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1 INTRODUÇÃO

1.5 Cenários do estudo

1.5.3 Experiência de Quase-Morte

Figura4 – Ascenção ao Empíreo

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Figura 5 – Aparição mediúnica (1855) Catherine Irene Newton e John King Fonte: James Tissot (1836-1902)

Experiência de quase-morte é um termo criado pelo médico americano, Raymond Moody Jr. (1975,1992), para conceituar a vivência de indivíduos que foram considerados clinicamente mortos, mas que voltaram a viver normalmente e se lembram, na maioria dos registros feitos até então, de terem experimentado: sensação de estar morto; ouvir o anúncio da própria morte; sensação de flutuar para fora do corpo; paz e ausência de dor (inefabilidade); sentimentos qualificados pelos sujeitos como de real valor; capacidade de se deslocar, na velocidade do pensamento, para o local que desejasse; capacidade de ouvir o que os médicos e os familiares estavam falando durante a vivência, de uma perspectiva que não teria se estivesse em seu corpo deitado; mover-se em um túnel e ser atraído por uma luz brilhante branca, dourada, azul ou visualizar bonitas pontes ou portas com feitio estético incomum, por onde atravessava para outra dimensão, para o mundo espiritual; encontro com parentes ou amigos já falecidos; contato com seres espirituais, denominados por essas pessoas como seres de luz, que irradiam amor lido como incondicional, amparo, conforto e proteção; entrada em lugares muito bonitos, como jardins, bosques, lagos, sempre envolvidos por uma luz muito brilhante; recapitulação holográfica da própria vida, não como forma de julgamento, mas como forma de compreensão do que cada um verdadeiramente é, do verdadeiro sentido da vida, enquanto aprendizado de amor e de aquisição de conhecimento, principalmente de autoconhecimento; reestruturação da personalidade mediante o contato com o que nomeiam como sendo a comunicação com a luz; retornar à vida, passar pela experiência

de contar aos outros sobre a vivência, ter novas visões da morte e a comprovação de conhecimentos não adquiridos por meio da percepção normal (GREYSON, 2000, 2003, 2007; KUBLER-ROSS, 1998, 2003; MOODY JR, 1975, 1992; MORSE; PERRY, 1997; PARNIA; FENWICK, 2002; Van LOMMEL et al., 2001).

O cardiologista holandês Pim van Lommel et al. (2001), em seus trabalhos, explicita que, em muitas circunstâncias, são relatadas experiências de quase-morte, como parada cardíaca em infarto do miocárdico, com morte clínica; em situações em que ocorre choque hipovolêmico, por hemorragias como em complicações perioperatórias e no pós-parto; tentativa de suicídio; choque anafilático; em pessoas com doenças graves; em pessoas com depressão séria e em pessoas inteiramente conscientes, sem causa clara. Este pesquisador e a sua equipe, têm se debruçado por mais de uma década nesses estudos com contribuições relevantes.

As situações em que, sem causa aparente, algumas pessoas vivenciam uma EQM, cuja vivência inclui sempre a experiência fora do corpo (Van LOMMEL et al., 2001), no referencial espírita esta situação é denominada desdobramento ou exteriorização da alma (KARDEC, 2006b).

O processo de morrer, em particular a experiência subjetiva de morrer, é uma área pouco conhecida, e tem sido ignorada pela investigação científica. Fenwick e Parnia (2001) ressaltam a importância desse estudo, que ocorre de fato inconstestável, para auxiliar os profissionais de saúde a lidar com a ansiedade dos pacientes que enfrentam a morte, e para a compreensão da natureza da consciência humana.

Experiência de quase-morte (EQM) é um termo que denota, segundo Moody (1977), “qualquer experiência perceptiva consciente que ocorre durante um evento no qual a pessoa poderia morrer (tão próxima à morte que se acreditaria ter morrido a pessoa ou declarada clinicamente morta), mas que apesar de tudo continua a viver sua vida física.”

Recentemente, Moody (1991) redefiniu a experiência de quase-morte como “um evento espiritual profundo, não desejado, que ocorre com algumas pessoas próximas à morte”. Embora o termo experiência de quase-morte tenha surgido em 1975, relatos similares, descrevendo profunda experiência subjetiva podem ser encontrados no folclore escrito de europeus, do oriente médio, dos indianos, dos africanos, do leste asiático, dos povos do pacífico, na cultura dos nativos americanos e na literatura médica desde o século XIX (GREYSON, 1998, 2006).

Van Lommel et al. (2001) propõem a compreensão de que os eventos anteriormente descritos e que constituem EQM são vivenciados e relatados não só por pessoas que foram

consideradas clinicamente mortas por seus médicos, mas também por pacientes em coma profundo, por pacientes em estado terminal e cujos relatos são chamados “visões no leito de morte” e por pessoas que passaram por situações de grande risco de morrer, em que a morte parecia inevitável e das quais saíram ilesas, como acidentes durante escaladas em montanhas ou acidentes de trânsito, os quais são comumente chamados de “medo da morte”.

Experiência de quase-morte, portanto, é considerada, por grande parte dos autores que a estudam, uma experiência espiritual e os relatos sugerem que a memória está fora do

corpo (MOODY, 1975); a EQM ocorre quando algumas pessoas vivenciam um estado de

consciência mística com funcionamento mental intensificado, quando o funcionamento mental está gravemente prejudicado, e constitui um desafio para os modelos atuais que concebem a interação cérebro-mente (GREYSON, 2007). Experiências de quase-morte são experiências vivenciadas por pessoas desde tempos remotos e foi alvo da tentativa de compreensão de filósofos (IANDOLLI JR., 2004; NOBRE, 2004).

Desde a antiguidade, a reflexão sobre a morte e, em especial, a experiência de quase- morte comparecem na educação – em A República de Platão (428-348 a.C.), no livro X, o dialogismo socrático já nos instigava a esse âmbito de interrogações. Utilizemos o mito de Er para ilustrar uma primeira ordem de questões suscitadas pela EQM.

Platão conta o mito de Er, denominado mensageiro do além, Livro X, 615a-e; p. 313- 319:

A verdade é que o que vou te narrar não é um conto de Alcínoo, mas de um homem valente, Er o Armênio, Panfílio de nascimento. Tendo ele morrido em combate, andavam a recolher, ao fim de dez dias, os mortos já putrefatos, quando o retiraram em bom estado de saúde. Levaram-no para casa para lhe dar sepultura, e, quando, ao décimo segundo dia, jazia sobre a pira, tornou à vida e narrou o que vira no além. Contava ele que, depois que saíra do corpo, a sua alma narrou o que vira no além. Contava ele que, depois que saíra do corpo, a sua alma fizera caminho com muitas, e haviam chegado a um lugar divino, no qual havia, na terra duas aberturas, contíguas uma à outra e no céu, lá em cima, outras em frente a estas. No espaço entre elas, estavam sentados juízes que, depois de pronunciarem a sua sentença, mandavam os justos avançar para o caminho à direita, que subia para o céu, depois de lhes terem atado à frente a nota de seu julgamento; ao passo que os injustos, prescreviam que tomassem à esquerda, e para baixo, levano também atrás a nota de tudo quanto haviam feito. Quando se aproximou, disseram-lhe que ele devia ser o mensageiro junto dos homens, das coisas do além, e ordenaram-lhe que ouvisse e observasse tudo o que havia naquele lugar. [...] E as almas, à medida que chegavam, pareciam vir de uma longa travessia e regozijavam-se por irem para o prado acampar, como se fosse uma panegíria; as que se conheciam, cumprimentavam-se mutuamente, e as que vinham da terra faziam perguntas às outras sobre o se passava no além, e as que vinham do céu, sobre o que sucedia na terra. [...] O essencial dizia ele que era o que segue. Fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, pagavam a pena de tudo isso sucessivamente. [...] Depois de cada um deles ter passado sete dias no prado, tinham de se erguer dali, e partir ao oitavo dia para chegar, ao fim de mais quatro dias, a um lugar de onde se avistava , estendendo-se desde o alto através de todo o céu e terra, uma luz, direita como uma coluna, muito semelhante ao arco-íris, mas mais brilhante e mais pura. [...] De repente, as almas

partiram dali, cada uma para seu lado, para o alto, a fim de nascerem cintilando como estrelas. Er, porém foi impedido de beber. Não sabia contudo, por que caminho nem de que maneira alcançara o corpo, mas, erguendo os olhos de súbito, viu, de manhã cedo, que jazia na pira. [...] a alma é imortal e capaz de suportar todos os males e todos os bens, seguiremos sempre o caminho para o alto, e praticaremos por todas as formas a justiça, com sabedoria, a fim de sermos caros a nós mesmos e aos deuses, enquanto permanecermos aqui; e, depois de termos ganho os prêmios da justiça, como os vencedores dos jogos que andam em volta a recolher os prêmios da multidão, tanto aqui como na viagem de mil anos que descrevemos, seremos então felizes.

Estaríamos a dialogar com o mito de ER?

2 CAPÍTULO 1 - PARADIGMA DOMINANTE, CRISE E PARADIGMA