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Duas Tendências da Alfabetização Matemática

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 185-192)

Capítulo IV Alfabetização e Letramento

4.7. A Alfabetização ou Letramento Matemático de Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca

4.7.1 Duas Tendências da Alfabetização Matemática

A Alfabetização Matemática de Fonseca (2010) apresenta sentido mais restrito e foi analisada pela autora, a partir do contexto do Letramento, tido como um processo macro quando comparado com a Alfabetização.

Nos estudos desenvolvidos acerca das relações entre práticas matemáticas e letramento, Fonseca (2010) relata a existência de, pelo menos, duas tendências de Alfabetização Matemática: uma, relacionada à aprendizagem das primeiras noções de Matemática; e a segunda, relacionada à aprendizagem da escrita matemática.

Na primeira vertente, a autora diz que o termo Alfabetização Matemática é normalmente utilizado com referências às primeiras noções de Matemática e estas, mais voltadas à matemática escolar. Dentro desta proposta, está embutido o conceito de alfabetização como sendo a iniciação a um campo de conhecimento.

De acordo com Fonseca (2010),

essa adjetivação é para que se transfira esse sentido da iniciação mais elementar ao mundo da leitura e da escrita, para, no caso da Alfabetização Matemática, [...], trilhando os primeiros passos da construção do conceito de número, da aquisição da representação numérica no sistema decimal de numeração ou da resolução de problemas envolvendo as operações fundamentais com Números Naturais; ou ainda para uma primeira incursão no campo da Geometria, contemplando [...] ou reconhecendo a classificação de figuras (p. 04).

Como é possível perceber, a ideia apresentada pela autora em relação à Alfabetização Matemática restringe o trabalho com essa proposta a campos conceituais, em que o fenômeno possa ser visto, contemplado e composto por meio de partes do conhecimento matemático. Estas partes estão mais relacionadas, segundo a autora, às questões da Aritmética e da Geometria.

Por outro lado, tem-se a segunda vertente, que toma a Alfabetização Matemática como a aprendizagem inicial da escrita matemática. Neste sentido, contempla um aspecto do conhecimento matemático, também muito presente na abordagem escolar que é o domínio da linguagem matemática de registro escrito (FONSECA, 2010, p.04).

Nesta concepção, para Fonseca, não se entende a Alfabetização Matemática apenas como

o reconhecimento dos símbolos adotados na escrita matemática ensinada na escola, mas também um modo de proceder matematicamente identificado com os princípios e os procedimentos do registro escrito e, especificamente, da matemática que se faz “com lápis e papel” (FONSECA, 2010, p.04).

Na verdade, a autora considera nesta proposta, a necessidade de conhecimento e domínio dos signos matemáticos, observando um certo rigor na matemática escolar. A autora traz que esta acepção de Alfabetização Matemática é útil para se referir a um processo relevante na formação matemática dos alunos, apontando para a necessidade de uma formalização entre o ler e escrever matemático.

Dentro desta linha de pensamento e considerando estas duas vertentes de Alfabetização Matemática, Fonseca (2004a) afirma que da mesma forma como em Língua Materna ocorreu a necessidade de se distinguir os processos de “Alfabetização” e “Letramento” (apontado no início deste capítulo), quando da inserção do sujeito no mundo da leitura e da escrita, também em Educação Matemática se vê o surgimento de termos como numeracia, numeramento,

letramento matemático, literacia estatística, etc, que são abordados pela autora como diferentes do que ela aponta como Alfabetização Matemática.

Todas estas palavras surgiram no contexto da Educação Matemática e, se referem ao processo de Letramento Matemático. Este para Fonseca (2010) envolve formas de uso, objetivos, valores, crenças, atitudes e papéis que estão ligados não apenas à escrita numérica, mas às práticas relacionadas às formas de quantificar, ordenar, medir e classificar existentes em um grupo num contexto específico (MENDES, 2001, p.84 apud FONSECA, 2010).

Neste sentido, é importante esclarecer que a autora adota o termo numeramento com o mesmo sentido de letramento matemático e este último vinculado ao Letramento em Língua Materna. Assim, conheceremos no tópico seguinte, um pouco mais de sua abordagem nestes termos.

4.7.2 – Numeramento ou Letramento Matemático

Para a análise do Numeramento, Fonseca (2010) toma por base o sentido atribuído por Soares (1998) ao Letramento.

Relembrando a abordagem de Soares (1998), vimos que Letramento é o resultado da ação de ensinar a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita (p.18). Assim, o letramento denota o resultado de uma ação, cujas consequências diretas serão verificadas também no meio social.

Sendo resultado de uma ação, uma forma de inserção do sujeito ao mundo da leitura e da escrita, no qual ele começa a analisar situações propostas, agindo de maneira consciente e ao mesmo tempo coletiva por poder interferir direta ou indiretamente em seu meio, Fonseca (2010) aponta um paralelismo entre os conceitos de Letramento e Numeramento.

Tal paralelismo é verificado quando Fonseca (2010) compartilha da mesma opinião de Toledo (2003) que afirma: numeramento inclui um amplo conjunto de

habilidades e estratégias, crenças e disposições que o sujeito necessita para manejar efetivamente e engajar-se autonomamente em situações que envolvem números e dados quantitativos ou quantificáveis (p.55).

Tais situações estão vinculadas ao meio e, neste sentido, o numeramento de Fonseca (2010) não se vincula apenas a escrita matemática, mas ao domínio desta, suas formas de uso, objetivos, crenças e atitudes concernentes ao seu manejo em um grupo e em um contexto de uso. Na verdade, o numeramento de Fonseca (2010) envolve práticas sociais e culturais com a Matemática.

Nesta premissa, toda a demanda do Letramento Matemático, vai se diversificar e complexificar de acordo com os modos de vida, produção e relação das sociedade letradas, de modo que, para o indivíduo se posicionar frente as demandas criadas, ele precise mobilizar uma imensa gama de conhecimentos, dentre os quais está o conhecimento matemático. A partir desse pensamento, o Numeramento vinculado ao Letramento Matemático de Fonseca (2010) assume-se como uma dimensão do letramento em Língua Materna.

A adoção dessa concepção nos leva a uma compreensão mais ampla do fenômeno educativo. Nela é oferecida ao aluno a ampliação das possibilidades de leitura do mundo e de inserção crítica na cultura letrada.

O Numeramento como dimensão do Letramento envolve a linguagem Matemática, a atividade numérica e também aspectos culturais amplos que dão significado às situações. Assim, é dada ao sujeito a oportunidade de identificar as intenções, as estratégias, as possibilidades de adaptação, resistência e até de transgressão colocadas pela sociedade, comumente regida pelo domínio da palavra escrita (FONSECA, 2010; p.07).

Neste sentido, o letramento surge da realidade crescente da demanda cada vez mais diversificada, sofisticada e intensa de uso da leitura e da escrita, no caso, também em Matemática. No processo de letramento matemático torna-se imprescindível se considerar o desenvolvimento de habilidades matemáticas. Estas no âmbito da pesquisa sobre o Índice Nacional de Alfabetismo Fundacional – INAF – 2004, onde Fonseca é consultora, relaciona o numeramento ao uso social da matemática escolar, sendo então entendida como

a capacidade de mobilização de conhecimentos associados à quantificação, à ordenação, à orientação e a suas relações, operações e representações na realização de tarefas ou na resolução de situações problemas, tendo sempre como referências tarefas e situações com as quais a maior parte da população brasileira se depara cotidianamente (FONSECA, 2004, p.13).

Conforme exposto, tal entendimento remete ao numeramento uma concepção bastante próxima do conceito de letramento como tradução do termo Literacy. Isso significa que se espera do indivíduo, um domínio dos conceitos matemáticos aprendidos na escola e que ele consiga utilizá-los no processo de resolução de problemas cotidianos, como os que necessitam do uso de certas operações matemáticas.

Nesta perspectiva, de acordo com Fonseca (2004),

essa concepção quer refletir tanto uma compreensão ampliada das práticas de leitura, identificada com a adoção da perspectiva do letramento e não exclusivamente da alfabetização, quanto um compromisso com a explicitação do papel social da educação matemática, que assumimos como uma responsabilidade de promover o acesso e o desenvolvimento (cada vez mais democrático e consciente) de estratégias e possibilidades de leitura do mundo para as quais conceitos e relações, critérios e procedimentos, resultados e culturas matemáticos possam contribuir (p.13).

Nesta ideia de numeramento na perspectiva do letramento, espera-se que o sujeito tenha não apenas a posse dos instrumentos de leitura e escrita, mas saiba fazer uso desses recursos de modo a ter uma participação mais ativa no contexto social onde vive.

A ideia de Fonseca (2004) é de busca de soluções para situações problemas reais, fazendo uso de habilidades e conhecimentos matemáticos. E isso é proposto quando na análise dos resultados do INAF(2004) se verifica que, o grande problema das pessoas em Matemática, não está no fazer contas, mas no resolver problemas. Dentro deste raciocínio, a autora diz que

na vida e na escola, as pessoas parecem ter sido treinadas para execução de tarefas pré-definidas, mas não para a análise de situações, para o estabelecimento de um plano, para a seleção e/ou a busca de dados relevantes, para a execução articulada e o controle dessa execução de procedimentos criados ou adaptados, para a interpretação e a crítica dos resultados encontrados e sua disponibilização para novos usos futuros (p.22).

Uma nova proposta educativa é apresentada pela autora, onde o objetivo seja proporcionar ao aluno a oportunidade de desenvolvimento de estratégias de resolução e aplicação de procedimentos em contextos de utilidade e não aprender de modo mecânico procedimentos matemáticos.

Neste sentido, a autora acredita em um trabalho com diferentes estratégias de leituras e focado ao trabalho com gêneros textuais nas aulas de matemática (FONSECA apud NACARATO e LOPES, 2009). Os gêneros matemáticos podem ser: enunciados de problemas, instrução para exercícios, descrições de procedimentos, definições, enunciados de propriedades, teoremas, demonstrações, sentenças matemáticas, diagramas, gráficos, equações, etc (FONSECA apud NACARATO e LOPES, 2009, p.65).

Diante deste quadro, é exigido do professor um trabalho diferenciado e focado em ações pedagógicas específicas que contemplem o desenvolvimento de estratégias de leitura, a análise de estilos, a discussão de conceitos e de acesso aos termos envolvidos.

A ideia é trabalhar com textos que veiculem exposição de conteúdos, definições, demonstrações, resultados, etc (FONSECA apud NACARATO e LOPES, 2009, p. 65) e que abram possibilidades para a contextualização da Matemática na realidade dos alunos e, ao mesmo tempo, os coloquem em situações novas e de desafios. Ao transcender tais desafios, os alunos são colocados diante de uma outra possibilidade de vida.

Percebemos, desta forma, o interesse da autora de trazer o papel social e cultural da escolarização para o cotidiano dos alunos e dos professores por meio do Numeramento na perspectiva do Letramento.

Após conhecer o que os autores referendados trazem acerca de nosso objeto de estudo, buscamos estruturar nosso pensamento quanto a Alfabetização Matemática. Para tanto, identificamos aspectos convergentes e divergentes e compomos o tópico seguinte.

Capítulo V

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 185-192)