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CAPÍTULO 4 – Principais teorias doutrinárias

4.2. Doutrina Italiana

Oreste Ranelleti, em sua obra Teoria degli Atti Amministrativi Speciali afirma que as autorizações são atos, em um caso particular, produzidos para permitir às pessoas o exercício ou a aquisição de um direito.130

Acrescenta que o exercício do direito de liberdades civis do indivíduo frente ao Estado – em qualquer direção em que esse direito possa ter lugar (liberdade pessoal, de comércio, indústria, etc.) – é freqüentemente sujeito a uma licença ou autorização da Administração, que, agindo em nome do interesse do público, resguarda atividades eventualmente nocivas ou perigosas que podem desenvolvidas pelo indivíduo. Exemplifica que o porte de arma, a indústria ou depósito de produto insalubre o perigoso, a abertura de hotéis, de restaurante, de cafés, de teatro e outros, são manifestações do direito de liberdade civil do indivíduo, mas a lei, na tutela da segurança pública, a subordina à obtenção de uma licença ou autorização de polícia.131

Aponta que se proíbe o exercício de um direito, o cumprimento de um ato ou uma atividade para proteger o interesse público, até que tenha obtido autorização da autoridade

130 Oreste RANELLETI, Teoria degli Atti Amministrativi Speciali. 7. ed.Milano: Giuffrè.1945., p.21: “Sono gli atti che in singoli casi concreti permetono a date persone l´esercizio o l´acquisto di un diritto.”

administrativa, e arremata que, a outorga da autorização, eliminaria o limite que a lei condicionalmente impôs ao exercício ou aquisição de um direito.132

No texto examinado, Ranelleti não fez distinção entre autorização vinculada e discricionária, tampouco precisou quando se retiraria o limite para exercício de um direito ou para a aquisição de um direito. Como o autor não afirma nada a este respeito, seria equivocado afirmar que no caso de outorga vinculada esta retiraria limite para exercício de um direito, e, no caso de autorização discricionária esta retiraria o limite para a aquisição de um direito.

Fábio Konder Comparato,133 aponta que a clássica doutrina italiana iniciada por Raneletti, em seu livro Teoria Generale Delle Autorizzazioni, publicado em 1898, desenvolveu o conceito de autorização como ato administrativo com a eficácia de remover um obstáculo legal ao exercício de um direito ou poder, que já pertence ao administrado. Aponta que esse conceito mereceu críticas de autores recentes, dentre os quais Pietro Gasparri,134 que sublinharam o fato de que, existindo uma proibição legal, um obstáculo legal, não se pode falar em direito ou poder do administrado, mas de simples interesse.

Caio Tácito também registra que desde o estudo de Ranelleti até os trabalhos mais recentes de Sanducci, Gasparri, Vignochhi, Alessi e Franchini o tema vem merecendo desenvolvimento, e que, para essa escola autorização importa em remover um obstáculo que se opõe ao exercício de um direito individual.135 O sujeito seria portador de um direito, mas não teria a faculdade de exercê-lo antes da autorização. O ato seria meramente de mediação sem constituir um direito novo.136

Cid Tomanik Pompeu, na mesma esteira, expõe que a doutrina italiana segue o modelo francês e belga – surgido nos campos das águas – que sustenta através da autorização a remoção de obstáculo ou limite para o exercício de direito, poder jurídico ou faculdades preexistentes.137

132 Ibid.,p.22: “Questa, perciò, concedendo l´auotrizzazione, rimuove il limite che la legge ha posto condizionatamente all´ezercizio o all´acquisto del diritto”.

133 Fábio Konder COMPARATO, As autorizações de funcionamento de instituições financeiras. Direito Público.

Estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p.240.

134 Pietro GASPARRI, Verbete Autorizzazione, in Enciclopédia Del Diritto, Milão, Giuffrè, apud Fábio Konder

COMPARATO. Ibid. p.242.

135 Caio TÁCITO. Autorização - Banco Central - Controle Jurisdicional, p.253-258. 136 Idem, Autorização Administrativa, p. 736.

Em conformidade com o texto compulsado de Ranelleti, publicado em 1945,138 expusemos que o ato de autorização tem o efeito de remover um limite legal existente para o exercício ou aquisição de um direito. Assim, daria margem para a conclusão que o autor não teria mantido fielmente seu entendimento anterior noticiado pela doutrina pátria, em que a autorização só teria o efeito de retirada de limite para exercício de direito preexistente. Mas ao verificar a sua definição para o ato de concessão, o referido autor menciona expressamente, ao contrário do que faz no ato de autorização, que há a constituição de uma nova condição jurídica ou um novo direito subjetivo ao solicitante, outorgando-lhe poderes públicos para a execução de atribuições governamentais.139 E como esse é o critério principal que usa para distinguir o ato de autorização da concessão, dá mostras que não alterou seu entendimento.

Ugo Forti, na produção do verbete Autorizzazione. Diritto amministrativo integrante do Novíssimo Digesto Italiano,140 aduz que de maneira empírica costuma-se falar em autorização administrativa em todos os casos que o exercício de um poder jurídico esteja subordinado ao consenso da autoridade administrativa que deverá prestá-lo caso a caso. Tal subordinação é disposta com escopo de prevenção. Tem em mira verificar preventivamente que o ato individual não representa perigo a certo interesse que a autoridade administrativa esteja incumbida de salvaguardar (autorização de polícia).

Quanto aos efeitos, para esse autor, a autorização possibilita ao sujeito poder fazer aquilo que antes o direito não lhe consentia fazer. Que este efeito significa precisar e caracterizar a autorização no lugar que ocupa dentro do sistema dos atos administrativos. Aponta que o conteúdo do ato de autorização não se exaure num accertamento (ato de verificação da presença dos requisitos legais) meramente declarativo da existência de determinada circunstância. O ato tem em mira um efeito constitutivo. Cita que para Renato Alessi,141 na realidade a característica constitutiva da autorização não concerne à titularidade do direito, mas à possibilidade jurídica de seu exercício.

O italiano Aldo Sandulli,142 registra (sob um enfoque do ato administrativo como procedimento), que o procedimento volto ad ottenere l´autorizzazione consente ao requerente realizar uma atividade privada, que estava nos termos do ordenamento jurídico, previamente

138 Oreste RANELLETI, Teoria degli Atti Amministrativi Speciali, p. 22 139 Oreste RANELLETI, Teoria degli Atti Amministrativi Speciali, p.22.

140 Verbete Autorizzazione. Diritto amministrativo. Novíssimo Digesto Italiano. Diretto da Antonio Zarra e

Ernesto Eula. Terza edizione.Editrice Torinese.1957.p.1580-1582.

141 Renato ALESSI, Sistema istituzionale Del diritto amministrativo italiano, Giuffrè, Milano, 1953, p.290, apud

Ugo FORTI, Verbete:Autorizzazione. Diritto aministrativo. Novíssimo Digesto Italiano, pp.1580-1582.

142Aldo SANDULLI, I procedimenti autorizzatori. a cura di Sabino Cassese. Trattato di Diritto

subordinada ao interesse público. E que nesta função à Administração cumpre verificar a presença dos requisitos exigidos por lei, a fim de evitar que o solicitante represente perigo social.143

Em relação à elaboração dos requisitos exigidos, acrescenta que o interesse privado não pode ser comprimido em medida desproporcional, exigindo a previsão do procedimento de autorização o necessário respeito à proporcionalidade de ação.

Diz que o tema da autorização mereceu desenvolvimento, e aponta alguns entendimentos. Na concepção tradicional, a diferença entre concessão e autorização é que aquela proporciona ao sujeito o gozo de um atividade benéfica para a sociedade, reservada para as autoridades públicas, e no caso da autorização tem como fim a remoção de limite para o exercício de um direito, após a verificação que não tem a capacidade de ser nociva ao interesse público.

Contrário a essa concepção tradicional, aponta doutrina de Massimo Severo Gianini, que admite a autorização constitutiva, com efeito de criar uma nova situação jurídica subjetiva, conduzindo à negação da incidência de um poder autorizatório sobre um direito preexistente do requerente, e complicando o critério de distinção entre autorização e concessão.144 Diz que nesse caso o critério distinto da concessão e da autorização ficaria reduzida somente em relação à finalidade, pois a concessão visaria o bem da sociedade através de exercício de atividade reservada ao Poder Público, e através da autorização o que se visa é evitar o mal decorrente de atividades privadas.

Aponta ainda uma terceira via através da doutrina de A.Orsi Battaglini,145 que reconhecendo o caráter constitutivo à autorização a divide em duas categorias: aquela mediante comportamento vinculado com efeito de reconhecimento, dando origem logo a situação jurídica de direito subjetivo. E a autorização mediante conduta discricionária de efeito constitutivo, dando origem a situação jurídica subjetiva de interesse legítimo. Assim, esse último entendimento reconheceria direito subjetivo no preenchimento dos requisitos legais, mediante uma outorga vinculada e no caso de outorga discricionária aceitaria uma situação jurídica fundada em interesse legítimo do sujeito requerente, nos mesmos moldes da

143 Ibid., p.1158.

144 Aldo SANDULLI, I procedimenti autorizzatori, p.1152.

145 A. Orsi BATTAGLINI, Autorizzazione amministrativa, in D.disc.pubbl.,II, Torino, Utet, 1987, p.70 ss.; Attività vincolata e situazioni soggetive, in Riv. Trim. Dir. proc.civ., 1988, p.3 e ss apud Aldo SANDULLI. I

doutrina de Pietro Gasparri,146 que sublinhando o fato de que, existindo uma proibição legal ou obstáculo legal, não se pode falar em direito ou poder do administrado, mas de simples interesse.

Portanto, na concepção tradicional, tanto a doutrina italiana como a doutrina alemã não fazem distinção quanto à outorga discricionária ou vinculada, trabalhando com o ato de autorização de maneira ampla. E nesta concepção tem destaque “a remoção de obstáculo”, ou seja, conteúdo de ato meramente declarativo que reconhece direito subjetivo preexistente. Tal conceito merece a crítica, como já fizemos antes, em relação à impossibilidade jurídica de direito preexistente em relação a uma conduta que era proibida. Ademais, a impropriedade do termo “direito preexistente” ficaria maior sem especificar se está tratando de ato vinculado ou discricionário. Mas ficou apontado, que tal posicionamento não é unânime na doutrina italiana, conforme exemplos referidos, que admite a autorização com efeito constitutivo de nova situação jurídica, como no caso de Gianini, e outros que admitem a autorização vinculada com efeito declaratório que origina situação jurídica de direito subjetivo e a discricionária com efeito constitutivo, mas de situação jurídica de interesse legítimo, sem falar em direito subjetivo.

Para nós, que admitimos anteriormente neste trabalho que o direito de liberdade ou o direito de propriedade é constituído juridicamente dentro dos quadrantes do direito, não podemos aceitar que no caso da lei proibir, por exemplo a exploração de um serviço de telecomunicação, facultando tal exploração mediante uma autorização administrativa vinculada, exista um direito a tal exploração independente da obtenção da autorização.

Havendo o deferimento por parte da Administração, amplia-se a esfera jurídica do administrado. O ato autorizatório constituiu uma nova situação jurídica.