• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – Principais teorias doutrinárias

4.7. Doutrina Brasileira

Caio Tácito apresenta seu conceito reconhecendo um direito anterior ao ato de autorização que teria o efeito de “levantamento de um obstáculo”, como mero ato atinente à eficácia de um direito anterior:

Não cria direito novo, mas possibilita a eficácia de direito preexistente que a lei condicionou, quanto aos seus efeitos, à permissão da autoridade pública, em atenção a interesses coletivos respeitáveis. 176

Esse entendimento o autor adota com base na doutrina italiana, negando claramente o efeito constitutivo da autorização: autorização não é ato originário de constituição de direitos.177

Esse conceito merece alguns apontamentos. Primeiro, dificulta a individualização da figura por tratá-la como gênero sem especificar se aceita o direito preexistente diante de uma autorização discricionária ou vinculada. O que sem dúvida será inaceitável se estivermos diante de uma autorização cujas condições de válida produção permitam certa margem de livre apreciação administrativa.

Em segundo, a utilização do termo permissão na definição de autorização, pode levar a confusões interpretativas. E mais, no instante que menciona “possibilita a eficácia de direito

176Caio TÁCITO, Temas de Direito Público: Autorização Administrativa (estudos e pareceres), p.735. 177 Idem, Autorização - Banco Central - Controle Jurisdicional, p.255.

preexistente”, coloca a autorização como uma condição jurídica suspensiva, nítida figura impositiva própria das relações contratuais, que não se adéquam às imposições legais.178

Ainda em relação à menção a direito preexistente, já vimos que a autorização é um ato individual que leva a conduta do indivíduo do campo do deôntico da proibição para o campo da faculdade. Como imaginar um direito preexistente se a atividade era proibida? Mesmo que se fale em vinculação, quando o direito regula o direito a construção, ele impõe os requisitos e dentre eles a obtenção do título jurídico comprovador do preenchimento desses requisitos para construir. O ato de autorização de polícia tem efeito de reconhecer o preenchimento (declaratório), mas também é constitutivo, pois coloca o cidadão em uma situação jurídica nova perante o Estado e a terceiros.

José Cretella Júnior, 179 observando a confusão terminológica doutrinária assevera que “o conceito da autorização tem trazido inúmeras confusões no espírito dos doutrinadores, penetrando o próprio Direito Positivo, confundindo-se, não raro, a autorização com a permissão, a admissão, a licença e a concessão”.

Na seqüência da exposição das suas idéias, coloca a seguinte proposição:

A terminologia pátria está longe de ser uniforme, quer na doutrina, quer no Direito Positivo, quer, mesmo na jurisprudência, onde os termos “autorização”, "permissão”, “licença” e “concessão” são empregados sem o menor rigor técnico e, o que é mais grave, baralhando-se nas definições o objeto a definir-se como o definido (autorização é a “permissão”; autorização é a” concessão”; autorização é a “licença”), quando, o rigor científico impõe que se defina de maneira genérica (autorização é a “outorga”; permissão é a “outorga”, licença é a “outorga”), empregando-se, no definido, vocábulo não técnico, pois o contrário levaria à identificação entre institutos diversos, além de infringir cânone expresso da lógica conceitual.

178 O Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10/01/2002, define no seu artigo art.121 que, considera-se

condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. No art.125, prevê que subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

O mesmo autor, fazendo referência à sistematização da doutrina italiana, citando estudos de Zanobini, Alessio, Tumiati, Santi Romano, Umberto Borsi, Umberto Fragola, Cino Vitta, conceitua autorização administrativa como ato administrativo unilateral e discricionário, mediante o qual a Administração Pública, por provocação do particular, faculta ao interessado o exercício de atividade ou a utilização de parte do domínio público, removendo, para tanto, o obstáculo legal impeditivo. A autorização pode ser simples, quando outorgada sem termus ad quem fixado, e qualificada, quando outorgada por determinado tempo. No primeiro caso, é precária, no segundo caso, irrevogável durante a fluência do prazo outorgado, a não ser que haja distorção na outorga.

Nota-se que Cretella Júnior, dá um tratamento conceitual mais preciso, e trata o ato em si, de maneira mais restritiva apontando a discricionariedade como característica. Aceita o autor na autorização administrativa duas acepções: tanto no exercício de poder de polícia, facultando o exercício de uma atividade, como na autorização de utilização de bem público, sem fazer a devida diferenciação entre a autorização em regime de polícia e a autorização em regime jurídico dominial de bem público.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello,180 discorrendo sobre o tema, diz que o essencial da autorização administrativa é facultar a alguém o exercício de atividade que sem ela seria proibida, e que só existe o ato jurídico de autorização, quando se verifica a manifestação da vontade do Estado, ou de quem faça suas vezes, pela qual se faculta discricionariamente a alguém o exercício de atividade que sem ela seria proibida.

O autor traça seu aspecto essencial que é conduzir a conduta do campo do deôntico do proibido, para o campo do deôntico facultado. O conceito é verdadeiro, mas cabe apontar, que o autor não aceita a autorização como ato administrativo que será produzido em controle prévio de ato jurídico, classificando esse ato como aprovação. Na seqüência do trabalho iremos abordar tal distinção.

Apontamos ainda, que colocar a discricionariedade como característica essencial da autorização não se adéqua ao estado atual legislativo brasileiro – essa crítica ocorrerá igualmente em relação ao entendimento de outros autores, como se verá adiante.

Celso Antonio Bandeira de Mello181 na mesma seara, entende que autorização é ato administrativo unilateral, pelo qual discricionariamente a Administração Pública, faculta o

180 Oswaldo Aranha BANDEIRA DE MELLO. Princípios Gerais de Direito Administrativo, p.519. 181 Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo Brasileiro, p.430.

exercício de atividade material, tendo como regra, caráter precário. Cita como exemplo: autorização para exploração de jazida mineral.

Neste conceito serve a mesma ressalva já feita em relação à discricionariedade e que o ato autorização pode facultar o exercício de uma atividade ou a prática de um ato jurídico, e não somente o exercício de uma atividade material.

Corretamente, faz alusão a unilateralidade da autorização, ou seja, não teria natureza de contrato, em que as vontades das partes em conjunto, gerariam os efeitos criadores do ato.

Chamamos atenção ao fato do autor aceitar a precariedade como regra, admitindo que poderá haver relações jurídicas que não ficarão sujeitas ao poder potestativo revogador da Administração, como fez Cretella Junior na autorização qualificada.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que a autorização administrativa tem várias acepções.182 Num primeiro sentido, designa o ato unilateral discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seria legalmente proibido. A segunda acepção seria ato unilateral discricionário pelo qual o Poder Público faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário. E a terceira seria ato unilateral discricionário e precário pelo qual o Poder Público delega ao particular a exploração de serviço público a título precário.

Já tivemos oportunidade no primeiro capítulo, em comento ao Art. 21, inciso XI e XII e Art. 223 da CF, de apontar nossas críticas a terceira acepção dada pela autora, que aceita a autorização como mecanismo de delegação de serviço público em interesse exclusivo do solicitante, sendo que no nosso entender, se trata de autorização de polícia administrativa.

Segundo Hely Lopes Meirelles autorização é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais etc. Citam os atualizadores da obra que a Lei 9.984, de 17.07.2000, que criou a Agência Nacional de Águas, introduziu nova forma de autorização de caráter especial, expedida com prazo determinado, sugerindo a denominação de autorização condicionada. 183

182 Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Direito Administrativo, p. 215. 183 Hely Lopes MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p.191.

José dos Santos Carvalho afirma ser a autorização um ato administrativo discricionário e precário pelo qual a Administração consente que o particular exerça atividade ou utilize bem público no seu próprio interesse. 184

Diógenes Gasparini, igualmente já referido no capítulo primeiro, aceita a autorização como ato administrativo discricionário ou vinculado, através do qual a Administração Pública outorga a alguém o direito de realizar certa atividade material (portar armar e derivar água de rio) ou executar e explorar certo serviço público. 185

Marçal Justem Filho cita que pela definição tradicional a autorização é um ato administrativo editado no exercício de competência discricionária, tendo por objeto o desempenho de uma atividade privada, o exercício de um direito ou a constituição de uma situação de fato, caracterizada pelo cunho da precariedade e revogabilidade a qualquer tempo.186

No entanto observa o doutrinador que o termo autorização é utilizado em situações incompatíveis com a idéia acima exposta. Faz referência que o Art.170, parágrafo único, da Constituição alude à autorização para o exercício de atividade econômica, o que não se compatibiliza com a concepção de uma competência discricionária, e mais, que essa tendência teria sido reforçada na disciplina de novas versões do serviço público187.

184 José dos Santos CARVALHO FILHO. Manual de Direito Administrativo, p.130. 185 Diógenes GASPARINI, Direito Administrativo, p. 378.

186 Marçal JUSTEN FILHO, Curso de Direito Administrativo, p.219. 187 Ibidem.

CAPÍTULO 5 – CRISE DO CONCEITO TRADICIONAL DE