• Nenhum resultado encontrado

A objetividade interiorizada a qual se referiu Bourdieu, se torna, enquanto representação, a extensão subjetiva da objetividade material, e desse modo, duplamente contraposta –, primeiro ao conceito de classe exclusivamente material, utilizado como exemplo desse “duplo enraizamento”, que ignora todo sistema simbólico do qual se deriva a significação que o próprio sujeito vem a fazer de si em relação aos outros agentes – e segundo ao modelo subjetivista que toma o sistema simbólico em si, ignorando a dimensão estrutural. Ora, as representações dos sujeitos sobre si partem do campo artístico”, que cria todo o tempo novos meios de consagração (DURAND, José Carlos. Política cultural e economia da cultura. 2003, p. 35), a produção do mecanismo de legitimação não deixa de existir e objetivamente não parece ter se tornado uniforme, haja a vista a histórica disputa que envolve as instituições culturais aqui estudas: o MAM SP e o MAC USP, e que por vezes, possa aparecer nas entrelinhas das falas dos seus funcionários.

32 diretamente do habitus incorporado e forjado pelas divisões objetivas entre as classes a partir das condições materiais de manutenção dos símbolos de reconhecimento e distinção dentro da sociedade como um todo.

O “mundo artificial da sociabilidade”, ou o faz de conta da interação ao qual se referia Simmel 31, amplamente considerado pelo interacionismo simbólico ao retomar o indivíduo – ou o ator – como parte das interações, somente será possível nos limites estruturais da sociedade. Dito de outro modo, a teatralização da vida nos termos de Erving Goffman 32 e que pauta a mediação simbólica nos ritos de interação, encontra, na perspectiva bourdieusiana e para além da própria subjetividade, a lógica própria das distribuições dos diferentes tipos de capital nas distintas frações de classe. Nesse sentido, o agente apenas representa aquilo que, de acordo com sua posição, lhe é possível exteriorizar pelo habitus já incorporado.

Trabalhar no limite entre a subjetividade e a objetividade, na tentativa de relacionar a microssociologia (ritos de interação face a face) à macrossociologia (estruturas), implica retomar a própria noção de hierarquia, ou seja, a posição dos agentes no espaço social e suas projeções frente às possibilidades de deslocamento no espaço social. Bem dizer, o conceito de “Mundo” trabalhado por Becker e McCall 33,

como uma organização mais ou menos estável da atividade coletiva, na medida em que não hierarquiza os agentes, incorre no risco de ocultar certos conflitos próprios dos problemas estruturais relativos à própria posição do mundo da arte nas questões que envolvem a produção, circulação e recepção dos produtos artísticos 34.

Metodologicamente, explorar essa dupla objetividade requer a construção de um método etnográfico capaz de relacionar a experiência individual do ponto de vista do sujeito em relação ao mundo social com o qual interage. Nesta perspectiva, é importante

31 SIMMEL, Georg. Questões fundamentais de sociologia. 2006, pp. 70-71.

32 Cf. nesse sentido, GOFFMAN, Earvnig. Interaction ritual: essays on face-to-face behavior. 1967. Do mesmo autor. The presentations of self in everyday life. 1956.

33 BECKER, Howard., S. MCCALL, Michal, M e Michal. Interactional and cultural studies.1990. esp. pp.. 09-12.

34 A análise de Becker aborda o mundo da arte através das cadeias de cooperação, isto é, o mundo da arte está vinculado ao trabalho conjunto de diferentes pessoas, com interesses divergentes se comparados ao produtor (artista), portanto, é evidente que não se trata de cooperação em termos coletivistas. Cf. nesse sentido, BECKER, Howard S. Mundos da arte. 2010. pp. 27-49. No entanto, a crítica referente às hierarquias se opõe à ideia de rede de tarefas variadas, que ignorada a legitimidade de agentes mais próximos à produção da arte em si, em relação aos agentes mais afastados do produtor, portanto, mais distantes do polo puro.

33 salientar a crítica de Bourdieu, que retoma o papel do agente na descrição etnográfica, que se torna uma ferramenta de verificação, estatisticamente fundadas, das regularidades do mundo social em oposição à leitura objetivista. A etnografia permite investigar a leitura do agente sobre o mundo social sob o qual o indivíduo investe suas práticas 35 e isso porque a realidade social é construída não apenas coletivamente, mas também individualmente por meio das práticas que estão ligadas às estruturas externas à sociedade 36.

Como reafirma Wacquant sobre a orientação de Bourdieu, a interação do pesquisador e do pesquisado requer o esforço de objetivação etnográfica que implica não apenas estar próximo ao informante, mas basear a fala no conhecimento prático e teórico sobre as condições sociais de existência que os produzem e das posições que ocupam no campo 37. Trata-se, pois, de apreender as regularidades através das práticas que desvelem as tensões sociais amalgamadas por uma relação hierárquica que se reproduz dentro dos museus – neste caso, museus de arte, instituições responsáveis pela legitimação da arte, e que se compõem por profissionais especializados de um lado e profissionais não especializados do outro.

35 O mundo como “vontade” e “representação” no sentido de Schopenhauer. BOURDIEU, Pierre. WACQUANT, Loïc. An invitation to reflexive sociology.1992. pp.8-9.

36 BOURDIEU, Pierre. Op. cit.,1992, pp. 10 -12.

34

Capítulo 2

Experiências etnográficas no museu, ou como entrar no

museu pela porta dos fundos

“Um dos poucos grandes artistas plásticos que pode ser chamado de naïfe e ao mesmo tempo pode ser chamado de clássico. Aí tá, o Ibirapuera, que nessa visão é muito pessoal e acho que, ao mesmo tempo tem uma sofisticação e uma simplicidade. (...) É essa capacidade de ser ao mesmo tempo popular e erudito. É possível esse diálogo?”

(O cineasta Carlos Reichenbach, sobre a obra de Rodolpho Tamanini Netto. Série Obra Revelada, por Jorge Coli.)