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3 PROCESSOS DE GESTÃO DO RISCO GEOTÉCNICO EM TÚNEIS

3.3 MITIGAÇÃO DO RISCO

3.3.2 O papel da prospecção geotécnica

3.3.2.1 Durante o projecto

Na construção subterrânea é particularmente importante prever as propriedades do terreno com a maior exactidão possível, uma vez que os erros podem ter consequências graves, no que respeita aos prazos e custos adicionais para a obra. O primeiro, e também o mais importante passo na redução dos riscos geotécnicos, é a realização de uma campanha de prospecção e ensaios adequada.

A chave para um bom entendimento do terreno é a elaboração de planos para a execução dos reconhecimentos ao longo do(s) alinhamento(s) previstos(s) e a sistematização da interpretação das condições geológicas, hidrogeológicas e sísmicas. É igualmente importante dispor de informações fiáveis sobre a localização e as características das infra-estruturas existentes no subsolo e à superfície, a fim de avaliar a sua eventual influência nos métodos de construção e as precauções a adoptar.

Para Neto & Kochen (2000), a maioria dos acidentes geológicos são causados pelo não reconhecimento antecipado de situações hidrogeológicas e/ou geotécnicas desfavoráveis. Relativamente aos aspectos na fase de projecto este ponto é apoiado pelas seguintes observações relativas à insuficiência dos estudos geológicos (op. cit.):

O Dono de Obra impõe um limite no orçamento para os estudos geotécnicos, sem avaliar o potencial de eventuais riscos geotécnicos residuais;

O plano de prospecção é estabelecido, independentemente do método de escavação a ser aplicado na construção do túnel;

O plano de prospecção é geralmente executado numa única etapa; no entanto, uma prospecção com mais etapas seria mais informativa.

O problema básico enfrentado por um Projectista na tentativa de prever os riscos geotécnicos na construção de um túnel reside na quantidade de informações que podem ser obtidas a partir do programa de prospecção e ensaios da zona (Hoek & Palmeiri, 1998). O gráfico da Figura 3.10 elaborado com base em dados recolhidos pelo United States National Committee on Tunneling Techonology (USNC/TT), após entrevistas a Donos de Obra, Equipas de Fiscalização e Empreiteiros que intervieram em 84 túneis (Hoek & Palmeiri, op. cit.), demonstra a importância da realização da prospecção geotécnica por sondagens face ao acréscimo nos custos contratuais da obra decorrentes de imprevistos geotécnicos.

Figura 3.10. Variação do custo da obra em função da relação comprimento total de sondagens e comprimento do túnel (Hoek & Palmeiri, 1998, adaptado).

Uma questão que frequentemente se coloca refere-se à quantidade de trabalhos de prospecção que, admitindo que não havia limitação de recursos, poderia ser considerada suficiente. A resposta a esta questão é muito dependente da natureza da obra e das condições do local. Contudo, existem já alguns valores de referência que podem ser usados

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por Donos de Obra e Projectistas. Segundo Zhou & Cai (2007) a Figura 3.10parece sugerir que a partir da relação 1,5, a variação dos custos do contrato, relativo às condições locais, pode ser mantida em valores iguais ou inferiores a 10%. Esta relação pode ser adequada para túneis de grande extensão. Ao invés, para instalações de armazenamento subterrâneo, túneis de pequeno comprimento e cavernas, em que as condições geológico-geotécnicas serão, em princípio, menos heterogéneas, esta relação poderá provavelmente ser reduzida (Zhou & Cai, op. cit.).

A Figura 3.10 sugere ainda que a realização de uma quantidade de sondagens insuficiente, poderá, em alguns casos, conduzir a um acréscimo significativo nos custos da obra. Este acréscimo está claramente associado com as dificuldades que surgem em resultado de condições geológicas imprevistas. Os mesmos autores (ib.) referem que estas conclusões são particularmente verdadeiras para túneis de grande extensão em terreno montanhoso, onde geralmente não é, nem fisicamente, nem economicamente viável a execução de um número suficiente de sondagens ou a escavação de um número suficiente de galerias, para estudar todas as unidades litológicas ao longo do alinhamento.

Além da necessidade de interpolar condições geológicas entre furos muito espaçados e/ou um número muito exíguo de galerias, existe ainda o problema de estimar os parâmetros geotécnicos para as condições geológicas resultantes dessa interpolação. O resultado é uma imagem muito vaga dos problemas de construção e dos custos resultantes que estarão associados com a escavação do túnel. A Figura 3.11 elucida bem este importante aspecto, onde se observa que existem algumas discrepâncias entre as classes de terreno avançadas na fase de estudo prévio e as que realmente ocorrem na fase de construção.

Figura 3.11. Contraste da classificação do terreno entre a fase de estudo prévio e a fase de construção de um túnel (Ikuma, 2008, adaptado).

Segundo Azevedo (2008), para atingir os objectivos estabelecidos numa campanha de prospecção e caracterização de maciços, sejam eles terrosos ou rochosos, deve-se definir da forma mais exacta possível todos os factores de natureza geológica, geotécnica, hidráulica e geomecânica do maciço que possam interferir no desempenho técnico e económico da obra; é ainda necessário delimitar as diferentes unidades lito-estruturais presentes e a relação geológico-estrutural entre as mesmas, caracterizar a relação hidrogeológica entre as unidades discriminadas, obter parâmetros de natureza geotécnica dos maciços e das descontinuidades, seleccionar e executar os ensaios de laboratório e in situ e definir o valor dos parâmetros mecânicos e hidráulicos a ser utilizados no projecto, entre outros. Em suma, definir e caracterizar todos os condicionamentos que podem interferir na estabilidade da obra. A descrição do terreno é, deste modo, necessária para a elaboração de um modelo geológico que seja suficiente para a preparação do modelo geotécnico, para a avaliação do terreno, a sua subdivisão em diferentes unidades geológicas ou zonas homogéneas, e para o reconhecimento e avaliação dos potenciais cenários de risco.

Diversas técnicas e métodos de prospecção são frequentemente apresentados como solução para minimizar os riscos. No entanto, as metodologias não traduzem o carácter dinâmico dos trabalhos e não alertam para o problema das incertezas, de diferentes índoles, produto das diversas actividades levadas a efeito durante o transcorrer do processo, onde todas as fases da obra são guiadas fortemente pela experiência e julgamento profissional dos técnicos responsáveis pela condução dos trabalhos. É importante referir que determinadas condicionantes geológicas não são, ou não podem ser, identificadas e caracterizadas pelos métodos e técnicas mais usuais de prospecção. É o caso de algumas estruturas (estreitas bandas de cisalhamento e/ou de falha), diques, andamento do substrato, cavidades cársicas, etc., que para a sua determinação, necessitam de métodos de prospecção específicos e/ou da conjugação de diferentes métodos. Quanto mais cuidadosos e criteriosos forem os trabalhos de prospecção, menor a probabilidade de serem encontradas surpresas sobre condicionantes geológicos. No entanto, a execução de mais e melhores estudos geológico- geotécnicos não podem, por si só, resolver adequadamente o problema, uma vez que as informações nunca serão completas. Existirão sempre incertezas associadas aos dados obtidos, às interpretações efectuadas, aos parâmetros e propriedades consideradas, etc.

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A avaliação da suficiência e, de certa forma, da qualidade dos estudos em obras subterrâneas tem sido executada analisando-se basicamente dois parâmetros: o comprimento de sondagens mecânicas executadas em relação ao comprimento total do túnel e o custo dos estudos geológico-geotécnicos em relação ao custo da obra. O USNC/TT (1984 in Azevedo, 2008) recomenda que o valor dispendido para campanhas de prospecção deve situar-se em cerca de 3% do custo do empreendimento e estabelece como adequado um comprimento total de sondagens mecânicas equivalente a 1,5 vezes o comprimento do túnel. Por sua vez, como termo de comparação, na Noruega o orçamento recomendado para as campanhas de prospecção situa-se na faixa de 2-10% do custo de escavação para túneis rodoviários e entre 5 a 15% para os túneis submarinos, além de 2-5% para realização de sondagens a partir da frente escavação, durante a construção (Zhou & Cai, 2007). O valor real dependerá do grau de dificuldade do projecto e das exigências da estrutura.

De uma maneira geral, o meio técnico reconhece como válidas estas orientações. Não há critérios formalmente estabelecidos para o desenvolvimento de estudos orientados exclusivamente pelo contexto geológico. Há apenas orientações vagas, sugerindo alteração nestes critérios em função da complexidade geológica e/ou do projecto. Por exemplo, em relação à profundidade, as sondagens devem atingir no mínimo um diâmetro abaixo da soleira do túnel, mas a experiência mostra que em alguns casos isso pode ser insuficiente. Segundo Hoek & Palmeiri (1998) deve ser evitado a todo custo uma abordagem do género livro de receitas, e.g., a “exigência”de uma sondagem a cada x metros. Admita-se, por exemplo, um túnel de 25km de extensão, escavado num maciço rochoso competente, sob uma montanha, com uma cobertura de terreno média de 300m. Admita-se ainda que, com base na experiência local, seja expectável, a cada 500m a presença de uma falha ou de uma área de contacto, mais frágil, entre diferentes tipos de rochas. Uma campanha de prospecção razoável consistiria na execução de furos de sondagem a cada 250m para a caracterização da rocha intacta, falhas e zonas de contacto, totalizando 30000m de sondagens. O custo da mobilização do equipamento e execução das sondagens, bem como o tempo dispendido são proibitivos mas, mesmo com uma campanha de prospecção pormenorizada e extensiva, a eliminação completa do risco devido a condições geológico- geotécnicas inesperadas não é possível (Hoek & Palmeiri, 1998 in Barbosa, 2008).