor caracteriza a complexidade dos fenômenos humanos. Holístico, derivado de holismo (epistemologia geral), designa (contestando o atomismo) uma posição segundo a qual não se pode entender as partes sem conhecer o todo.

Nos termos de uma pesquisa qualitativa, na perspectiva da multirreferencialidade, tomo como referência a Ciência, Filosofia e Religião Espírita em diálogo com a Ciência da Medicina e a Educação, tomando alguns aportes, ainda, da Antropologia Cultural.

Como método dentro de pesquisa qualitativa, será escolhida a História Oral temática (MEIHY, 2002; LE GOFF,1996; JOUTARD, 1998; FERREIRA, 1994, 2000; THOMPSON, 2002) que dá ênfase à determinada etapa ou setor da vida pessoal e organizacional (no caso, o momento do percurso do adoecimento e de cura, que flagra respostas situacionais a contingências cotidianas). A história oral temática ou depoimentos pessoais parte de um assunto específico e previamente estabelecido, compromete-se com o esclarecimento ou a opinião do entrevistado sobre algum evento definido.

“A História Oral é a ciência do indivíduo. Respeitar e valorizar as diferenças individuais numa sociedade cada vez mais massificada é fundamental. Aqui se destaca a dimensão social social da História Oral e a atuação do historiador” (PORTELLI, 1997).

Ferreira (1994) ressalta que “a história oral tem se revelado um instrumento importante no sentido de possibilitar uma melhor compreensão da construção das estratégias de ação e das representações de grupos ou indivíduos em uma dada sociedade”. O tema é a preocupação central. E Meihy (2002, p. 21) também explica que:

Com uma vocação para tudo e para todos, a história oral respeita as diferenças e facilita a compreensão das identidades e dos processos de suas construções narrativas. Todos são personagens históricos, e o cotidiano e os grandes fatos ganham equiparação na medida em que se trançam para garantir a lógica da vida coletiva.

“A história oral ligada à antropologia, (a história oral é um método de pesquisa

antropológica), que dá voz aos excluídos e trata de temas da vida cotidiana, não surpreende a história acadêmica somente por sua fonte, mas também por seu objeto e suas problemáticas” (JOUTARD, 1998).

Freitas (2006) e Meihy (2002) tecem assim importantes considerações sobre o método história oral temática:

Possibilita reflexões sobre o registro dos fatos na voz dos próprios protagonistas, é realizada com um grupo de pessoas, sobre um assunto específico. Essa entrevista, que tem característica de depoimento, abrange parte de um assunto específico e previamente estabelecido.

O tema é a preocupação central, com ênfase no estudo do cotidiano. A história oral legitima a história do presente, com enorme potencial na exploração da experiência social concreta.

Tem possibilidade de regatar o indivíduo como sujeito no processo histórico, o que é fundamental para a compreensão da vida humana.

O discurso oral, natural e espontâneo, é muito mais detalhado e expressivo.

A História Oral privilegia, enfim, a voz dos indivíduos, não apenas dos grandes homens, como tem ocorrido, mas dando a palavra aos esquecidos ou “vencidos” da história. À história que, tradicionalmente, esteve voltada para os heróis, os episódios, as aventuras, Walter Benjamim responde que qualquer um de nós é uma personagem histórica (FREITAS, 2006, p.50).

Elejo como procedimento do trabalho de campo a entrevista semi-estruturada e não estruturada, a observação participante, por considerar relevante a consideração de estar o observador face a face com os observados, inclusive, junto ao seu cenário cultural. A qualidade da entrevista é o ponto mais importante do trabalho, sem limitar o tempo de

duração das entrevistas, com respeito à velocidade e as formas de expressão de cada indivíduo.

A entrevista semi-estruturada e a não estruturada pode-se dizer que diferem apenas em grau de intervenção, porque, como observa Minayo (2000, p.121), “nenhum interação, para finalidade de pesquisa, se coloca de forma totalmente aberta”. Esta informação abre-se para a não estrutura e a semi-estrutura (da entrevista), na tentativa de se compreender as especificidades e as idéias mais profundas das pessoas com relação aos fenômenos que estudo.

[...] em História Oral o entrevistado é considerado, ele próprio, um agente histórico. Nesse sentido, é importante resgatar sua visão acerca de sua própria experiência e dos acontecimentos sociais dos quais participou. Por outro lado a subjetividade está presente em todas as fontes históricas, sejam elas orais, escritas ou visuais. O que interessa em História Oral é saber por que o entrevistado foi seletivo ou omisso, pois esta seletividade tem o seu significado. Além disso, a noção de que o documento escrito possui um valor hierárquico superior a outros tipos de fonte vem sendo sistematicamente contestada, em um século marcado por um avanço sem precedentes nas tecnologias de comunicação (FREITAS, 2006, p. 67).

Os depoimentos foram gravados em fitas cassetes, com o consentimento prévio do colaborador com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (vide ANEXO D).

O documento oral é um ato de criação do qual participa o subjetivismo, conforme diálogo entre entrevistador e entrevistado, privilegiando a experiência vivida por quem viveu (VIEIRA, 2000; MEIHY, 2002; FREITAS, 2006).

O documento final foi obtido após a transcrição da entrevista (FERREIRA, 1994, 2000).

E em seguida, a análise, cotejando com o referencial teórico desse trabalho.

O campo empírico é abordado, reitero, através da utilização de procedimentos da investigação como as entrevistas abertas ou semi-estruturadas e a observação participante. A necessidade da observação participante deve-se ao fato de que sou parte do contexto de observação; vivencio o concerto da história oral protagonizada pelos sujeitos da pesquisa. Devemos considerar que a história oral pode comportar as metáforas, que desempenham um papel muito importante na produção dos sentidos sobre adoecimento e sobre cura: elas lidam com imagens ricas de sentimento e expressam aspectos que fogem ao controle do consciente. A operação metafórica vem juntando o sentimento junto às representações intelectuais: elas se mantêm próximas à experiência de vida das pessoas e ultrapassam a segmentação do fenômeno físico, que alija outras dimensões do sujeito, como a espiritual.

A dimensão espiritual é laborada pelas pessoas das classes populares; mais facilmente elas parecem perceber a inteireza do humano. Minayo (2004) já colocava que novas proposições paradigmáticas devem levar em conta uma redefinição mais totalizante dos processos humanos, envolvendo matéria e espírito:

“A visão social de saúde também vai ao encontro das concepções de resistência das classes trabalhadoras, ao nível do senso comum. Porém, ela inclui a imagem mais totalizante do homem-corpo-alma matéria e espírito, assim como as condições de vida e trabalho”(MINAYO, 2004).

A problemática da saúde e da doença envolve questões existenciais que exigem repostas do ser humano inteiro; clama sua expectante relação com a vida, com a morte e com a necessidade que temos de significar esses processos. Precisaríamos, na prática e na teoria, buscar a multidimensionalidade dos sujeitos como totalidade fundamental do humano; isso nos leva à transcedência. Segundo Loyola (1984, p. 23), em seu livro Médicos e curandeiros: “A doença (ou saúde) é considerada, no quadro global dos problemas da vida ou da morte como um fenômeno que escapa, em última instância, ao controle do homem, como algo que, no limite, é produto de forças sobrenaturais ou, mais comumente, de Deus”.

Dentro desse quadro, será efetuado o seguinte procedimento:

a) Descrição dos modos de dar significado a seus processos de adoecimento e de cura (estudo de narrativas, por meio da história oral, abordando a temática do adoecer e do curar-se);

b) Nessas descrições, tentarei pinçar o que nomeio como dimensão espiritual e que se calça nos fenômenos de relação com o sagrado, visto como a relação com Deus, a imortalidade do princípio espiritual nos seres humanos (a sobrevivência extrafísica da individualidade que após a morte do corpo físico) e a mediunidade como base dos fenômenos da espiritualidade.

Procederemos à descritividade e análise do campo empírico, buscando a voz de narradores e dialogando com autores como Freire (2003, 2005, 2006); Turner (1995); Jung (1999); Greisson (2007); Moody (1975, 1977, 2004); Morse (1985,1989), Parnia e Fenwick (2002), Van Loomel (2001) e com os pensadores espiritistas, que também estudaram e analisaram o fenômeno em questão, como Bozzano (2000); Flammarion (1990); Gibier (1998); Kardec (2006a, 2006b, 2006c, 2006d); Denis (1994, 1987, 2003, 2006); Iandoli (2004); Linhares (2003, 2005), Nobre (2000); Peres (2004).

Devemos observar, ainda, que Morin (2000, p.45) já afirmava que paradigma “é aquilo que está no princípio da construção das teorias, é o núcleo obscuro que orienta os discursos

teóricos neste ou naquele sentido.” Na verdade, observa o autor que a ciência é uma atividade organizativa da mente e sempre o observador está presente no diálogo com o mundo dos fenômenos.

Propõe Morin (2000) que a objetividade da ciência possa produzir a reflexidade sobre a própria ciência - a eleição do pensamento espírita como uma das referências, é também uma tentativa de dar conta da reflexividade que inclui a esfera múltipla e articulada da ciência, filosofia e religião.

Quanto a este aspecto da objetividade e do papel da reflexividade nas ciências, Mellucci (2005) sugere que através da história de todos os homens ou da gente comum pode- se reconstruir a história profunda das sociedades. Para isso a auto-reflexão da ciência deve acontecer, e a centralidade do sentido deve ser uma chave para a compreensão dos fenômenos sociais.

É fundamental neste trabalho, a idéia de que as ciências antropossociais possuem um enraizamento físico e natural; e as ciências consideradas físicas e naturais são ciências sociais, como observa Morin (2000). Assim, tenta-se superar a fragmentação que põe de um lado as ciências físicas e naturais e de outro lado as ciências ditas do homem e da sociedade. Superar isso envolve também retomar a uma idéia de sujeito no estudo dos fenômenos humanos e da sociedade; um sujeito que foi remetido à filosofia e a moral (MORIN, 2000, p. 20-21). O desenvolvimento científico para Morin (2000) possui traços que ele qualifica “negativos”